A Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-28), em Dubai, terminou faz poucas semanas e já pôs no colo de Belém muito mais do que a responsabilidade de sediar o encontro daqui a dois anos. A próxima conferência será no Azerbaijão, mas a expectativa dos negociadores climáticos está no encontro no Brasil.
Isso porque a edição de 2025 é um marco, pois é prevista a revisão das metas de corte na emissão de gases de efeito estufa pelos governos. E, até lá, será colocada à prova a capacidade da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de se projetar como líder da negociação climática - sinais contraditórios em relação ao petróleo, por exemplo, arranharam a imagem do petista em Dubai.
Em Dubai, foi visto como contrassenso o Brasil divulgar a queda no desmate na Amazônia enquanto confirmava sua entrada na Opep+, grupo que reúne países produtores de petróleo (Opep) e aliados.
Para analistas, na estrada para Belém o Brasil terá a missão de reorganizar seu papel de mediador. Falar não só por si, mas articular interesses de países emergentes e pobres, além de liderar pelo exemplo.
“O governo precisa estar mais bem coordenado, ter mensagem clara do que quer promover na presidência da COP”, diz Maria Netto, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade.
“Mesmo que a COP seja só em 2025, a expectativa global é de que o governo já faça o esforço de ser ponte entre os países. Neste ano, não vimos isso. O Brasil foi com posição individual, não teve papel de coordenador”, afirma.
Na Amazônia, o desafio de reduzir mais
De janeiro a novembro, segundo o sistema de alertas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmate na Amazônia caiu 50,5%, ante o mesmo período do ano passado. O governo recorreu ao PPCDAm, plano de fiscalização que havia obtido bons resultados na primeira passagem de Marina Silva pelo ministério, entre 2003 e 2008.
O governo ainda terá pela frente dois anos difíceis para manter os índices positivos e precisará renovar suas estratégias. Vai esbarrar em dificuldades como o avanço do crime organizado na floresta, que concentra 22 facções e impulsionam os delitos ambientais, como o garimpo ilegal. Para isso, o Meio Ambiente terá de se articular com outras equipes do governo, como as de Justiça e Segurança.
“É um equilíbrio de peças em tabuleiro complexo que tem uma dimensão técnica, uma política e uma institucional, que precisam caminhar na mesma direção. Isso não é trivial”, ressalta Renato Sérgio Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Estamos bem, mas precisamos manter a pressão. Particularmente na Amazônia, onde o desmatamento é quase todo ilegal, comando e controle serão super importantes”, diz Eduardo Bastos, do Grupo Executivo da Coalizão Brasil, que reúne representantes da ciência, da sociedade civil organizada e do setor produtivo em defesa da preservação.
Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira, vê como “inaceitável” a meta do governo de zerar o desmate só em 2030. “Eles (equipes do governo) não estão fazendo o necessário para chegar em Belém e estar com liderança”, disse o pecuarista ao Estadão no fim de novembro.
Também pesam contra a gestão Lula as falhas no planejamento e na estrutura de combate ao fogo na floresta e no Pantanal, biomas que tiveram recordes de incêndios em algumas regiões este ano. Nuvens de fumaça tomaram Manaus e a estiagem histórica no Amazonas esvaziou leitos de rios e prejudicou o transporte de alimentos e remédios.
O próprio Ibama admitiu ao Estadão que a estrutura antiqueimadas era insuficiente, com necessidade de mais equipamentos e equipes. O órgão ambiental tem, em média, um brigadista para uma área equivalente a 13 mil campos de futebol.
O governo Lula diz reconhecer o problema, mas o orçamento aprovado para 2024 reduz em cerca de R$ 4 milhões a verba de combate a incêndios florestais, como mostrou a Coluna do Estadão. Em nota, o ministério afirma que o montante aprovado, de R$ 62,8 milhões, é 65,3% maior do que a proposta orçamentária feita pela gestão passada. Diz também que irá atrás de créditos adicionais para o setor.
Outras estratégias antidesmate, segundo o ministério, serão o veto de acesso ao crédito rural para todas as áreas embargadas por crimes e o bloqueio de Cadastros Ambientais Rurais em áreas de terras indígenas e unidades de conservação.
