ENVIADA ESPECIAL A BAKU - Há um ano, na Cúpula do Clima (COP), 197 países concordaram pela primeira vez com uma redução gradual da exploração dos combustíveis fósseis. O anúncio surpreendeu aos mais desesperançosos à época, com uma conferência ambiental sediada em um dos maiores produtores de petróleo, os Emirados Árabes. Foi um momento histórico, embora considerado insuficiente por especialistas diante da piora da emergência climática e, principalmente, porque a mudança não tem sido vista na prática.
Um cenário igualmente desafiador é esperado para este ano na COP-29, realizada entre esta segunda-feira, 11, até 22 de novembro. Novamente, o evento será sediado em um “petroestado”, desta vez o Azerbaijão, em que ao menos um terço do Produto Interno Bruto (PIB) vem dos combustíveis fósseis. Mais do que isso, a capital do país do Cáucaso, Baku, é considerada “berço” da indústria petroleira.
A COP-29 também será marcada por difíceis negociações. O tema principal enfrenta resistência de parte dos países mais poderosos do mundo: o financiamento climático.
Parte do Acordo de Paris, essa proposta prevê que os maiores responsáveis pela crise climática (países ricos) financiem recursos para a transição energética, mitigação, adaptação e redução de emissões de gases do efeito estufa nos países em desenvolvimento — parte deles extremamente vulneráveis à mudança climática, como nações insulares, a exemplo das Maldivas.
Na reuniões de pré-COP, não houve avanço significativo. Vários aspectos do “Novo Objetivo Coletivo Quantificado sobre Financiamento Climático” (NCQG na sigla em inglês) precisam ser acordados, como valor anual (estudos apontam para a necessidade de cerca de US$ 1 trilhão), prazos, países e mecanismos de transparência, dentre outros. Há uma tentativa de parte das nações mais ricas em ampliar o número de contribuintes, com a inclusão de países em ascensão, como a China.
O evento será iniciado menos de uma semana depois da eleição que faz voltar à Casa Branca Donald Trump, que no primeiro mandato tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris e promoveu retrocessos na agenda ambiental. Nas negociações, os americanos serão representados pela equipe da gestão Joe Biden, que não estará presente.
O cenário de grandes guerras - na Ucrânia e na Faixa de Gaza - e o impasse na definição de financiamento para a biodiversidade em recente conferência na Colômbia também sinalizam dificuldades. Além disso, relatórios recentes mostram que está cada vez mais difícil conter o aquecimento dentro das metas (limitar a alta a 1,5ºC na média global ante o nível pré-industrial). Também indica que as metas não foram cumpridas.
Por outro lado, o evento ocorrerá em mais um ano marcado por grandes desastres, poucos dias depois das enchentes na Espanha. Enquanto parte dos especialistas não vê tantas chances de avanço este ano, o que empurraria a discussão sobre financiamento para a COP-30, em Belém, também há uma parcela otimista quanto à possível concordância entre as autoridades.
Além de Biden, grande parte dos principais líderes globais faltará. O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cancelou a viagem após um acidente doméstico, indicando o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) em seu lugar, por exemplo.
A lista também deve incluir os presidentes da França, Emmanuel Macron, da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen e o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz. Parte deles pode se encontrar ainda este mês, no Brasil, para o G-20, encontro das principais economias do mundo. Para especialistas, as presenças seriam importantes para a COP, mas ressaltam que as tratativas são feitas, na prática, por negociadores dos governos.
Além disso, após o recorde de 100 mil participantes na edição passada (o que gerou críticas à época), espera-se que a COP 29 receba menos da metade desse público. O último balanço da organização era de 32 mil registros até 21 de outubro, mas a expectativa é de aumento até o início do evento.
Além de governos, as delegações também reúnem representantes de empresas, organizações não governamentais e entidades diversas, tanto como “observadores” quanto para eventos paralelos e outras atividades. Outros temas que devem ser debatidos são o mercado de carbono e medidas de mitigação e adaptação climática.
Além disso, espera-se que parte dos países apresentem suas novas metas de reduções de emissões (NDCs) durante o evento, apesar do prazo ser até fevereiro. O Brasil apresentou nessa sexta-feira, 8, suas propostas de cortes de gases estufa, mas os objetivos foram considerados pouco ambiciosos por especialistas.
O secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, embaixador André Corrêa do Lago classificou como “razoavelmente inútil” a insistência de parte dos países ricos em incluir nações em desenvolvimento como contribuidores obrigatórios. Isso porque o G77 (grupo dos países em desenvolvimento) está “fechado” em não aceitar qualquer proposta do tipo.
O financiamento climático foi definido em 2009, em US$ 100 bilhões anuais, e, depois, reafirmado no Acordo de Paris, em 2015. Majoritariamente, não foi cumprido nesse período.
Entre especialistas, parte entende que a meta àquela época era mais um “compromisso político”. Mas dizem que agora deverá se basear em necessidade reais e, portanto, precisará de valores que atendam às demandas reais dos países em desenvolvimento (um valor ainda maior).
