DUBAI – Sem o luxo de Dubai, mas com a biodiversidade e a cultura da Amazônia. “Nossa ambição é fazer a COP da floresta”, diz o governador do Pará, Hélder Barbalho (MDB). Além da expectativa de mostrar ao planeta as potências do bioma como a sede da conferência global do clima em 2025, o Estado do Norte do País tem até lá o desafio de dar respostas a problemas locais, como a insuficiência de saneamento básico e infraestrutura urbana, além do desmatamento.
Com planos sobre como preparar o Estado e a região metropolitana da Belém, Barbalho diz que ainda não sabe “a dimensão de investimentos” que a Organização das Nações Unidas (ONU) irá demandar. Ele conta que, da porta da COP para dentro, o evento é 100% da ONU. Da porta para fora, os governos do Estado e federal irão atuar conjuntamente.
Do evento no deserto dos Emirados Árabes Unidos para mais de 97 mil participantes inscritos, Barbalho já tirou alguns aprendizados. Um deles é investir em tecnologia e na conectividade dos participantes. Ele e parte do comitê estadual de 16 pessoas que trabalham no planejamento da conferência de 2025 fazem reuniões com a ONU, com a prefeitura de Dubai e com a organização do evento para discernir o que deu certo na COP de Dubai e que pode ser repetido em Belém.
Nesta semana, Barbalho e o Sultan Al Jaber, presidente da COP-28, anunciaram um acordo de cooperação bilateral para troca de conhecimento sobre a organização e logística da conferência e capacitação de pessoal.
Na cúpula da Amazônia, realizada em agosto, a mobilidade pelas ruas da cidade foi um problema grave que ainda precisa ser resolvido. Debaixo de uma árvore no centro de exposições onde ocorre a COP-28 em Dubai, o governador Hélder Barbalho contou ao Estadão/Broadcast os preparativos para a COP-30 antes mesmo de o Brasil ser anunciado oficialmente como sede.
Abaixo, leia os principais trechos da entrevista exclusiva.
O presidente Lula já disse que ninguém deve esperar o luxo de Dubai na COP de Belém e afirmou que as reuniões poderão ser embaixo de árvores. O que esperar da COP-30?
Nossa ambição é fazer a COP da floresta. Devemos valorizar aquilo que nos coloca em absoluta singularidade do mundo como sede do maior evento climático do mundo. Respeitamos e reconhecemos a nossa singularidade. Queremos fazer uma COP que permita que a floresta esteja no centro das atenções, discussões e soluções.
Queremos que a COP seja a oportunidade de as pessoas conhecerem a realidade da Amazônia e dos povos amazônicos. Uma solução para a floresta passa por solução para as pessoas. O principal legado da COP-30 será colocar a floresta no centro das discussões de transição energética, regeneração de áreas, agricultura regenerativa. O que queremos? Queremos que a COP em Belém torne mais alto o valor da floresta viva do que o da floresta morta.
Qual o investimento necessário para realizar a COP?
Estamos trabalhando na agenda do legado ambiental e no legado de infraestrutura. Do evento em si, ainda não tivemos acesso a qual é a dimensão dos investimentos que será necessário. Isso será repassado pelas Nações Unidas ao governo brasileiro.
Mas o governo do Pará já teve reunião com a ONU?
As Nações Unidas já estiveram em Belém. Fizeram uma imersão para conhecer a cidade e os desafios. Apresentamos diagnósticos dos gargalos e as soluções possíveis para que pudessem validar. Nossa expectativa é que o anúncio aconteça aqui, até o final do evento.
A partir do anúncio, há formalização do processo e, então, serão definidas carteira de encargos, responsabilidades, a quem cabe cada tarefa. É uma agenda que vai ocorrer pós-Dubai. Antes disso, o que estamos fazendo é isso: pensar no legado ambiental e urbanístico. Nesse sentido, estamos trabalhando com obras de mobilidade, de saneamento e abastecimento de água, apoio ao mercado de serviços com aportes do banco do Estado e do BNDES.
A rede hoteleira da cidade tem um total de 20 mil leitos, correto?
São 12 mil leitos. Na região metropolitana, há 18 mil. E há mais 8 mil em uma cidade próxima a Belém que está sendo analisada como alternativa.
Já se falou na possibilidade de os participantes da COP-30 terem a opção de se hospedarem em navios transatlânticos que ficariam atracados no porto de Belém. Faz sentido?
Essa é uma das soluções que estão sendo apresentadas e estudadas. Nesse caso, também está sendo estudada uma solução sobre como zerar as emissões (de gases de efeito estufa) que esses navios irão emitir.