Além disso, a pasta prevê destinar 10 milhões de hectares para estudos e criação de unidades de conservação, indígenas e áreas de concessão florestal e até R$ 600 milhões do Fundo Amazônia para apoiar 70 municípios prioritários no controle do desmate e de incêndios, mobilizando governos locais.
Desafios para liderança ambiental
Uma das estratégias da gestão Lula para fazer dinheiro com a Amazônia em pé e, ao mesmo tempo, se colocar como líder ambiental foi propor um fundo global de captação de verba para preservar florestas. A ideia é remunerar diretamente proprietários pela conservação - a estimativa inicial é de US$ 25 por hectare preservado.
O Brasil precisará de adesão dos outros países florestais, assim como de nações dispostas a contribuir com o fundo, lançado na COP de Dubai. Isso demandará articulação internacional e aparar arestas até com os vizinhos - o documento final da Cúpula da Amazônia de agosto, por exemplo, expôs divergências entre Brasil e Colômbia em temas como desmatamento e petróleo.
O presidente colombiano Gustavo Petro, ao longo de 2023, se apresentou como contraponto a Lula entre os governantes amazônicos. Enquanto o Brasil era bombardeado em Dubai por aderir à Opep+, o vizinho sul-americano aderiu a um tratado global que visa a eliminar o uso de combustíveis fósseis.
O impasse no acordo entre Mercosul e União Europeia, discutido há mais de 20 anos, é outra dor de cabeça para o Brasil.
Em Dubai, o presidente francês Emmanuel Macron classificou o acordo como “antiquado” e incoerente com a política ambiental brasileira. Paris cita preocupações com controle do desmate na linha de produção do agronegócio sul-americano.
Lula rebateu, dizendo que a França é um dos países mais protecionistas e criticando a baixa disposição de nações ricas em fazer concessões.
Para Eduardo Viola, especialista em relações internacionais, o potencial do Brasil como líder ambiental é limitado. “Só quem pode ser liderança são as grandes potências: Estados Unidos, União Europeia e China”, disse o pesquisador da USP ao Estadão após o fim da COP em Dubai.
“O Sul Global já lidera, inclusive devido à ausência das nações desenvolvidas, os debates sobre mitigação e adaptação″, disse, em nota, o Ministério do Meio Ambiente, citando como exemplo o fundo de perdas e danos para apoiar países vulneráveis à crise climática, aprovado em Dubai.
No Cerrado, reverter a curva de destruição e proteger o agronegócio
Se na Amazônia o retrato sobre o freio ao desmate foi positivo, isso não vale para o Cerrado. No balanço oficial de um ano, de agosto de 2022 a julho de 2023, a área perdida no bioma foi superior à da Amazônia.
Na floresta, a expressiva maioria da destruição é ilegal e se concentra em áreas federais, como unidades indígenas e de conservação. Já no Cerrado, há significativa perda em propriedade privadas e com aval de autoridades locais, o que torna controle e fiscalização mais complexos.
“Uma parte importante para combater isso é o incentivo econômico, porque ao menos um terço é desmatamento legal. Temos um desafio de achar uma maneira de pagamento de serviços ambientais”, explica Bastos, da Coalizão Brasil.
O Cerrado é fundamental para o equilíbrio hidrológico do País e abriga grande fatia da produção do agronegócio (soja e gado, por exemplo), um dos principais motores da economia, que depende da sobrevivência do bioma para manter seus altos níveis de produtividade.
O Ministério do Meio Ambiente, em nota, disse que discutirá uma nova norma no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para emitir autorizações de desmate. Prevê ainda reforçar o diálogo com Estados e o setor privado, principalmente grandes consumidores de produtos oriundos do Cerrado.
O governo também lançou este ano o Programa de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis. O objetivo é facilitar o acesso a financiamento e assistência técnica a empresas que recuperarem suas pastagens para plantio.
Articulação interna para alavancar economia verde
Para especialistas, garantir a sustentabilidade financeira da preservação ambiental e aproveitar as oportunidades que a economia verde oferece ao Brasil é fundamental.
