A orla da Praia dos Náufragos, em Aracaju, capital de Sergipe, passou a receber anteparos nos postes de iluminação para evitar que a luz ofusque a visão dos filhotes de tartarugas. A fotopoluição é um problema que ameaça a sobrevivência desses animais: à noite, os filhotes saem do ninho para fugir de predadores. Em seguida, correm em direção ao mar orientados pela luminosidade que ele reflete em condições naturais.
Com o excesso de iluminação nas orlas cada vez mais urbanizadas, tartaruguinhas desorientados acabam seguindo para as ruas em vez de irem para o mar, morrendo por desidratação ou por ataque de predadores.
“Era recorrente uma pessoa encontrar os filhotinhos desorientados na orla, onde na maioria das vezes esses neonatos era atropelados ou mortos por desidratação por não terem conseguido encontrar o caminho do mar”, conta o engenheiro ambiental Ederson Luiz da Fonseca, pesquisador da Fundação Projeto Tamar. A situação mudou, segundo ele, depois da nova iluminação, que começou a ser instalada em 2023.
A colocação de anteparos nos postes de iluminação é considerada por especialistas um passo importante para a preservação da biodiversidade.
O analista ambiental do Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Erik Allan Pinheiro dos Santos lembra, no entanto, que a orla de Aracaju tem 20 km e um trecho inicial fortemente iluminado e urbanizado.
“Até hoje, apenas na Praia dos Náufragos foi instalado um conjunto de postes com características adequadas, cobrindo aproximadamente 1 km. Mas para uma avaliação mais precisa, seria necessário expandir essa área”, afirma.
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Aves, insetos e até mamíferos também são prejudicados pela fotopoluição
Segundo o secretário municipal da Infraestrutura e presidente da Empresa Municipal de Obras e Urbanização (Emurb) de Aracaju, Sérgio Ferrari, estão sendo realizados testes e há “tratativas para instalar os anteparos em outros trechos da orla da Atalaia”.
Ele informou que a primeira medida foi a substituição, em toda a cidade, das lâmpadas de vapor de sódio pela tecnologia em LED, que é mais econômica, potente e traz melhor luminosidade no período noturno.
“Depois disso, conversamos com o ICMBio para adotar soluções que não prejudicassem o ciclo de vida dos filhotes de tartarugas marinhas, que precisam da luz da lua para se orientar em relação à maré”, afirmou.
Além dos anteparos para evitar que esses filhotes vissem a luz artificial, também foi reduzida a potência da iluminação, e a direção das luminárias foi alterada.
O analista ambiental explica que os impactos do excesso de luz à noite vão além das tartarugas: a fotopoluição pode prejudicar aves, insetos e até mamíferos, modificando comportamentos e aumentando a vulnerabilidade desses animais.
“As noites estão cada vez mais claras. Os mamíferos noturnos, por exemplo, têm suas atividades naturais comprometidas pela exposição à luz. Eles podem ser impedidos de encontrar alimento ou se tornam presas fáceis”, diz.
Fonseca, do Projeto Tamar, afirma que é preciso avançar também em outros aspectos, como a conscientização da sociedade sobre os efeitos negativos da ocupação desordenada do litoral.
“Além da fotopoluição, a erosão costeira também vem sendo apontada com uma ameaça não só para as tartarugas marinhas, mas também a nós mesmos. Promover a recuperação das populações de tartarugas marinhas, desenvolvendo ações de pesquisa, conservação e inclusão social é a nossa missão”, afirmou.
Sobre o Projeto Tamar
A Fundação Projeto Tamar realiza estudos com esse tema desde 2015, fazendo diagnósticos de praias e testes de desorientação em áreas de desovas com iluminação artificial, para avaliar e mitigar o problema da fotopoluição.
A entidade, sem fins lucrativos, existe desde 1988 para apoiar as atividades desenvolvidas pelo Projeto Tamar, ao longo do litoral brasileiro. Atualmente é co-executora do PAN - Plano Nacional de Ação para a Conservação das Tartarugas Marinhas no Brasil do ICMBio/MMA, sendo responsável por grande parte das ações previstas.
Em Sergipe, são monitorados 163 km de praias, consideradas áreas prioritárias de reprodução da tartaruga-oliva porque têm as maiores proporções de desovas desta espécie.
“Cerca de 15 mil ocorrências reprodutivas são registradas a cada temporada pelas equipes das bases de pesquisa. Estima-se um total de mil desovas a cada temporada reprodutiva na capital sergipana”, diz Fonseca.
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