O porto tem calado, área de receptivo para acomodar os cruzeiros?
Esse será um dos legados. Já está em fase de contratação a dragagem do canal de navegação do porto de Belém para sair de 6,8 metros para 9,8 metros e permitir com isto que esses navios possam estar atracados no porto de Belém.
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O anúncio oficial de Belém como sede da COP-30 ainda será feito. Há a possibilidade de mudança?
Mesmo sem que tenha havido anúncio formal, Belém está escolhida. O processo funciona assim: cada ano é uma região do mundo que recebe a conferência. E, em 2024, será a vez da região do Caribe e América Latina, que subscreveu uma candidatura apenas, a de Belém. Por essa razão, a ONU já esteve com uma delegação responsável pelo planejamento da COP em Belém. E reconheceram que esse planejamento é um ponto favorável (para oficializar a escolha da cidade). Ou seja, estamos trabalhando pela COP-30 e ainda nem se sabe onde será a COP-29 (prevista inicialmente para ocorrer no leste europeu, a sede da próxima cúpula virou um impasse por causa da guerra entre Rússia e Ucrânia).
Em termos de infraestrutura de água, esgoto, mobilidade, como a região metropolitana de Belém está e o que deve ser feito para receber quase 100 mil participantes da COP?
Vamos requalificar a mobilidade urbana.
Isso significa o quê? Novos corredores de ônibus?
Corredores de ônibus, renovação da frota de transporte coletivo, inclusive com a introdução de veículos elétricos. O Estado deve, no segundo 2º semestre de 2024, ter o leilão de concessão de saneamento, estruturado pelo BNDES.
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Hoje como está a cobertura?
O serviço de fornecimento de água tem a cobertura de 60% e o de esgoto, 25% no Estado. Em termos de legados de infraestrutura, há diversas outras oportunidades que a COP trará. O aeroporto de Belém, que foi o último lote de concessão (passou para iniciativa privada em abril), terá a antecipação das melhorias previstas para 2025. Os locais do evento, Parque da Cidade e Porto Futuro, também estarão na agenda de entregas. Esses são dois grandes complexos urbanísticos que servirão como pontos centrais da COP. A hotelaria terá incremento importante.
Como será a ampliação da estrutura de hospedagem para receber os visitantes? Há um projeto de construir uma operação hoteleira que, depois, irá se transformar em um estabelecimento de educação?
Estamos discutindo a construção dessa estrutura com a qualidade necessária e que se torne viável pós-COP. Não queremos deixar o que aconteceu em grandes eventos como Copa, Olimpíadas no Brasil e em outros lugares. Uma sugestão apresentada pela iniciativa privada é de que (a estrutura hoteleira) possa se tornar um grande cluster de conhecimento. Essa proposta foi apresentada ao BNDES e é uma negociação privada. O papel do Estado é estudar modelos e captar oportunidades. No momento, temos conversas com quatro operadores hoteleiros privados.
Brasileiros?
Brasileiros e estrangeiros que têm interesse em investir em novos hotéis. Estamos trabalhando com novas operações hoteleiras, com requalificação das operações existentes e com a reestruturação de imóveis públicos e privados. Fechamos acordo com o AirBnB, que fará grande divulgação da plataforma. E provavelmente vamos oferecer, junto com o Exército, estruturas provisórias que possam incrementar a oferta de leitos.
Na Cúpula da Amazônia, a segurança pública foi destacada como ponto crítico na região. Como o governo está se preparando para a conferência?
A equipe da segurança pública do Estado está aqui, dialogando com a ONU, com a prefeitura de Dubai. Mas dentro da conferência, a segurança é pensada pela ONU. Obviamente, cada delegação terá suas exigências junto ao governo. Caberá ao Estado a segurança da população nas ruas de Belém. A quantidade de chefes de Estado deve desafiar o governo brasileiro a ter suas forças de segurança presentes.
Mas e no interior do Estado? O que é pensado para aumentar a segurança para visitantes que queiram conhecer o interior, ir de barco a Santarém, por exemplo?
Os investimentos de segurança pública que fizemos e estamos fazendo são no intuito de deixar como legado a redução da criminalidade no Estado. Há cinco anos, Belém era a capital mais violenta do Brasil. No último anuário da violência, aparece como 7ª capital mais segura. Estamos fazendo concurso público para contratar 4 mil novos policiais que serão formados para o calendário da COP.
*A jornalista Paula Ferreira viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade.
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