Como governo Lula chega à COP após ano de incêndios, seca e enchente no Rio Grande do Sul?

Encontro começa segunda-feira, em Baku; Brasil defende maior transparência em cálculos para financiamento climático e datas de execução

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Foto do author Paula Ferreira

BRASÍLIA - A Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP-29) começa nesta segunda-feira, 11, em Baku, no Azerbaijão, e será um evento-chave para o Brasil. O encontro reúne cerca de 190 países para traçar estratégias para frear o aquecimento global.

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O Brasil chega à cúpula após um ano difícil, com catástrofes naturais, como a enchente do Rio Grande do Sul, e a pior seca em pelo menos sete décadas, quando começou a medição federal. A estiagem ainda intensificou queimadas pelo País, com recordes na Amazônia, no Pantanal e até em São Paulo.

A crise expôs falhas de prevenção e resposta da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que colocou a bandeira ambiental como prioridade neste mandato. Parte das promessas do governo, como criar uma autoridade climática para articular as estratégias do poder público, não saiu do papel.

Maior catástrofe ambiental da história gaúcha evidenciou a necessidade de investir na adaptação, para que as cidades se tornem mais resilientes. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Especialistas ouvidos pelo Estadão dizem que a série de desastres é um alerta para a COP-30, em Belém. Além disso, para assumir a liderança dessa agenda, o Brasil ainda enfrenta o dilema sobre a exploração de petróleo.

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Para o governo brasileiro, é fundamental destravar na COP-29 a negociação sobre financiamento climático: os países reivindicam ajuda das nações ricas para custear medidas contra a crise climática. Não há consenso sobre quem paga a conta e quanto vai para cada um.

“Se não conseguirmos chegar num acordo razoável, coloca toda a confiança no Acordo de Paris (pacto contra a crise climática assinado por mais de 190 países) em situação muito difícil”, afirmou a secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, em conversa com jornalistas sobre a COP-29.

Lula, que iria a Baku, desistiu da viagem em outubro. Segundo o Planalto, a ida do petista foi cancelada porque seria uma longa viagem com data próxima a outras agendas como o encontro da Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC, na sigla em inglês), no Peru, e o G-20, no Rio de Janeiro.

O vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), será o representante do Brasil na Conferência. A ausência de Lula, na opinião de especialistas, pode enviar recado negativo, sobretudo pelo fato de o País ser o próximo anfitrião.

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“O governo precisa começar a construir a articulação política para garantir que a COP do ano que vem tenha bons resultados. Já devia ter começado a fazer esse processo, e a presença do Lula seria importante para isso”, diz Caroline Prolo, consultora do grupo dos países menos desenvolvidos nas negociações da Convenção do Clima há 13 anos.

Repercussão das queimadas

Neste ano, o Brasil registrou até novembro 243.564 focos de incêndio, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), alta de quase 60% ante o mesmo período de 2023. Mais uma vez, o governo teve dificuldades em combater a profusão de queimadas, embora as previsões meteorológicas indicassem a estiagem e o risco de fogo.

“O problema vai ser no ano que vem quando as queimadas acontecerem de novo. É muito possível que continue acontecendo. Aí sim, terá um histórico de incidentes, que podem ser percebidos como incompetência do governo em gerir esse problema”, analisa Caroline, advogada especialista em negociação climática.

Para ela, o governo precisa agir desde já para evitar que a crise se repita em 2025, sob o ônus de ter de lidar com uma questão grave ao mesmo tempo em que conduz a negociação climática na COP-30. ”Considerando que o Brasil se preocupa em ampliar a captação de recursos internacionais para o Fundo Amazônia e mais iniciativas de proteção ambiental, o fogo na Amazônia e no Pantanal pode criar problemas”, diz Bruno Hisamoto, especialista em política climática do Instituto ClimaInfo.

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Por outro lado, Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, diz que o Brasil pode justamente inverter o argumento a seu favor. “O governo diminuiu o desmatamento. Quando junta as duas coisas (o governo pode) dizer: as queimadas não são porque a floresta está ficando mais destruída, e sim porque o clima está sendo mais destrutivo. O País precisa se preparar mais, e, para isso, precisa de mais dinheiro”, afirma.

Mercosul x União Europeia

A discussão ambiental tem influenciado cada vez mais na agenda econômica. No ano passado, o presidente francês Emmanuel Macron criticou na COP-28, em Dubai, o acordo entre Mercosul e União Europeia. Ele argumentou que os termos do acordo são obsoletos e não levam em conta questões relacionadas à preservação ambiental.

COP em Baku reúne cerca de 190 países para traçar estratégias para frear o aquecimento global. Foto: Alexander Nemenov/AFP

Ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira e pecuarista, Pedro de Camargo Neto afirma que o governo precisa garantir que o discurso oficial seja viabilizado na prática. Caso contrário, dificilmente conseguirá romper as barreiras do mercado europeu. Uma das principais metas de Lula, anunciadas desde o início do governo, é zerar o desmatamento na Amazônia até 2030.

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“Fim do desmatamento ilegal em 2030 é pouco ambicioso, não sinaliza o que o Brasil precisa sinalizar para a União Europeia e para o mundo. E (no caso do desmatamento) legal, vamos arrumar uma maneira de fazer isso, porque passou um ano e eles (o governo) também não explicaram”, critica.