O financiamento climático chega aos países de diversas formas, como fundo perdido (sem reembolso), subsídio e empréstimo sem juros (ou a juros baixos). O Brasil está entre os que recebem esses recursos, os quais são têm diferentes destinações, como o Fundo Amazônia.
Há também preocupação sobre se a COP restringirá atos de ativistas, diante do histórico de prisões (inclusive recentes) de críticos ao governo local. A logística (e custos) de uma viagem até a Eurásia também dificulta o acesso. A própria presidência do Azerbaijão chegou a falar em pagar pelas despesas de pequenos países insulares.
O que esperar dessa COP, afinal?
Secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini vê ambiente “conturbado” e de falta de confiança. “Houve grande mudança no padrão do clima, de sair dos relatórios e ir para a vida real de forma contundente (com extremos climáticos mais intensos e frequentes), mas não teve esse pulo em relação às negociações”, avalia.
Para ele, a insistência de alguns países desenvolvidos em aumentar o número de responsáveis pelo financiamento (ou seja, incluir os emergentes, como o Brasil) só aumenta esse “nó”. Segundo Astrini, o Brasil pode ser protagonista nessas negociações, mas para isso precisaria ter postura mais contundente em relação aos combustíveis fósseis, por exemplo.
Já Karen Silverwood-Cope, diretora de Clima do WRI Brasil, considera que ainda há expectativas positivas para a COP 29. “Independentemente da presença dos chefes de Estado, que tem com certeza impacto político relevante, há um processo que cabe aos negociadores e às delegações para destravar a meta de financiamento”, afirma.
Professor da FGV Agro e pesquisador do Observatório de Bioeconomia, Leonardo Munhoz pontua que os países também precisam apresentar mecanismos que facilitem a entrada desses fundos. “Não há plataformas prontas e ambientes prontos”, avalia. “O mercado de carbono também foi pautado e ‘despautado’ no Congresso. O Brasil precisa chegar com linhas de financiamento muito claras”, destaca.
Para ele, o agravamento da crise climática “aumenta a pressão” sobre as negociações. “Não só na COP, mas interna, nos países. Antes, era uma agenda distante. Hoje, se está vivendo, e isso reflete no ambiente internacional.”
Professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Frederico Dias vê o protagonismo do Azerbaijão como sede como possível tentativa de “greenwashing” - quando se dá a aparência de estar tomando medidas sustentáveis, embora continue a explorar combustíveis fósseis.
Para ele, a eleição do Trump traz sensação de desesperança, mas ocorre em um contexto em que já se sabe que o distanciamento da agenda ambiental pelo americano não se replicou em mais nações após a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris em 2017. “Não só os republicanos, mas os democratas também não são grandes lideranças internacionais. São muito aquém da capacidade do país.”
Além disso, ele considera que a eleição pode ser um “balde de água fria”, com a capacidade de estimular o andamento das negociações na COP-29, tanto pelo lado americano quanto por outros países. “Pode gerar esforço maior do que se esperava fosse o resultado das eleições o outro”, diz.
Também ressalta que, no governo Trump, alguns Estados americanos seguiram com políticas de redução de emissões, como a Califórnia. E que, hoje, parte até mesmo dos governadores republicanos recebe recursos ligados a medidas de sustentabilidade e não vão querer abrir mão disso.
O que organizações internacionais têm defendido?
Diversas organizações têm sugerido prioridades para a COP. A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) destacou, por exemplo, o relatório da ONU do ano passado de que os fluxos de financiamento climático e adaptação para países em desenvolvimento estão de 10 a 18 vezes abaixo das necessidades.
“Há a necessidade imperiosa de acelerar progressos em todos os pilares do Acordo de Paris, especialmente o financeiro”, disse. Assim, apontou aspectos que devem nortear as negociações, como:
- Aumento da ambição nas metas de redução de emissões de gases do efeito estufa;
- Eliminação gradual da exploração de combustíveis fósseis, de modo justo, ordenado e equitativo;
- Financiamento climático alinhado à urgência e tamanho do desafio, tendo plenamente em conta as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento, especialmente as comunidades e ecossistemas mais vulneráveis.
Outra carta foi veiculada pela Alliance of CEO Climate Leaders, que reúne executivos de empresas como Coca-Cola, Volvo e Sony. A organização também fala em eliminação progressiva da produção de combustíveis fósseis, necessidade de metas mais ambiciosas para cortar emissões e o financiamento climático. E pede para que mais líderes empresariais se comprometam financeira e estrategicamente.
O Greenpeace divulgou uma carta, na qual diz que “a responsabilidade dos grandes poluidores de pagar pelos danos e pela destruição que causaram está escapando dos holofotes”. E salienta que a meta de financiamento climático deve chegar à casa de US$ 1 trilhão anual, com o comprometimento de que tenha “peso substancial” para a indústria dos combustíveis fósseis e outros grandes poluidores.
Por isso, menciona a possibilidade de criação de uma Taxa sobre Danos Climáticos (CDT), como uma nova fonte de financiamento voltada ao poluidor-pagador.
*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade
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