ENVIADO A SHARM EL-SHEIK (EGITO) - O acordo para a criação de um fundo de perdas e danos voltados aos países “particularmente vulneráveis” aos efeitos das mudanças climáticas, anunciado na madrugada deste domingo, 20, ao fim da Conferência do Clima da ONU (COP-27), em Sharm El-Sheik, no Egito, é um avanço histórico sem precedentes. Terminadas as negociações no norte da África, no entanto, fica a pergunta: o quanto os países avançaram nas mudanças das causas que levaram o fundo a ser tão importante? Não muito, principalmente em relação ao corte de emissões de gases geradores do efeito estufa.
A proposta foi apresentada pela União Europeia quase no fim da conferência e sua discussão ocupou todo o sábado. Oficialmente, a COP terminou na sexta. O texto aprovado prevê a criação de um grupo de trabalho transacional para que o fundo seja efetivado até a próxima COP, no ano que vem. O documento trabalha com a perspectiva de que o financiamento seja feito por instituições financeiras multilaterais como o Banco Mundial. A chamada à participação dos países em desenvolvimento teve como alvo a China, que se recusava a participar como financiadora direta do fundo.
A definição de quem são os vulneráveis elegíveis consumiu grande parte da negociação. Por fim, o texto fala em países ameaçados pela subida do nível do mar, migrações em massa forçadas por desastres naturais e efeitos diretos das mudanças climáticas.
Entretanto, um ponto-chave da discussão sobre aquecimento global ficou de fora: o documento não traz definições sobre os cortes das emissões nem avanços em relação à conferência de Glasgow. