COP- 30: ‘Se os Estados Unidos não atrapalharem, já está bom demais’

O ambientalista Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima e comentarista da Rádio Eldorado durante conferência do clima, fala sobre falta de recursos e expectativa para evento

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Foto do author Rita Lisauskas
Foto: Daisy Serena/Observatório do Clima
Entrevista comMarcio Astrinisecretário-executivo do Observatório do Clima

Quando a COP-30 foi confirmada em Belém, no coração da Amazônia, um dos biomas mais importantes para o equilíbrio climático do planeta, os olhos do mundo se voltaram para o Brasil. Essa seria uma oportunidade crucial para o País reafirmar a sua liderança nas negociações sobre mudanças climáticas, atrair investimentos internacionais para a região e liderar a discussão global sobre o financiamento para mitigação das emissões de gases de efeito estufa.

Mas desde que o Brasil se ofereceu como sede da Conferência do Clima, em 2022, “a coisa se complicou muito”, diz Marcio Astrini, ambientalista que há cinco anos é secretário executivo do Observatório do Clima, a maior rede da agenda climática brasileira, composta por 133 organizações da sociedade civil.

A candidatura foi apresentada “até para reverter um pouco a imagem do Brasil, que havia cancelado a Conferência do Clima em 2019, no governo (Jair) Bolsonaro. Mas lá tínhamos um cenário completamente diferente tanto para as negociações quanto para o cenário multilateral”, avalia.

Um dos acontecimentos geopolíticos que mudaram a conjuntura global foi a eleição de Donald Trump que, ao assumir a presidência, anunciou que iria retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, movimento que repete o seu primeiro mandato, além de deixar claro que vai expandir a produção de petróleo por lá.

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Com tanto em jogo, há uma preocupação grande de que a COP-30 seja relevante, mesmo correndo o risco de os Estados Unidos enviarem representantes de escalão mais baixo de seu governo para participar das negociações climáticas.

Marcio Astrini, novo comentarista do Jornal Eldorado neste ano de COP, analisou em entrevista o “risco Trump”, falou sobre o financiamento prometido (e não cumprido) pelos países desenvolvidos em outras conferências e sobre a capacidade de Belém de receber um evento dessa magnitude.

O presidente da COP-30, o embaixador André Corrêa do Lago, afirmou que a meta de US$ 1,3 trilhão de financiamento climático é muito alta e comentou que não se pode ter a ilusão de que os países ricos, historicamente os maiores poluidores, farão essa doação de dinheiro. Quais são os principais obstáculos que Brasil e outros países em desenvolvimento enfrentam para garantir que esses recursos cheguem?

Primeiro que não é uma ilusão, era uma promessa feita pelos próprios países ricos, né? Em 2009 (na COP de Copenhague) eles tinham concordado que mobilizariam recursos a partir de 2021, mas esses recursos nunca chegaram. Ninguém estava na última conferência de clima pedindo nada além do que eles mesmos disseram que iriam fazer. O único movimento que houve foi o de voltarem atrás no reconhecimento da dívida histórica (que têm) e inventar um novo mecanismo.

Vai passando o tempo e você não vai realizando as ações, que custam um tanto nesse período. Isso vai se acumulando ao longo de uma década e surge um número que parece surpreendente, mas não, (esse) é o preço da inação. E US$ 1,3 trilhão parece uma cifra muito alta, mas, quando se compara ao tamanho do prejuízo que virá se não fizer nada, vamos pagar um preço lá na frente muito maior, na casa de dezenas de trilhões – para pagar o que pode ser pago, porque perdas de vidas não podem ser pagas, né?

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Mas o que o André (Côrrea do Lago) faz hoje é um aceno. Ele tenta iniciar esses diálogos da COP da maneira mais serena possível. Estamos num momento global delicado em que os países estão querendo sair das Conferências do Clima, do Acordo de Paris, os Estados Unidos estão saindo. Teve a Argentina, por exemplo, abandonando a última conferência, a Indonésia falando que não sabe se continua. Não existe nesse momento um movimento para fazer coisas boas. Existe um movimento quase de falta de credibilidade.

Esses obstáculos estão se acumulando também por conta desse contexto geopolítico da volta do Donald Trump à presidência dos Estados Unidos?

Sim, a volta dele mexeu muito no ambiente, mas é mais do que isso. A última Conferência de Clima teve resultado péssimo, em que os países que disseram ‘não vamos pagar a conta que lá atrás reconhecemos que é nossa’. Isso quebra a confiança, quebra a moral dessa sala conjunta de negociações. Cria um ambiente em que países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil e de vários outros, dizem ‘se quem deve não quer pagar dívida, por que que vou fazer?’. E o Brasil vai pegar uma conferência com esse monte de pontas soltas, terá de juntar todos esses cacos.

