Garantir o abastecimento de alimentos em meio a secas, incêndios e terras degradadas pelo desmatamento ilegal tem sido um grande desafio para comunidades ribeirinhas do Tapajós, no Pará. Nessa região, inserida em uma das maiores áreas contínuas de floresta tropical do planeta, a mobilização das mulheres para reverter os impactos das mudanças climáticas tem chamado a atenção.
Rosângela Silva Pereira, de 55 anos, é um exemplo de liderança comunitária. Mãe de sete filhos, ela preside a Associação dos Agricultores Familiares da Batata (ASAFAB) no município de Trairão, no sudoeste do Pará, e conta com orgulho os avanços conquistados pela sua comunidade. “A gente já está comercializando polpa de frutas de acerola, goiaba, açaí, murici e cupuaçu. E também conseguindo aumentar a produção, além de recuperar áreas devastadas pelo pasto”, conta.
O trabalho de Rosângela e outros líderes comunitários foi fortalecido por meio do Projeto de Restauração da Floresta Amazônica no Tapajós, desenvolvido pela Conservação Internacional (CI-Brasil) em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Mais de 70 agricultores, dos quais 63% são mulheres, foram capacitados para coletar sementes, produzir mudas e restaurar áreas degradadas.
O objetivo do projeto foi restaurar áreas degradadas por meio de sistemas agroflorestais (SAFs) e áreas de proteção permanente (APPs). SAF é um sistema em que o produtor planta e cultiva árvores e produtos agrícolas em uma mesma área, garantindo a melhora de aspectos ambientais e a produção de alimentos e madeira. Nas APPs, as famílias realizaram o plantio de espécies nativas, com o objetivo de enriquecer o solo e proteger os recursos hídricos.
Rosângela conta que, após aderir ao modelo de Sistemas Agroflorestais (SAFs), se vê mais perto de realizar seu sonho: construir uma pequena fábrica na sede da associação e expandir o negócio das polpas. “Hoje temos mais informação e estamos mais organizadas, mais preparadas.”
A restauração das APPs foi acompanhada de ações para evitar a invasão de gado e o risco de incêndios. Essas iniciativas estão alinhadas com a meta global da Década da Restauração (2021-2030), que visa recuperar milhões de hectares de vegetação degradada em todo o mundo.
No Pará, o projeto contribui para as metas do Estado, que visa recuperar 5,6 milhões de hectares da Amazônia por meio do Plano Estadual Amazônia Agora (PEAA), e para a meta nacional de recuperação de 12 milhões de hectares de vegetação.
A iniciativa, que começou em meados de 2022, foi idealizada em etapas. Primeiro veio a capacitação das pessoas das comunidades sobre a importância de usar a terra e seus recursos com consciência e cuidado. Depois, a implantação das SAFs e APPs, definindo, junto com os produtores locais, quais as melhores culturas a serem consorciadas para conservar a mata.
Depois foram criados dois viveiros de mudas e restaurado outro – os três com capacidade para alcançar a produção de 60 mil mudas por ano. As mulheres já iniciaram os plantios, estão produzindo mudas e comercializando o excedente. Elas receberam capacitação para fazer o manejo correto. Foi dado também o pontapé para a criação da rede de sementes – terceira etapa do projeto.
“Essa fase representou um desafio, mas também a oportunidade de unir várias vozes e parceiros para dar forma e vida a uma rede de sementes robusta. Com os viveiros e a rede de sementes, estima-se a possibilidade de produzir até 80 mil sementes de qualidade e a capacidade de restaurar 250 hectares”, diz Lilian Vendrametto, diretora de Economias de Impacto da Conservação Internacional.
As principais sementes usadas no projeto são as típicas da região, como açaí, acerola, andiroba, cacau, cedro, copaíba, cupuaçu, graviola, ipê, jacarandá e urucum, entre outras.
Maria Farias, coordenadora de projetos da CI-Brasil, destaca que essa mobilização feminina reflete uma mudança significativa na dinâmica familiar da região. “Agora, as mulheres não são apenas coletoras, mas também provedoras de renda para suas famílias, seja pela venda de sementes, produção de mudas ou até pela confecção de artesanatos e biojóias”, explica. Esses produtos ajudam a agregar valor à produção local e a fortalecer a rede de colaboração entre as comunidades.
Integrante desde 2015 da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Belterra (Amabela), Selma Ferreira, 55 anos, tem uma rotina de trabalho pesada. Seu dia começa às 5h da manhã e se estende até as 20h. Neste período, dá conta da criação de galinhas caipira, plantas e sementes - em um ambiente junto à natureza, onde ela acompanha o ciclo da terra: planta e colhe, em um sistema de agroecologia que aprendeu com o projeto de Restauro do Tapajós.
