Todos os olhos em busca de um sinal. Um borrifo ou uma movimentação diferenciada na água indicam: as baleias-jubarte estão por perto. Logo na sequência, os grandes mamíferos marinhos expõem uma parte do corpo, às vezes da nadadeira caudal, submersa lentamente, como em um mergulho de sereia. E, com sorte, alguma gigante mais “acrobática” dá um grande salto e se mostra totalmente fora d’água.
Experiências do tipo não eram tão comuns no litoral norte de São Paulo até uns sete anos atrás e têm crescido. Com o aumento de registros de avistamentos em Ilhabela e São Sebastião, a passagem das jubartes chamam a atenção não só de pesquisadores, mas também de turistas, na busca de serem observadores de cetáceos por um dia.
Operadores do litoral norte têm realizado passeios de algumas horas e mais de um dia inteiro, com embarcações de diferentes portes. Em mais um episódio da série Bate e Volta SP, o Estadão acompanhou uma saída realizada no sábado, 22, com partida de Ilhabela por volta das 9h30 e retorno às 17h, com opção de embarque também em São Sebastião, operada pela Capitão Ximango. O custo é de R$ 350, com as refeições.
O passeio iniciou com uma breve palestra de 15 a 20 minutos na tenda do Projeto Baleia Jubarte, junto ao píer Perequê, em Ilhabela. Nesse momento, os turistas aprendem que as baleias passam na costa brasileira a partir de maio, vindas de duas ilhas próximas da Antártida, e vão até Abrolhos, em um caminho que visa a reprodução. Essas aparições no litoral paulista se estendem até agosto, por vezes, até setembro. Essa jornada chega a até quatro mil quilômetros.
Esses animais podem ter até 40 toneladas e 16 metros, com filhotes de 4 metros e quase uma tonelada, destaca Rafaela Souza, bióloga e coordenadora de pesquisa da base do Projeto Baleia Jubarte em Ilhabela. “As jubartes são muito acrobáticas. Todo mundo gosta de observar, porque tem grande chance de observá-las dando salto, batendo cauda, batendo peitoral.”
A parte educativa também expõe a principal forma de identificação de cada jubarte: os padrões de coloração da nadadeira caudal, que vão do todo branco ao todo preto. Às vezes, há marcas, como de mordidas de orcas, por exemplo.
A característica é visível especialmente no mergulho após subirem parcialmente à superfície para respirar. “O legal é observar esse tipo de comportamento, entender o intervalo respiratório para saber mais ou menos, quanto tempo ela leva para para subir e respirar. E torcer para que esteja mais ativa”, diz a bióloga.
Os turistas são convidados a fotografar as baleias e, no caso de captarem a imagem da nadadeira caudal, a compartilhar o registro em um catálogo online. Na plataforma, um algoritmo compara as fotografias, a fim de traçar a trajetória de cada uma pelo globo. Há até o caso de uma espécime que é avistada há cerca de 30 anos em águas brasileiras. “É uma forma muito interessante de entender um pouquinho da história desses animais”, comenta Rafaela.
Há outras espécies de cetáceos que passam ou vivem na região, como orcas, toninhas, baleias francas, golfinhos-nariz-de-garrafa e outras. O litoral norte paulista é um “hot spot” para essa diversidade, conforme a bióloga. No caso das jubartes, esse crescimento ocorre ao longo das décadas, após a proibição da caça em grande parte do planeta, responsável por dizimar grande parte da população.
Após a breve palestra, os turistas e a equipe do Estadão embarcaram no píer. Em sequência, seguimos para a parte sul da ilha, entre Ilhabela e São Sebastião, onde há maior número de registros de cetáceos. O passeio pode ser cancelado no caso de previsão de condições climáticas mais instáveis.
Após a saída, foi menos de uma hora de trajeto por águas esverdeadas e céu ensolarado até ser avistada a primeira jubarte. Gritinhos entre os turistas e aglomeração na proa. Interjeições de satisfação se multiplicaram, assim como câmeras e celular em mãos para registrar o momento.
A cada avistamento, a situação se repetia. E, aos poucos, os turistas perceberem mais facilmente os sinais das baleias, especialmente os borrifos anteriores à exposição na superfície. Às vezes sozinhas, às vezes em par ou trio.
Segundo os responsáveis pelo passeio, foram cerca de 15 jubartes, além de uma raia-manta (também chamadas de “jamanta”, tipo de arraia que pode pesar até duas toneladas). A observação ocorria a certa distância, com a troca de dicas entre outras embarcações sobre possíveis sinais de novos animais.
Sem câmeras profissionais, é difícil avistar detalhes dos animais, mas isso não tirou o espanto dos que estavam ali presentes. A cada avistamento, tripulantes e turistas gritavam o lado onde estava a baleia. “Uhul”, alguns repetiam. “Que linda, está dando um show”, repetiu outra pessoa. “Pula, pula, nunca te pedi nada”, completou mais uma.
O passeio nem sempre é só de boas sensações. Com o balançar durante horas, é comum que alguns fiquem enjoados, tanto que os mais prevenidos já embarcam com medicamento preventivo. Uma das turistas que passou mal virou-se para amigos e descreveu a situação: “Não sei se vomito, se choro (de emoção) ou se tiro foto.”
O engenheiro ambiental Lucas Funari, de 31 anos, estava entre os estreantes na embarcação. Ele e a esposa tinham vontade de fazer um passeio do tipo e pensaram inicialmente em ir a Abrolhos até descobrirem a opção no litoral norte.
“Teve mais baleias do que eu esperava”, relata. “E é um apelo grande ver assim, na natureza, no ambiente dela, não em um aquário, mas na rota natural, seguindo o seu caminho.”
Comandante e proprietário da Capitão Ximango, Gustavo Luiz dos Santos conta que a demanda por passeios de observação tem crescido. “A procura tem aumentando cada vez mais, porque esses animais são magníficos e todo mundo quer ver, né? Está acontecendo de eu abrir a saída de manhã e, à tarde, já não ter mais vaga”, relata.
Ele acredita que os avistamentos continuarão nas próximas semanas, pelo alto volume de baleias deste ano. “No ano passado, das nossas saídas, a de maior número de avistamentos foi de nove baleias. Neste ano, foram 26. Então, a gente está otimista que essa temporada vai se estender um pouco mais.”
Como mostrou o Estadão, levantamentos de avistamentos confirmam o crescimento de registros nesta temporada. O cofundador do Projeto Baleia à Vista, Julio Cardoso, diz que o número quintuplicou em relação ao ano passado e estava em cerca de 405 animais diferentes até meados de julho. “Mesmo os caiçaras, o pessoal que mora aqui, nunca tinha vista tanta baleia”, disse à reportagem no último sábado.
Cardoso suspeita que as baleias dessa espécie não somente estão passando pelas águas paulistas, mas iniciando a reprodução já nesse trecho da costa brasileira. “Começamos a avistar jubartes em maior quantidade aqui a partir de 2016. Cresceu mais de 10% ao ano quando terminou a caça, porque elas são muito boas em reprodução. Então, todo ano está nascendo um monte de filhotes, e a população saiu de poucos milhares para mais de 30 mil.”
Mais informações
Projeto Baleia à Vista: www.projetobaleiaavista.com.br
Projeto Baleia Jubarte: www.baleiajubarte.org.br
Capitão Ximango: www.barcocapitaoximango.com.br
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