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Como startup na Amazônia criou ‘mapa da mina’ para rastrear melhores sementes e impulsionar renda

Com tecnologia e em parceria com população indígena, empresa identifica e mapeia insumos de bioeconomia para recuperação ecológica; nesta quinta-feira, 5, é comemorado o Dia da Amazônia

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Foto do author Giovanna Castro

A restauração de florestas é um desafio do Brasil, que assumiu internacionalmente em 2015 o compromisso de recuperar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030 e, até o momento, alcançou menos de 1% do objetivo. Segundo especialistas, o País precisa reverter práticas ultrapassadas de reflorestamento em verdadeira recuperação ecológica, com resgate de biomas. As mudanças climáticas e o avanço das queimadas, que atingem Amazônia e Pantanal de forma recorde, reforçam esta urgência.

É neste contexto que nasceu a startup Meu Pé de Árvore, de Porto Velho (RO), em 2021. Com recursos do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), coordenado pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), a empresa criou um aplicativo que permite identificar, rastrear e assegurar a qualidade e origem de sementes e outros bioinsumos, respeitando a diversidade genética de cada região e funcionando como uma espécie de “mapa da mina”.

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“Não adianta só replantar. É preciso devolver a diversidade de espécies, os animais, enfim, todo o ecossistema natural daquele local”, afirma Diogo Hungria, CEO e fundador da empresa.

“Você tem ipê (espécie de árvore) em São Paulo e na Amazônia, por exemplo. Mas não quer dizer que seja a mesma coisa. Eu não posso trazer uma semente de ipê da Mata Atlântica e plantar aqui (na Amazônia). Fazendo isso, eu coloco o sistema da região em risco, posso acabar extinguindo uma espécie.”

Startup Meu Pé de Árvore nasceu em Rondônia, na região da Amazônia. Foto: Puré Juma/Divulgação/Meu Pé de Árvore

A plataforma, chamada “Minhas Matrizes”, está em fase de testes neste momento, funcionando apenas na Amazônia, com extração e venda de sementes, óleos, frutos e outros produtos da biodiversidade coletados em três terras indígenas – Juma, Parintintim e Tenharim. As comunidades receberam capacitação para uso do aplicativo no extrativismo sustentável, registrando as árvores nativas de maior potencial para a bioeconomia e a sua localização.

A partir de dezembro, quando acaba a fase de teste do projeto, a tecnologia deve ser disponibilizada em lojas de aplicativos de celular, alcançando outros biomas e produtores, mas ainda com foco em povos originais e famílias agricultoras para atuar como extratores e conseguirem renda a partir disso. As empresas que quiserem realizar parcerias para comprar os bioinsumos devem se cadastrar na plataforma.

Oficina sobre uso do aplicativo "Minhas Matrizes" na aldeia indígena Traíra, do povo Parintintin, na Amazônia, em janeiro de 2024. Foto: Puré Juma/Divulgação/Meu Pé de Árvore

Karol Barbosa, gestora de projetos do PPBio, afirma que o projeto foi selecionado para receber recursos do Idesam por apresentar “soluções para as cadeias da Amazônia de forma inovadora”, tendo como característica principal a “sinergia entre tecnologia, o potencial da Amazônia para bioinsumos e a conexão com as comunidades indígenas”.

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“Estarem na floresta, onde tem uma diversidade e uma variabilidade genética muito maior, foi um dos pontos importantes pelo qual o projeto foi selecionado”, afirma Karol. “Hoje, mesmo os mais novos das terras indígenas já estão perdendo esse conhecimento sobre os recursos das florestas. E o projeto ajuda a resgatar esse interesse.”

Como funciona o aplicativo?

A equipe da Meu Pé de Árvore identifica grupos de povos indígenas e agricultores familiares em regiões com potencial de extração de bioinsumos – os produtos retirados naquele local só podem ser replantados em área próxima, por isso, se uma empresa tem um projeto de restauração de floresta, é preciso encontrar fornecedores próximos.

