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Como o chocolate e o açaí da Amazônia fazem parte de um mercado de até R$ 40 bi?

Estrutura com base nos ativos do bioma pode gerar até 2050 mais de 830 mil empregos e garantir a conservação de 83 milhões de hectares de florestas, aponta estudo

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Foto do author Paula Ferreira

BELÉM - Às margens do rio Acará, no Pará, um grupo de oito ribeirinhas acordava às 4h para moer o cacau e transformá-lo em chocolate. O horário não era por acaso, na floresta e sem local adequado, o calor amazônico desanda a pasta que não é batida nas primeiras horas da manhã.

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O que era um experimento aos poucos se transformou em negócio e, hoje, as “Guardiãs do Cacau” já não precisam madrugar. Em uma pequena sala refrigerada, construída na beira do rio, as empreendedoras produzem o “Acaráçu”, um chocolate fino que carrega a Amazônia como marca, do cacau à embalagem.

A pequena empresa das Guardiãs é um exemplo da bioeconomia que circula no bioma e ainda é pouco dimensionada. Um estudo do World Resources Institute (WRI) Brasil, chamado “Nova Economia da Amazônia”, estimou que a partir de 2050 esse modelo de negócio, que tem como premissa a preservação da floresta e exploração sustentável, deve movimentar cerca de R$ 40 bilhões por ano. Nesta terça-feira, 5, é comemorado o Dia da Amazônia.

Guardiãs do Cacau produzem o "Acaráçu", um chocolate que carrega a Amazônia como marca; ideia de criar o negócio surgiu durante a pandemia Foto: PAULA FERREIRA/ESTADÃO

A pesquisa leva em consideração apenas 13 produtos da região com informações mais robustas a respeito da comercialização, como o cacau, o açaí, castanha, entre outros. Isso significa que, na prática, o montante movimentado nessas transações deve ser muito maior, já que há uma infinidade de produtos da floresta que não aparecem na conta. Segundo a literatura científica, a população local utiliza cerca de 270 itens na alimentação, além de centenas de ervas, o que indica a riqueza de recursos disponíveis na Amazônia.

”Com as estatísticas oficiais acabamos não chegando em grande parte do que essa economia representa. A gente tem uma metodologia de varredura pelas estruturas de comércio, na qual a partir das mais agregadas a gente mapeia quais são os produtos que estão com rede de circulação naquela região”, explica o pesquisador Francisco de Assis Costa, um dos autores da pesquisa e membro do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Somente no Estado do Pará, os pesquisadores estimam que haja 30 produtos de circulação em cadeia, dos quais nem todos são contabilizados pelos órgãos oficiais para medir o tamanho dessa economia.

O potencial da floresta para fornecer insumos de maneira sustentável fica evidente já nos fundos da pequena sala de produção do chocolate Acaráçu: é possível encontrar árvores de matérias-primas amplamente comercializadas, como o cacau, a castanha do Pará e a andiroba.

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A linha de produção do chocolate começa e termina em casa: as empreendedoras compram o cacau de um produtor vizinho, que faz a secagem do produto em um galpão ao lado de onde as Guardiãs manipulam o cacau até virar chocolate. Além das versões 50%, 60% e 100%, o chocolate Acaráçu também comercializa bombons de cupuaçu, nibs de cacau e amêndoas caramelizadas.

”Através do nosso trabalho a gente vê que o cacau que dá no nosso quintal junto com outras árvores servem para nossa alimentação, nosso remédio e nossa paisagem. Quando a gente vê a possibilidade de ter essa planta dentro do nosso território e empreender com ela, mantendo em pé, impedindo que seja extinta da nossa propriedade, a gente acaba contribuindo com a permanência não só das nossas árvores, mas também da nossa identidade”, afirma Luciene Moreira, 34 anos, uma das fundadoras das “Guardiãs do Cacau”.

Acaráçu tem também linha de bombons de cupuaçu, nibs de cacau e amêndoas caramelizadas; produtos têm a produção focada na preservação da floresta e valorização de pequenos produtores Foto: PAULA FERREIRA/ESTADÃO

A ideia de criar um negócio com a riqueza da vila Acará-Açú, que tem cerca de 150 famílias e inspirou o nome do chocolate, surgiu durante a pandemia após uma oficina feita pelo chocolatier amazônida César de Mendes, criador da marca de chocolates “De Mendes”.

