Nova versão do balanço global do Acordo de Paris, divulgada nesta segunda-feira, 11, na 28ª Cúpula do Clima (COP-28), em Dubai, deixou de fora qualquer menção ao compromisso pela eliminação gradual (chamado de phase out no termo em inglês) dos combustíveis fósseis.
O texto cita apenas a redução do consumo e produção de fósseis “de forma justa” para chegar, até 2050, à taxa zero de emissões de emissões de gases estufa (quando há compensação para o despejo de poluentes na atmosfera, de forma a evitar o aumento de temperaturas).
A redação ainda é um rascunho e pode ser alterada até a plenária final da COP, prevista para terça-feira, 12. De acordo com o texto, as partes devem acelerar energias renováveis e tecnologias com emissão zero para substituir o uso de combustíveis fósseis. O texto reforça também a necessidade de acelerar a transição energética.
Para analistas, essa é uma desidratação das ambições iniciais de avançar nesse tema, considerado crucial para frear a piora do aquecimento global.
Principal entrave até agora, o debate sobre o fim do uso de combustíveis fósseis no âmbito do balanço global tem ao menos três perspectivas sobre a mesa.
Em um extremo, as pequenas nações insulares, que correm o risco de desaparecer com a crise climática, defendem compromisso pelo fim do uso desse recurso. No outro, nações petroleiras, como a Arábia Saudita, bloqueiam textos que mencionem a redução de fósseis.
O Brasil tenta articular um cronograma diferenciado para pôr fim ao uso desses recursos. A posição brasileira é de que os países desenvolvidos liderem as ações para reduzir o uso dos fósseis e, depois, sejam seguidos pelos demais.
A posição brasileira em relação ao tema foi alvo de críticas no início da conferência. O país foi criticado por aceitar o convite para integrar a Opep+, grupo que tem a participação de aliados aos países exportadores de petróleo, a Opep. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que a ideia é convencer as outras nações da Opep+ (a entidade tem membros como Rússia, México e Malásia) a reduzirem a produção do poluente.
O Brasil tem tocado as negociações na COP-28 no âmbito do bloco BASIC, que reúne ainda África do Sul, Índia e China. Grandes poluidores, esses dois últimos países negociam também próximos ao bloco “LMDC” (Países em desenvolvimento com ideias semelhantes, na sigla em inglês), que tem entre seus membros alguns países ricos em petróleo, como os sauditas.
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O fato de os Emirados Árabes Unidos receberem evento ambiental motivou desconfiança desde a escolha da sede. Esta edição é recordista de participantes com interesses ligados à indústria do petróleo.
Segundo o secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, ainda é possível reverter os retrocessos do texto.
“Tudo que tinha de linguagem de esperança sobre combustíveis fósseis saiu do texto. Como teve uma mudança muito abrupta, é importante que tenham reações fortes dos países dizendo que não aceitam e querem voltar ao texto anterior”, afirma Astrini.
Há expectativa a respeito de como a União Europeia, por exemplo, vai reagir a esse trecho do texto. O bloco tem um peso importante para pressionar por alterações que tornem a redação mais ambiciosa.
O governo brasileiro realizou uma coletiva de imprensa poucos minutos após a divulgação do texto. Segundo a ministra Marina Silva, o governo ainda não tinha tido tempo hábil para avaliar a proposta. Ela destacou, no entanto, que a métrica de sucesso seria a abordagem sobre os combustíveis fósseis e disse que é preciso construir avanços desde já pra não colocar a COP brasileira sob pressão.
“Desde o começo, todo trabalho que o Brasil vem fazendo é no sentido de que a gente possa assimilar esse tema inadiável em relação ao combustível fóssil no percurso das três COPs: a COP-28, a COP-29 e a COP-30. Nós não queremos uma pororoca de pressão na COP-30 de algo que não foi sendo assimilado ao longo do processo”, disse a ministra.
Durante o anúncio da confirmação do Brasil como sede da COP-30, após a coletiva, Marina aproveitou para pedir avanços no acordo entre os países em relação a combustíveis fósseis. A ministra afirmou que é preciso sair da COP-28 com o que “todos esperam”: ”Uma matriz caracterizada pelo acentuado aumento das fontes renováveis de energia e a simultânea redução da dependência dos combustíveis fósseis”, disse.
Bruno Toledo Hisamoto, especialista em negociações climáticas do Instituto ClimaInfo, analisa que o texto tenta balancear as propostas sobre a mesa, mas acaba ficando muito aquém das necessidades impostas pelas mudanças climáticas.
“O texto da presidência tenta um meio termo difícil entre a demanda por phase-out (eliminação)/down (redução) dos combustíveis fósseis e a reticência das nações petroleiras à proposta. Por um lado, o texto incorpora metas para expansão de fontes renováveis e, ainda que singelamente, fala sobre a necessidade de reduzirmos o consumo e a produção de combustíveis fósseis”, afirma.
“Por outro lado, o texto especifica o abandono apenas de subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis que não estejam atrelados ao combate à pobreza energética. Sobre o carvão, ele também restringe o phase down às emissões unabated, sem fechar definitivamente a porta para esse combustível fóssil. No geral, ao menos na parte de energia, é um texto ruim”, opina.
*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade
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