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Como os morcegos ajudam você a escapar de doenças e a ter comida na mesa?

Animal não representa nenhuma ameaça ao ser humano e é essencial para o equilíbrio ambiental e para os chamados serviços ecossistêmicos

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Atualização:

De lendas a personagens da ficção, não é pequena a carga pejorativa que recai sobre os morcegos. Na vida real, contudo, o animal não só não costuma representar nenhuma ameaça ao ser humano como é essencial para o equilíbrio ambiental e para os chamados serviços ecossistêmicos — ou seja, sua contribuição é benéfica à própria vida das pessoas.

Para combater o preconceito contra o bicho, divulgar sua importância e conscientizar a respeito da necessidade de preservação, um grupo de 50 professores e estudantes especialistas em morcegos criou até uma associação: em outubro de 2006 foi fundada a Sociedade Brasileira para o Estudo dos Quirópteros (SBEQ).

Morcegos insetívoros do gênero Pteronotus deixam uma caverna em Carajás, no Pará. Foto: Enrico Bernard

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“Os morcegos prestam serviços ecossistêmicos muito valorosos para os humanos, como a polinização e a dispersão de centenas de espécies de plantas, incluindo algumas de interesse comercial, além da predação de insetos, incluindo dezenas de pragas agrícolas e mosquitos vetores de doenças para humanos e rebanhos”, ressalta biólogo e ecólogo Enrico Bernard, presidente da SBEQ e professor na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

“Além disso, participam ativamente da dinâmica e recuperação de áreas degradadas, através da ‘chuva de sementes’ que geram quando defecam durante o voo”, acrescenta ele. “Não é exagero dizer que morcegos fazem grandes favores para o agronegócio, para a agricultura de subsistência e para a saúde do povo brasileiro.”

“Apesar de os morcegos ainda despertarem medo em muitas pessoas, há um grande grupo que reconhece o papel deste mamífero na qualidade ambiental do nosso planeta”, ressalta a bióloga, zoóloga e geneticista Caroline Cotrim Aires, analista em saúde da Divisão da Fauna Silvestre da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da cidade de São Paulo.

“Eles estão ligados a muitas lendas, mas todas as espécies têm grande importância”, afirma o biólogo e divulgador científico Guilherme Domenichelli, que mantém no YouTube o canal AnimalTV.

Variedades

De acordo com a SBEQ, existem no território nacional 186 espécies de morcegos, de nove famílias diferentes. “Eles ocorrem em todos os biomas”, diz Bernard. Apenas três espécies se alimentam de sangue: o Desmodus rotundus, chamado de morcego vampiro comum; o Diphylla ecaudata, morcego vampiro das pernas peludas; e o Diaemus youngii, o morcego vampiro com a ponta das asas brancas.

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O pesquisador Enrico Bernard, na entrada de uma caverna em Carajás, no Pará. Foto: Narjara Pimentel

Mas, não precisa ficar com medo nem ter pesadelo com o Conde Drácula. “Sangue humano não é o componente predominante da dieta dessas espécies. Apenas eventualmente, em situações especiais de escassez de outras, eles podem se alimentar desse tipo de sangue”, comenta o especialista.

Metade das 186 espécies é insetívora. “Assim, contribuem para o controle da população de insetos”, pontua Aires.

Domenichelli acrescenta que os que se alimentam de frutas — os frugíveros — são “excelentes dispersores de semente”. “As frutas que eles comem passam pelo trato digestório desses animais e as sementes saem nas fezes, espalhando-se pelas florestas. Podemos considerá-los jardineiros das florestas. E a semente já sai com adubo, germinando uma nova árvore”, comenta ele.

Há ainda os morcegos que se alimentam de néctar de flores. Eles desempenham um papel importante na polinização.

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E, embora raros, também há os que pescam e se alimentam de peixes. “Também tem seu papel na cadeia alimentar”, diz Domenichelli.

“Cada uma (das espécies) tem sua importância biológica”, completa a bióloga Aires. Até mesmo as que se alimentam de sangue.

“Os morcegos hematófagos geralmente vivem em cavernas e abrigos onde a luz não chega. Os ambientes cavernícolas, diferentemente dos ambientes onde se tem luz, não têm as plantas para iniciar o ciclo de energia e fornecimento de comida para todos os seres”, contextualiza ela. “Os morcegos, por meio das suas fezes, iniciam este ciclo de energia e alimentação dentro da caverna e, assim, sustentam todas as espécies de animais.”

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Pesquisadores coletam dados de temperatura em uma caverna no Parque Nacional do Catimbau, em Pernambuco. Foto: Enrico Bernard

“Pequenos invertebrados chamados de diplópodas, se alimentam das fezes dos morcegos, depois outros animais maiores se alimentam destes diplópodas, como aranhas, amblipígeos, e estes são alimentos de outros animais, como vertebrados”, conta.

Ou seja, como Aires ressalta, “os morcegos hematófagos também têm sua função na preservação da diversidade local”.

Proteção

Esses animais precisam ser protegidos, conforme está na Lei de Proteção à Fauna, de 1967. “Devem ter seus direitos atendidos de vida e coexistência com a sociedade humana”, afirma Aires. “Mas é claro que precisamos ter cuidado porque os animais podem também transmitir doenças e, sendo assim, não devemos tocar em morcegos ou qualquer outro animal silvestre.”

Caso uma pessoa encontre um morcego em uma situação atípica, a orientação é entrar em contato com o Centro de Controle de Zoonoses da cidade ou da região. Em São Paulo, o serviço público pode ser acionado pelo telefone 156.

“Morcegos voando à noite, visitando árvores ou repousando não oferecem perigo às pessoas e não vão se enrolar nos cabelos ou atacar alguém na rua”, garante a bióloga. “Mas se você vir um morcego caído no chão ou algum morcego entrar em sua casa e não conseguir sair por parecer desnorteado, ele pode estar doente. Então é importante entrar em contato com a vigilância em saúde de sua cidade.”

Enquanto o serviço não chegar, a orientação é colocar uma caixa de sapato ou algo parecido sobre o morcego. “Não mexa no animal”, adverte Aires.

Bernard atenta para o fato de que quatro espécies de morcegos brasileiros estão sob ameaça de extinção — três classificadas como “vulnerável” e uma como “em perigo”.

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“São várias causas (que os ameaçam). As mais importantes são a perda de abrigos, especialmente cavernas, pois três dessas quatro espécies são dependentes de cavernas para sobreviver, o uso indiscriminado da pasta vampiricida para o controle antirrábico, a perda e fragmentação de habitats, a matança indiscriminada por empresas de ‘desmorcegação’, e a instalação de parques eólicos sem o necessário rigor dos estudos de impacto ambiental”, elenca o presidente da SBEQ.

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