Quando o Brasil submeteu sua pretensão de hospedar a conferência, há três anos, no Egito, logo depois que o presidente Lula foi eleito, era um cenário absolutamente diferente. Tanto para as negociações quanto para o cenário multilateral. A coisa se complicou muito de lá para cá. Certamente, quando Lula colocou a candidatura do Brasil, ele não esperava que o mundo estaria tão mais complicado hoje.

Belém e região metropolitana se preparam para COP-30, mas ainda convivem com problemas ambientais. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Você classificou a última conferência (COP-29, em Baku) como ‘muito ruim’? Com um cenário geopolítico pior, qual é a sua expectativa para a COP-30 em Belém?

Vai ser uma conferência em que o Brasil terá de se concentrar no que precisa ser feito. É ter uma agenda de trabalho, e não pensar apenas no que vai dar certo. Temos há muito tempo a grande questão do clima, que é petróleo. Há 30 anos, sabemos que a doença do clima se chama combustíveis fósseis – não, você não vai parar o uso de combustíveis fósseis da noite para o dia, ‘amanhã nós vamos fechar a torneira de todas as bombas’. Não é isso.

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Mas precisa iniciar uma conversa de como isso poderia ser feito no mundo. Pelo menos começar a desenhar um plano - para daqui a quanto tempo estamos falando da tal de transição energética, transformação ecológica? Como isso vai se dar? Quem para de usar petróleo primeiro? Quem investe quanto? Quanto precisa de renováveis? Isso para que a gente comece a desmobilizar o uso de combustíveis (fósseis). E não temos esse plano, não temos nem esse debate global.

Talvez, se o Brasil pegar uma agenda como essa e começar a exercitar essa agenda para ser colocada em cima da mesa, vai prestar um serviço inédito dentro dos debates das conferências. E seguindo um conceito que todo mundo já está vendo de forma clara: não tem muito mais o que negociar hoje nas conferências. O que tem de fazer é juntar os países para eles verem como vão fazer o que já está negociado.

O embaixador Corrêa do Lago defende que os países tenham liberdade nessa transição energética. Acha que isso sinaliza que o Brasil vai ‘comprar’ essa pauta ou sinaliza o contrário?

Acho que ainda não sinaliza nada. Ele está tateando qual o apetite dos países, o humor dos países, para verificar até onde pode ir. Ele está numa situação que, se forçar demais, esgarça o tecido do multilateralismo, que já está ruim. Mas ele sabe que, se não colocar algo importante na mesa, a COP do Brasil, que é uma COP cheia de expectativas, vai passar a ser uma conferência vazia, que termina muito parecida com o que começou. Pode ter alguns avanços até, em algumas agendas, mas são aquelas agendas burocráticas que quando a gente chega em casa não consegue explicar nem para as pessoas da família, imagina para o resto do mundo.

Belém tem uma questão de infraestrutura, os preços do aluguel e da hospedagem estão extremamente altos por conta da escassez de vagas, causando preocupação inclusive para quem mora na capital do Pará. Essa questão de infraestrutura também pode ser uma camada a mais no risco que a COP-30 corre?

Com certeza. Uma boa infraestrutura não garante que a COP será um sucesso, mas uma infraestrutura ruim pode colocar em risco a participação de presidentes, coloca em risco a ida de delegados. Esse é um problema que o governo tem de resolver. A responsabilidade é toda do governo federal. A Conferência do Clima sempre demandou um tipo de estrutura, e Belém sempre foi Belém. Quando fizeram esse combinado, já se sabia que a COP demandava mais do que a infraestrutura que Belém tem.

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E há problemas seríssimos, por exemplo, no aeroporto de Belém - ele não tem estacionamento para os aviões dos presidentes que vão para lá. Isso é uma questão de segurança, o presidente desembarca no local, tem de ter o avião à sua disposição. O avião não pode estar a duas horas, quatro horas de distância. Tem um problema de acomodação gigantesco. Não é um problema apenas para quem está indo lá e vai pagar preços absurdos para ficar 10 dias, 12 dias hospedado. É para a população local, que vai sofrer com essa inflação, a inflação dos alimentos, a inflação de tudo.

Essa preparação precisa existir. O governo fez uma escolha, a escolha simbólica, de ter a conferência na Amazônia, que é importante, é um recado fortíssimo, traz oportunidades para a região. Mas não pode deixar a coisa sem respostas. O presidente Lula, por exemplo, chegou uma vez a falar, em um desses discursos soltos que faz: ‘Belém é isso mesmo, a Amazônia é isso mesmo’. Não é assim, né?

O Rio de Janeiro está se colocando à disposição para sediar ao menos parte da COP-30 já faz um tempo. Essa poderia ser uma solução - ter duas sedes, embora elas sejam muito longe uma da outra?