Os produtos De Mendes têm a produção focada na preservação da floresta e valorização de pequenos produtores, que fornecem a matéria-prima para confecção do chocolate. A articulação faz com que os produtos produzidos por famílias ribeirinhas ganhem escala e cheguem aos grandes centros, como Belém, que fica a cerca de 2 horas do vilarejo e demanda deslocamento por carro e barco.

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Esse tipo de estrutura com base nos ativos do bioma, segundo estudo da WRI Brasil, pode gerar para 2050 até 833 mil novos empregos e garantir a conservação de 83 milhões de hectares de florestas.

”Essa bioeconomia sustentável da Amazônia emprega efetivamente muita gente e não é capturada pelas estatísticas oficiais. Parece que não tem gente na Amazônia, o mito do vazio demográfico, parece que não tem uma economia florestal na Amazônia, na verdade tem e a gente que não está conseguindo registrá-la. Tem outro fator que muito dessa economia local é informal, produtos que saem daqui (da floresta) e chegam em Belém, raramente tem uma emissão de nota fiscal na saída”, argumenta Gustavo Pinheiro, coordenador da temática de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade (ICS).

Fábrica da Floresta

Criada há 13 anos com foco em dar escala global aos produtos extraídos do bioma, a 100% Amazônia trabalha no processamento de mais de 50 produtos da região para exportação. A principal fonte de matéria-prima da empresa são pequenos produtores de quase 600 famílias. Entre os produtos vendidos estão óleos, manteigas e grãos de diversos ativos da floresta, como açaí, copaíba, cupuaçu, entre outros, que são comercializados em 65 países.

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Para articular a compra dos insumos da produção familiar, a 100% Amazônia criou um programa específico para integrar os produtores no processo e promover mudanças nas comunidades onde estão localizados os recursos naturais. O programa “Aryiamuru” realiza visitas nas comunidades e desenha com os fornecedores a construção de planos de negócio comunitários.

A empresa é uma das companhias participantes do Plano Estadual de Bioeconomia do Pará, o primeiro do Brasil criado para desenvolver um modelo econômico pautado na sustentabilidade da exploração dos recursos da floresta.

Agora, a empresa começa a comercializar o açaí orgânico com um processo de rastreabilidade. Isso significa que os consumidores poderão saber sobre toda a cadeia de produção do açaí, desde a colheita e onde ela ocorre até o processamento na Fábrica da Floresta, recém construída pela 100% Amazônia.

O mecanismo garante que os consumidores saibam a procedência do produto e analisem se ele foi produzido em um processo sustentável, com respeito à natureza. A rastreabilidade é viabilizada por um QR Code fixado nas caixas.

”O mercado do açaí é um mercado que tradicionalmente existia, o próprio paraense consumia, mas a escala (do produto) foi criada muito rápido. O açaí começou a ter uma demanda muito forte nos EUA a partir de 2006, após uma matéria da Oprah Winfrey sobre as superfrutas e, de repente, milhões de lares ouviram que o açaí era uma das superfrutas. As indústrias tiveram uma remexida enorme e foi criado um produto que é destacado da Amazônia”, afirma Fernanda Stefani, uma das criadoras da 100% Amazônia.

Cacho de açaí em plantação em Abaetetuba, no Pará; mercado da fruta cresceu nos EUA a partir de 2006 Foto: EVARISTO SA/AFP

O relatório “Como moldar uma economia global da natureza no século 21″, divulgado pela Força-Tarefa sobre Mercados de Natureza após a Cúpula da Amazônia, que ocorreu em Belém no mês passado, coloca como um dos pilares para desenvolver a bioeconomia na Amazônia a rastreabilidade e transparência dos produtos, de modo que mercadorias produzidas com algum nível de dano ou envolvidas em crimes ambientais possam ser identificadas e os responsáveis punidos. A pesquisa sugere ainda que os chamados “guardiões da natureza”, como povos indígenas e comunidades locais, recebam benefícios econômicos.

“Existe uma grande oportunidade para reduzir significativamente o nível de crimes contra a natureza que ainda permanece inexplorada: exigir que os investidores legais demonstrem que as cadeias de valor de seus financiamentos são livres de crimes contra a natureza e incorram em penalidades caso contrário”, diz o estudo, sugerindo: “é fundamental envolver consumidores e cidadãos em geral para exigir cadeias de valor livres de crimes contra a natureza e usar seu poder de compra, bem como o direito de voto, para ajudar a conter o crime ambiental.”

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*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade

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