ENVIADO ESPECIAL A SHARM EL-SHEIK - É possível criar uma associação de países que possuem florestas, para lutar por sua preservação e ter acesso aos vultosos recursos internacionais disponíveis para esta finalidade? Uma primeira resposta a esta pergunta foi anunciada com estardalhaço na primeira semana da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática , a COP-27, em Sharm El-Sheik, no Egito. A segunda é aguardada para esta semana.
A primeira resposta atende pela sigla FCLP, Forest and Climate Leaders Partnership. Trata-se de um consórcio de 25 países que congregam, juntos, 35% das florestas do planeta, liderados por Estados Unidos e Gana. Na COP-26, em Glasgow, líderes mundiais se comprometeram a zerar o desmatamento até 2030 – e a FCLP é uma decorrência disso. “A FCLP é um passo importante, e é fundamental para manter vivo o objetivo de limitar a elevação de temperatura em 1,5 °C”, disse Alok Sharma, presidente da COP-26, na solenidade de lançamento da nova associação.
Os 25 países da FCLP poderão acessar os fundos de US$ 12 bilhões que foram destinados à preservação de florestas ainda na COP-26. De lá para cá apareceu mais dinheiro na mesa. A Alemanha decidiu engordar o bolo com mais US$ 2 bilhões, e uma vaquinha entre grandes empresas mundiais conseguiu arrecadar mais US$ 3,6 bilhões. Numa de suas aparições no pavilhão colombiano da COP, o presidente Gustavo Petro prometeu destinar mais US$ 200 milhões para a preservação da Amazônia.
A FCLP, no entanto, conta com uma limitação. Nenhum dos três países com maior cobertura de floresta tropical – pela ordem, Brasil, República Democrática do Congo e Indonésia – faz parte da associação. Entre os três, apenas a Indonésia, até agora, mostrou algum interesse em aderir. O ministro do Meio Ambiente do país asiático, Siti Nurbaya, disse na cúpula do Egito que a FCLP já congrega vários países com os quais a Indonésia tem acordos internacionais de preservação.
Há, assim, grande expectativa na COP em relação ao segundo anúncio, prometido para esta semana: uma federação reunindo justamente Brasil, República do Congo e Indonésia. A ideia era que a “Opep das florestas”, como vem sendo apelidada no Egito, seja lançada simultaneamente na COP-27 e na conferência do G-20, prevista para os próximos dias 15 e 16 em Bali, na Indonésia.
O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Álvaro Pereira Leite, pretende fazer o anúncio no pavilhão brasileiro da COP, no que seria um dos últimos atos do governo Jair Bolsonaro – numa área onde o presidente brasileiro recebe várias críticas internacionais. Em sua gestão, o Brasil se tornou o líder mundial do desmatamento. Os outros integrantes da “Opep das florestas”, no entanto, não apresentam histórico muito melhor. A República Democrática do Congo é a segunda colocada no ranking funesto, enquanto a Indonésia chega em quarto lugar. A terceira colocada é a Bolívia.
Uma associação entre os três países já foi tentada durante o governo Dilma Rousseff pela ministra Izabella Teixeira, mas a iniciativa não prosperou. Em tese, há muitas possibilidades de cooperação para além da busca conjunta de financiamento internacional. Num debate no Brazil Climate Hub, o pavilhão da sociedade civil brasileira na COP, Agus Justianto, diretor de manejo florestal e produção sustentável da Indonésia, lembrou que seu país se inspirou no Brasil para reduzir os índices de desmate do País em 80% nos últimos dez anos.
Uma aliança entre países em desenvolvimento teria outras vantagens. Todos eles compartilham, em diferentes escalas, as agruras do sul global. “Os africanos, por exemplo, são pressionados a aderir à transição energética enquanto mais da metade do continente não tem nem energia elétrica, e a Europa volta a usar carvão por causa da guerra”, disse Antônio Patriota, embaixador brasileiro no Egito, em outra mesa no Brazil Hub. Outra frente de colaboração seria a governança.
“Os países mais bem-sucedidos em gestão climática são aqueles em que o responsável pela área responde diretamente ao presidente e atua transversalmente em várias áreas do governo”, disse Laurence Tubiana em entrevista ao Estadão. A CEO da European Climate Foundation lembra que alguns países do sul global, como a África do Sul, já adotam modelo parecido.
Uma questão que surge é quem ficaria à frente da “Opep das florestas”. O Brasil seria o candidato natural por ter em seu território 60% da maior mata tropical do mundo. “Isso, no entanto, não nos qualifica automaticamente à liderança”, diz Natalie Unterstell, diretora do Instituto Talanoa, um think tank brasileiro. “Neste momento, países como a Indonésia têm resultados melhores que o Brasil. Não estamos em posição de dizer aos outros o que eles devem fazer em termos de preservação”.
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Há expectativa da comunidade internacional de que o governo Lula retome a prioridade da pauta ambiental. O desmatamento zero estava em destaque no programa de seu governo e também no de sua aliada no segundo turno, Simone Tebet. Lula defendeu a causa em seu discurso de posse — e centenas de estudos científicos produzidos nos últimos anos mostram que a expansão do agronegócio e a demanda de obras de infraestrutura são totalmente conciliáveis com o desmatamento zero.
Como disse a deputada federal eleita Marina Silva na conferência climática neste ano, os países que quiserem liderar na área ambiental têm de fazê-lo pelo exemplo – e o Brasil tem uma longa lição de casa pela frente.
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