É possível que no início, quando ocorre a Cúpula de Líderes, o governo tire de Belém e faça em algum outro local. Pode ser no Rio, pode ser em Brasília, porque isso diminui um pouco o estresse por acomodação, por uma segurança que precisa ser muito mais robusta para presidentes do que para diplomatas. Pode acontecer. Não é o ideal.

O ideal é que a gente tenha tudo acontecendo no mesmo local, porque você vai ter pessoas de veículos de comunicação que vão fazer a cobertura daquele tema. Se o tema é dividido em dois locais, aumenta o custo dessa cobertura, o tempo de viagem, complica tudo.

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Você já conseguiu garantir sua hospedagem?

Conseguimos porque somos uma rede de mais de 130 organizações. Então, amizade não nos falta. A gente conhece muita gente em Belém, mas está muito complicado. Mesmo com antecedência, a gente pagou um valor bem maior do que normalmente os preços já inflacionados que ocorrem em outros lugares. Belém está mais caro que Dubai.

Com essa saída anunciada dos Estados do Acordo de Paris existe a expectativa de que o governo americano revise suas metas de emissão. Qual será o impacto disso para a COP e para o mundo?

Eu diria o seguinte: se os Estados Unidos não atrapalharem, já está bom demais. Não será a primeira vez que os Estados Unidos saem de acordos de clima. Aconteceu isso no primeiro mandato do Trump, em 2017, os Estados Unidos também nunca assinaram o Protocolo de Kyoto, que era a base de negociação anterior ao Acordo de Paris. E mesmo quando estão dentro também, não fazem grandes gestos. São muito difíceis na negociação.

A maior contribuição que os Estados Unidos deram, e isso é indiscutível, foi na confecção do Acordo de Paris. O governo americano e o chinês sentaram e discutiram esse acordo, concordaram em colocar para frente, e aí, quando duas superpotências levam para frente um plano, há um efeito arrastão no mundo e as coisas acontecem. Mas quando eles também atrasam a agenda, o efeito o mesmo - só que aí é de forma negativa.

Há uma expectativa de que o setor privado e parte, inclusive, do setor público americano mantenham alguns compromissos anunciados no Acordo de Paris, mesmo o governo anunciando sua retirada. É possível que isso aconteça? Minimizaria de alguma forma os impactos da decisão de Trump?

É possível, já aconteceu no primeiro mandato do Trump, era um movimento chamado ‘Nós ainda estamos dentro’. Houve vários governadores à época e empresas dizendo: ‘Olha, o governo não quer mais os compromissos para o clima, mas vamos manter os nossos’. Está acontecendo algo nesse sentido, talvez ainda não tão potente quanto foi no passado, mas nós temos, por exemplo, movimento de filantropia, as empresas pagando as contribuições que os Estados Unidos faziam em setores da ONU, como saúde, meio ambiente. Estão cobrindo o dinheiro que o governo americano retirou de contribuição para a ONU.

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Vamos ver na COP quantos estados estarão mobilizados, quantos países. Eles não vão ter voz dentro do círculo legal de negociações, porque ali só participam países e eles não representam o país inteiro. Mas é muito importante ter essas pessoas dizendo que não é unânime o que o Trump está fazendo. E isso é fundamental em um momento que a gente está vivendo, da fragilização da agenda multilateral.

E qual a expectativa de participar dessa cobertura multiplataforma que o Estadão vai fazer da COP-30, como colunista do Jornal Eldorado?

Estou muito feliz. A gente já fez um ensaio na última conferência climática, contando e traduzindo aos ouvintes, e vamos fazer isso de novo ao longo do ano. Há assuntos que espero que a gente consiga cobrir e trazer de uma forma também mais leve, para que o ouvinte e o leitor comecem a se familiarizar e achar a conexão entre o que é discutido lá na COP e a sua vida prática no dia a dia.

Vamos falar sobre ciência, soluções de mercado, os novos relatórios que estão saindo, os números dessa agenda de clima e como esses números impactam na vida das pessoas. Relatórios que nos contam como está a temperatura da superfície dos oceanos, o que isso tem a ver com a chuva que cai na sua região, com a produção de alimentos, com o fornecimento de energia no Brasil - tarifa vermelha na nossa conta de luz significa que choveu pouco no reservatório de hidrelétricas, a conta de luz fica mais cara, isso é regularidade climática.

Quanto mais gente entendendo, mais gente cobrando, falando sobre o assunto, a gente melhora a rotação dos ponteiros, que normalmente são muito lentos.

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A coluna de Marcio Astrini, a ‘Eldorado na COP-30′, estreia nesta segunda, 17/03, às 7h45 no Jornal Eldorado. Você pode ouvir em 107,3 FM, no app Eldorado Rádio e em radioeldorado.com.br. Astrini e a âncora do Jornal Eldorado, Carolina Ercolin, conversam com a diretora executiva da COP-30, Ana Toni.

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