“Tem de olhar como vamos alavancar de verdade: com apoio, financiamento, incentivo e mercado de carbono, as soluções baseadas na natureza e a energia renovável”, afirma Maria Netto, do Instituto Clima e Sociedade.
Uma das medidas lançadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é o Plano de Transformação Ecológica, que demandará até R$ 160 bilhões na próxima década para transformar o Brasil em um polo de economia verde.
O programa prevê adaptações para ampliar a produção de energia renovável, criar um mercado de carbono (que está em regulamentação no Congresso), entre outras. Embora aponte caminho positivo, o plano exige articulação além da que o governo tem mostrado para sair efetivamente do papel.
Um exemplo dessa dificuldade de alinhar objetivos foi a aprovação em dezembro, na Câmara, do marco legal para a energia eólica, que incluiu benefícios a usinas movidas a carvão. Para a economista Elena Landau, colunista do Estadão, o episódio é mais uma mostra “apropriação do setor elétrico pelos lobbies”.
Antes da polêmica entrada na Opep+, a falta de sintonia entre os ministérios havia ficado evidente no debate sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial do Rio Amazonas. As alas de Meio Ambiente e Energia estiveram em lados opostos.
O Ministério de Minas e Energia discordou da negativa de licença pelo Ibama e pediu parecer técnico da Advocacia-Geral da União (AGU). Essa nova resposta está prevista para o início de 2024.
A foz do Amazonas faz parte da Margem Equatorial, que se estende por uma área de mais de 2,2 quilômetros de litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte. Não se trata de exploração diretamente na floresta. Na região, há grande potencial de descoberta de petróleo, perto da Guiana, que também prevê lucrar com o petróleo na região.
“As decisões sobre este tipo de investimento no Brasil, independentemente da sua localização, deveriam ser pautadas por uma estratégia nacional de transição energética. E esta deveria indicar premissas de volumes de petróleo a serem consumidos anualmente, com metas alinhadas com a disponibilização de fontes alternativas apresentadas com concretude” disse o biólogo Roberto Waack, presidente do Conselho do Instituto Arapyaú, em artigo no Estadão.
Teto de 1,5ºC e pressão social
No ano que vem, a COP no Azerbaijão se debruçará sobre financiamento, um dos pontos mais espinhosos nas negociações climáticas. Países ricos resistem em aumentar o financiamento para que as regiões mais pobres possam se adaptar aos extremos climáticos, causados em sua maioria pela atividade industrial das nações desenvolvidas (movida a carvão e gás natural).
Já na COP-30, no Pará, os governos terão de rever suas metas de corte na emissões de gases de efeito estufa (as NDCs, que haviam sido propostas em 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris). “A COP de Belém já começou em Dubai. Foram definidos lá os elementos que os países terão de considerar para as NDCs. Do pacote de energia ao desmatamento zero até 2030”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
Além disso, as últimas duas conferências do clima foram em nações com histórico de repressão a movimentos sociais: Egito e Emirados Árabes. A próxima será no Azerbaijão, de pouca tradição em fóruns climáticos. O próprio governo espera grande confluência de mobilizações populares justamente em Belém, parte do que Marina Silva define como “pororoca de pressão”.
“Há uma sede muito grande de construir esse espaço. O Brasil como um todo tem sociedade civil forte e, quando se fala de Amazônia, isso é bem exponencial”, afirma Mariana Guimarães, diretora da Organização Mandí, do Pará, e membro do Comitê COP-30.
“A COP-30 será preparada de forma participativa com grupos locais e nacionais, que terão suas vozes ouvidas”, afirmou o ministério, em nota.
O objetivo principal da COP-30 será definir uma rota para que a temperatura da Terra, até o fim do século, fique no limite de 1,5°C acima do nível pré-industrial (meados do século 19). Esse é considerado o teto por grande parte dos cientistas para evitar uma catástrofe climática.
“A última janela para o 1,5°C pode se fechar em 2025. Caberá ao Brasil encabeçar esse esforço”, afirma Bruno Toledo Hisamoto, especialista em negociações climáticas do Instituto ClimaInfo.
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