Chuvas no Rio Grande do Sul

A maior catástrofe ambiental da história gaúcha evidenciou a necessidade de investir na adaptação, para que as cidades se tornem mais resilientes à mudança do clima. A expectativa é de que a COP-29 debata metas globais de adaptação, para fixar parâmetros que os países devem seguir neste tema.

O governo federal está em processo de construção de 16 planos setoriais de adaptação, que incluem diversas áreas do governo, como Saúde, Agricultura e Energia. Os planos trarão metas, formas de financiamento e meios de implementação.

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“E tendo adiantado o debate nacional, a gente está muito mais bem preparado para influenciar o debate internacional de adaptação”, avalia Ana Toni, do Ministério do Meio Ambiente.

Dilema do petróleo

Desde o ano passado, o Brasil tem enviado sinais trocados de sua posição sobre o uso de combustíveis fósseis. A falta de coesão pode atrapalhar a tentativa de liderar a discussão climática.

Em plena COP-28, no ano passado, o governo anunciou a adesão à Opep+, grupo que reúne países exportadores de petróleo, apenas um dia após Lula discursar pela redução da dependência econômica de combustíveis fósseis e o aumento do ritmo de desenvolvimento de energias renováveis.

De lá para cá, o próprio presidente se contradisse, garantindo a exploração do recurso na Margem Equatorial, próximo à foz do Rio Amazonas. “Pode ficar certo que vamos explorar”, disse Lula em junho.

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A Petrobras trava uma batalha com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pela autorização de investigar petróleo no local. No fim de outubro, o Ibama deu novo parecer e manteve a negativa para que a empresa faça a perfuração.

Os combustíveis fósseis são a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no planeta. No ano passado, o Brasil foi o 8º maior produtor de petróleo do mundo. “Você não vai atacar o centro do problema querendo vender cada vez mais problema”, diz Astrini, do Observatório do Clima.

Novas metas para conter emissões

Na sexta-feira, 8, o Brasil apresentou sua nova proposta de meta climática, em que assume o compromisso em reduzir suas emissões líquidas de gases de efeito estufa de 59% a 67% em 2035, na comparação aos níveis de 2005. Especialistas, no entanto, viram o plano como aquém do necessário.

Desde a última COP, o Brasil defende que o máximo possível de países se comprometam com metas que limitem o aquecimento abaixo de 1,5ºC ante o nível pré-industrial, a chamada “Missão 1.5″.

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O Acordo de Paris previa objetivo menos ousado: um teto de 2ºC. Com o avanço das mudanças climáticas e eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos, porém, cientistas dizem que as metas não serão suficientes para evitar o colapso do planeta.

Financiamento climático

Neste ano, a COP se concentra na definição de nova meta coletiva e quantificada para o financiamento climático (NCQG, na sigla em inglês). Ou seja, o dinheiro para bancar ações de mitigação, adaptação e combate à crise climática.

Na Cúpula de Copenhague, em 2009, foram prometidos US$ 100 bilhões anuais até 2020, que deveriam ser pagos pelas nações ricas aos países em desenvolvimento. Os valores, porém, estão defasados segundo entidades e governos que recebem os recursos.

A Convenção-Quadro da ONU sobre Clima tem o princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”. Significa que, como os países ricos contribuíram mais para o aquecimento global no crescimento econômico, devem fazer esforços maiores para saná-lo.

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Essa discussão opõe o Brasil a países ricos. Na COP, o governo vai defender que se defina valores e rejeitar, por outro lado, a proposta das nações desenvolvidas de ampliar o número de doadores. Isso incluiria emergentes - como Brasil, Índia e China - na obrigação de bancar ações.

Para o secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, embaixador André Corrêa do Lago, há a “percepção que (os países ricos) querem que entrem outros países em vez deles”.

Valores e fórmula de cálculo

O Brasil sugere um novo valor para o financiamento climático e que o cálculo seja feito a partir de metodologia acordada entre os participantes da COP. Hoje usa-se a fórmula da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Segundo Ana Toni, a falta de fórmula definida faz com que entrem na conta recursos não diretamente ligados ao combate às mudanças climáticas, como iniciativas voltadas para imigrantes.

O Brasil defende ainda que a COP-29 fixe prazo para efetivar o pagamento - de cinco ou dez anos. O País considera necessário definir onde os recursos do financiamento internacional devem ser usados, seja em estratégias de adaptação ou para mitigar o aquecimento global.

Presidência da COP

Uma das críticas tem sido a lentidão do Brasil nas articulações necessárias para influenciar a discussão até a COP de Belém. Entre especialistas, a visão é de que o País já poderia, por exemplo, ter indicado o presidente da COP-30, responsável por conduzir as negociações no encontro.

Um dos principais cotados é o embaixador André Corrêa do Lago. Outro nome que circula nos bastidores é o da secretária Ana Toni; e o da própria ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Especialistas citam alguns esforços do Brasil, como a parceria com Emirados Árabes Unidos (que sediou a COP passada) e Azerbaijão, conhecida como “Troika”. A coalizão quer influenciar a formulação das metas de reduzir emissões para que o acordo de Belém seja efetivo para limitar o aquecimento global.

“O governo está atrasado”, na avaliação de Caroline Prolo. “Precisava já estar fazendo todas as costuras políticas para a liderança da próxima COP, fazer conversas com outros países para engajá-los na necessidade de apresentar a NDC (meta para cortar emissões)”, diz.

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