Um córrego que nasce acanhado e espremido entre um prédio e uma casa se tornou o único da cidade de São Paulo a ter a água considerada como de boa qualidade, de acordo com estudo da Fundação SOS Mata Atlântica. A forma como isso se deu diz muito sobre o porquê da melhora. Em 2021, a Prefeitura de São Paulo e os moradores da Vila Mariana, onde o córrego nasce, resolveram se unir e dar ao local em que ele brota da terra atenção especial.
Plantas, solo agora permeável à água da chuva, pintura nas paredes ao redor - o córrego nasce em uma espécie de beco que se forma entre os imóveis- e um portão, além de limpeza. Uma parte da viela era concretada. O material foi retirado e o piso, restaurado. Ele é feito com paralelepípedos intertravados que formam fendas entre eles ao serem colocados. As fendas são preenchidas com areia para manter os paralelepípedos no lugar e deixar a água passar tanto para fora quanto para dentro do solo.
A ação deu resultado e o Sapateiro passou a ter sua água avaliada como boa, uma conquista importante para o único rio da capital com essa avaliação.
A Prefeitura de São Paulo diz que o projeto surgiu em reuniões entre as equipes da subprefeitura e moradores ativistas da região, a Associação Amigos da Vila Mariana e membros do Conselho Participativo Municipal Vila Mariana.
O curso d’água tem três pontos de avaliação. Além da inédita avaliação no primeiro, os outros dois apresentam condição regular. A notícia, no entanto, só não é melhor porque o mesmo córrego apresentou ligeira piora no ponto do Lago do Ibirapuera, que vinha apresentando um aumento crescente de qualidade em 2021.
Para Gustavo Veronezi, coordenador do programa Observando os Rios, da SOS Mata Atlântica, isso pode ser resultado da maior frequência no parque. O resultado de 2022 refletiu as medições feitas em 2021, ano em que a pandemia de covid-19 ainda impunha restrições de circulação. “Houve uma pequena flutuação, mas mais pela volta da circulação que se reflete no lago”, afirma.
O estudo será apresentado por Veronezi na Conferência da ONU Sobre a Água, em Nova York, nesta quarta-feira, 22, Dia Mundial da Água.
O exato oposto do Sapateiro é o Rio Pinheiros, pior do que o próprio Tietê na capital. Com três pontos de avaliação, em todos sua água é classificada como péssima, assim como no ano anterior. Apesar do investimento do Estado no programa Novo Rio Pinheiros, que conectou redes de esgoto em 650 mil residências, e a melhora no odor e na aparência da água, já possível de se notar, a qualidade ainda é a pior da cidade.
Segundo Veronesi, que reconhece a melhora no entorno do rio e os investimentos, esse resultado era esperado. “Não vai ser de um ano pro outro, ainda há obras sendo feitas, o fundo acaba sendo remexido, as margens, mas para quem pega trem ou anda por ali já percebe no cheiro que melhorou. Antes era insuportável”, afirma.
O Rio Tietê, onde o Pinheiros deságua, por sua vez, tem condição ruim em todos os pontos de avaliação na região metropolitana. No interior, chega apenas a regular. E isso chama a atenção. Por que mesmo no interior outros rios também têm apenas essa condição ou pior?
Veronezi vê nisso um reflexo da falta de investimento dos municípios em saneamento básico e problemas ambientais. Mesmo no Estado que, ao lado do Paraná, tem o maior número de cidades entre as melhores avaliadas no Ranking de Saneamento do Instituto Trata Brasil, apenas seis rios ou córregos foram considerados com boa qualidade pelo levantamento do SOS Mata Atlântica.
Um deles, o Córrego da Feiticeira, está em Ilhabela, destino turístico do litoral norte de São Paulo. O mesmo município, que tem um dos maiores PIBs per capita do Brasil, graças aos royalties do pré-sal, tem outros sete córregos em condição regular e um, o do Camarão, ruim.
A situação se repete em São Sebastião, onde o rio que dá nome a uma das praias mais badaladas da cidade, o Maresias, tem condição ruim. “As cidades muitas vezes não têm dinheiro para investir em obras básicas de saneamento, que são em sua maioria responsabilidade municipal, mas nesse caso é um dos maiores PIBs do Brasil”, diz Veronezi.
75% das amostras apontam condição regular
Na Mata Atlântica, bioma em que estão as cidades onde vivem mais de 70% da população brasileira, o levantamento do SOS Mata Atlântica apontou qualidade regular em 75% dos pontos de coleta, ruim em 16,2% e péssima em 1,9%. Não foram registradas amostras consideradas ótimas.
Quase 20% dos pontos analisados não têm condições mínimas para usos múltiplos da água, como agricultura, indústria, abastecimento humano, consumo animal, lazer ou prática de esportes.
O levantamento foi realizado por uma rede de 2.700 voluntários que fazem parte do Observando os Rios. Com base em coletas mensais entre janeiro e dezembro de 2022, foram realizadas 990 análises em 160 pontos de 120 rios e corpos d’água em 74 municípios de 16 estados da Mata Atlântica.
Em comparação aos 106 pontos analisados em 2021, quando houve uma redução nas coletas devido à pandemia de covid-19, a qualidade média da água se estabilizou, com indicativo de pequena melhora: os pontos com qualidade boa passaram de 7 para 8; os com regular, de 75 para 80; e os com ruim, caíram de 21 para 15.
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