Os grupos são treinados para listar as plantas da região e orientados sobre como extrair os bioinsumos de maneira sustentável, sem afetar a produção das espécies nativas. Eles recebem capacitação, então, sobre como cadastrar as espécies no aplicativo, que funciona com georreferenciamento para identificar de onde, exatamente, aqueles produtos estão sendo extraídos.

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Os coletores também precisam enviar fotos da planta pelo aplicativo. Essas imagens são analisadas pela equipe de especialistas da startup, que confirmam a espécie registrada e todas as suas informações biológicas. Por fim, a empresa faz a ponte com empresas que queiram comprar esses bioprodutos para fazer recuperação ecológica, vendendo-os e revertendo em renda para os coletores.

“O que a gente tem visto, nas terras indígenas que temos trabalhado, é uma união entre os mais velhos e mais jovens das tribos. Enquanto os jovens ficam com a função de mexer no aplicativo e fazer o registro, os mais velhos têm toda uma sabedoria sobre espécies que é aproveitada. É uma forma, também, de não perdermos o conhecimento nativo sobre a floresta”, afirma Hungria. Segundo ele, hoje, a maioria das tribos já tem acesso à internet e celular.

População indígena é trainada para utilizar aplicativo e passa a fazer parte da cadeia de bioinsumos. Foto: Puré Juma/Divulgação/Meu Pé de Árvore

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Recuperação ecológica em números

Para Laura Antoniazzi, pesquisadora e sócia da Agroicone, consultoria focada em desenvolvimento sustentável para a agropecuária, a tecnologia desenvolvida pela Meu Pé de Árvore, assim como outras que vêm surgindo no mercado, é bem-vinda e deve colaborar para o processo de recuperação florestal. Mas há, ainda, um longo caminho para que a atividade chegue a patamares satisfatórios e gere renda, de fato, para quem trabalha com isso.

“A cadeia da restauração ainda está pouco madura no Brasil. Por isso, é difícil aplicar o uso de tecnologias no setor”, afirma Laura. “É algo que está engatinhando, com muitos desafios. Poucas empresas estão fazendo e há um grande gargalo nessa parte de comercialização (...) É preciso rever a questão regulatória, do Código Florestal, e a parte do investimento privado. O mercado de carbono não está regulado.”

Dos 12 milhões de hectares de vegetação nativa que o Brasil se comprometeu em recuperar até 2030, apenas 79,13 mil hectares foram colocados em prática, até o momento, conforme dados do Observatório da Restauração e Reflorestamento.

O termo “crédito de carbono” se popularizou nos últimos anos e o compromisso de grandes empresas em replantar áreas degradadas cresceu, principalmente com o aumento dos incentivos fiscais. Mas isso não se reverteu em qualidade da recuperação da vegetação.

Em contraponto aos 79,13 mil hectares restaurados – quando a vegetação recolocada é idêntica à nativa –, o Brasil tem hoje 9,35 milhões de hectares reflorestados, segundo o Observatório. Ou seja, há replantio, mas não resgate efetivo de biomas.

O bioma mais recuperado é o da Mata Atlântica, com 74,06 mil hectares resgatados. O Pantanal tem zero hectares resgatados e a Amazônia, 695 hectares. Os dois biomas são os que mais têm sofrido com as queimadas nos últimos meses, atingindo patamares recordes de fogo e perda de vegetação. Nesta quinta-feira, 5, é comemorado o Dia da Amazônia.

Paulo Ataxo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Centro de Estudos da Amazônia Sustentável, lembra que “não adianta realizar a restauração se não acabarmos com o desmatamento e as queimadas no Brasil”.

“As duas ações (de combate ao desmatamento e de recuperação florestal) têm que andar juntas, para que o Brasil possa preservar seus ecossistemas essenciais para nossa sociedade, e construir um País sustentável dos pontos de vista ambientais, sociais e economicamente”, afirma o professor.

A startup Meu Pé de Árvore também desenvolveu uma tecnologia de alertas para os territórios recuperados em parceria com a empresa. Por meio de monitoramento de satélites, a equipe avisa os gestores dos territórios sobre queimadas próximas à região, para que tomem medidas cabíveis e evitem a perda do ambiente recém recuperado.

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