“Essa iniciativa foi fundamental para fortalecer as mulheres e para que cada uma mostrasse a sua força de trabalho. Depois de passarmos pelas capacitações, tivemos liberdade para escolher a forma como íamos trabalhar. Por isso eu acredito que deu tão certo.”
Selma entrou na associação quando foi fundada por um grupo de mulheres interessadas em conhecer a agroecologia, vender artesanatos, lutar pela autonomia e pela defesa dos territórios ocupados pelos Assentamos Moju I e II, na região de Mojuí dos Campos, no Pará. “Hoje, meu trabalho aqui consiste em incentivá-las a plantar e a vender nas feiras para que se empoderem”, afirma.
Direto de Baku, onde participa da COP-29, Mauricio Bianco, vice-presidente da Conservação Internacional, disse ao Estadão que o foco do projeto realizado no Tapajós sempre foram as comunidades, e que os resultados foram muito animadores, apesar da seca extrema que atingiu a região neste ano.
“Houve o envolvimento e a estruturação das condições necessárias para a restauração com sistemas agroflorestais. Esses sistemas, além dos benefícios para a natureza, são estratégicos para o trabalho com comunidades, pois contribuem com a soberania alimentar e até mesmo na geração de renda, com a venda de produtos excedentes.”
No entanto, a seca comprometeu a continuidade da irrigação dos viveiros e o desenvolvimento das mudas plantadas. “Quando o projeto foi concebido, não era possível prever uma seca como a que tivemos este ano. A seca, potencializada pela mudança do clima, é uma clara evidência do quanto precisamos que os negociadores que estão agora reunidos aqui em Baku avancem, rápida e corajosamente, na ação climática que afeta mais gravemente as comunidades mais vulneráveis”, disse Bianco.
O vice-presidente da CI ressaltou que a própria seca é também um “lembrete” da necessidade de dar escala a projetos de restauração florestal. “Para que as comunidades que vivem na floresta - e, em última instância, o Brasil como um todo - ganhem resiliência frente às alterações do clima.
Bioeconomia
Com pelo menos 40 mil espécies vegetais, a Amazônia é um dos locais com maior potencial para a bioeconomia no mundo. Sua rica biodiversidade pode gerar 833 mil novos empregos no setor de bioeconomia segundo um dos mais amplos estudos sobre como desenvolver a economia dos Estados da região sem destruir a floresta.
O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Pará (Sebrae-PA) tem atuado para que esses empreendedoras estejam preparados para aproveitar a tendência global, impulsionada por consumidores cada vez mais conscientes, e a visibilidade que a realização da conferência no estado já está trazendo — e que deve aumentar à medida que o evento se aproxima.
Também direto de Baku, Rubens Magno, diretor-superintendente do Sebrae no Pará, falou ao Estadão sobre a ênfase que as discussões climáticas têm dado à bioeconomia como solução para a preservação dos biomas. “Estamos a um ano da COP-30, a COP da Floresta, que vai acontecer no nosso estado, o Pará. Temos dado uma grande ênfase à bioeconomia, que é uma ferramenta de transformação social e ambiental e está em destaque também nesta COP-29, em Baku”, disse.
Magno diz que as capacitações são fundamentais para desenvolver negócios mais sustentáveis, resilientes e perenes, “que prosperem de forma ambientalmente responsável mesmo após a COP-30″.
“No caso do Tapajós, as empreendedoras que se destacam estão levando adiante um belo exemplo de como usar os ricos insumos da Amazônia de forma sustentável e ambientalmente correta, respeitando as comunidades locais e causando impacto social positivo no entorno”.
Em outra frente, o programa Sebrae Delas já alcançou 2.750 mulheres em 75 municípios paraenses com ações de capacitação, consultoria, mentoria, encontro de conexões, fortalecendo os negócios liderados por elas, mas sempre respeitando as tradições ancestrais e as características de cada lugar.”
Ele cita dados do World Bioeconomy Fórum de 2024, a Bioeconomia Circular Mundial tem um potencial estimado de US$ 4 trilhões, podendo atingir até US$ 30 trilhões até 2050, representando cerca de um terço da economia global.
“Queremos fortalecer atividades da economia da floresta que já existem, deixando claro que os pequenos empreendedores podem e devem aproveitar nossa vasta biodiversidade, os saberes ancestrais, as aptidões e as potencialidades do local em que vivem para gerar renda e oportunidades perenes”, afirma o diretor-superintendente do Sebrae no Pará, Rubens Magno.
“Na COP-30 esperamos receber 60 mil pessoas, que são também consumidores, ou seja, são mais oportunidades de negócios para esses empreendedores. É o momento para que micro e pequenos produtores locais mostrem ao mundo os produtos e serviços únicos e sustentáveis que o bioma amazônico proporciona”, completa.
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