Representantes de quase 200 países aprovaram nesta quarta-feira, 13, o documento final da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-28), em Dubai, que cita a “transição” dos combustíveis fósseis, em um consenso considerado histórico para as conferências contra o aquecimento global. O texto traz linguagem mais forte do que a versão anterior, mas não menciona diretamente a eliminação desses poluentes (principalmente carvão, petróleo e gás natural), como reivindicavam dezenas de países.
A redação anterior havia contrariado muitos das delegações, incluindo Brasil, ao evitar compromissos mais incisivos na busca por fontes limpas de energia. O novo compromisso evitou incluir a expressão “eliminação gradual” (phase out) dos combustíveis fósseis, mas pela 1ª vez em um documento desse tipo cita a “transição” dos combustíveis fósseis.
Os esforços, segundo o texto, devem ser coordenados de forma que o mundo elimine as emissões de gases com efeito estufa até 2050, com urgência adicional na redução nesta década. Para isso, também aparece a meta de triplicar a capacidade energética renovável até 2030.
As sessões entre os negociadores climáticos ocorreram até altas horas da madrugada. O presidente desta COP, sultão Al Jaber, chamou o acordo de “histórico”. Cientistas, porém, têm alertado que os compromissos assumidos pelos governantes são insuficientes diante da urgência da crise climática, que em 2023 se intensificou com ondas de calor, incêndios, tempestades e ciclones em vários pontos do planeta, incluindo o Brasil.
Os líderes da União Europeia e de muitas das nações mais vulneráveis ao aquecimento global apelavam para incluir a expressão “eliminação gradual” de petróleo e similares. Mas essa proposta enfrentou intensa resistência por parte de grandes exportadores de petróleo, como Arábia Saudita e Iraque, além de economias em crescimento rápido, como a Índia e a Nigéria.
“Aos que se opuseram a uma referência clara a uma eliminação progressiva dos combustíveis fósseis no texto da COP, quero dizer-lhe que, goste ou não, é inevitável. Vamos esperar não chegue tarde demais”, alertou António Guterres, secretário-geral da ONU.
O fato de a conferência ter sido realizada nos Emirados Árabes Unidos, um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, foi alvo de críticas desde a escolha da sede. Esta edição da COP reuniu o maior número de participantes que representavam interesses da indústria do petróleo em três décadas de cúpulas climáticas globais.
Na maioria das economias desenvolvidas ou emergentes, o despejo na atmosfera de gases de efeito estufa oriundos da queima de petróleo ou carvão é o principal causador do aquecimento global. No Brasil, diferentemente, a maior parte das emissões vem do desmate da Amazônia, atividade predominantemente ilegal e sem benefícios para o PIB.
A posição do Brasil sobre o petróleo, no entanto, trouxe constrangimento para a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A hesitação do governo sobre os planos de exploração de petróleo na Margem Equatorial do Rio Amazonas foram uma sombra sobre as pretensões de Lula de ser uma liderança na agenda climática.
Em Dubai, causou constrangimento o fato de o Brasil ter entrado na OPEP+, grupo que reúne os principais produtores de petróleo e países aliados. O governo disse que vai aproveitar a participação na entidade para convencer os integrantes a reduzirem o consumo de combustíveis fósseis. Para o texto final, a defesa da delegação brasileira era de fixar compromissos diferentes conforme o nível de desenvolvimento dos países, com metas mais ousadas para os ricos.
‘Acordo basilar’, define Marina
Em discurso final na plenária da COP-28, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que o texto final aprovado pelos países é um “acordo basilar” e que os compromissos assumidos são “incontornáveis”. Mas frisou que deve haver diferenciação entre países ricos e pobres.
“A nossa próxima tarefa é alinhar os meios de implementação necessários, assegurando a fundamental premissa da transição justa. Assim, é fundamental que os países desenvolvidos tomem a dianteira da transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis e assegurem os meios necessários para os países em desenvolvimento poderem implementar suas ações de mitigação e adaptação”, disse.
Marina destacou ainda a importância do texto para alcançar a meta de manter a temperatura global até 1,5° em comparação com os níveis pré-industriais.
“O desafio de concretizarmos a ‘Missão 1,5′ depende do esforço de todos, e principalmente do comprometimento de todos em alinhar suas próximas NDCs a este objetivo”, disse.
Em 2025, durante a COP-30, no Brasil, os países apresentarão suas novas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), que fixam os limites de emissões de gases do efeito estufa a fim de alcançar a meta de 1,5° na temperatura global.
‘Passamos 30 anos para chegar ao início do fim dos combustíveis fósseis’
“A humanidade finalmente fez o que já deveria ter sido feito há muito, muito, muito tempo”, afirmou o comissário da União Europeia para o clima, Wopke Hoekstra. “Passamos trinta anos para chegar ao início do fim dos combustíveis fósseis.”
Enviado da Casa Branca para o Clima, John Kerry reconheceu que grande parte dos negociadores gostariam de um texto mais incisivo, mas classificou o resultado como uma “conquista” das discussões multilaterais. “Penso que todos aqui deveriam estar satisfeitos por, num mundo que enfrenta as guerras da Ucrânia e do Médio Oriente, este é um momento em que o multilateralismo realmente se uniu e as pessoas tentaram chegar a um bem comum”, disse.
O objetivo do documento final desta COP é ajudar as nações a alinhar os seus planos climáticos nacionais com o Acordo de Paris, o pacto global de 2015 que busca limitar a alta de temperaturas neste século a até 2ºC na comparação com os níveis pré-Revolução Industrial (1850). A Terra está a caminho de quebrar o recorde do ano mais quente, colocando em risco a saúde humana.
“No geral, é um texto mais forte do que as versões anteriores que vimos”, disse a conselheira sênior de adaptação da Fundação das Nações Unidas, Cristina Rumbaitis del Rio. “Mas não consegue mobilizar o financiamento necessário para atingir essas metas.” A ONU estima que os países em desenvolvimento precisem de US$ 194 a US$ 366 bilhões por ano para se adaptarem a um mundo mais quente.
“A menção no texto da conferência de substituição do uso de combustíveis fósseis é inédita, mas totalmente em desacordo com a realidade de países que projetam um aumento em suas fontes sujas de energia que é 100% maior do que o permitido pelos limites do Acordo de Paris”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. /COM THE NEW YORK TIMES, THE WASHINGTON POST E AGÊNCIAS INTERNACIONAIS
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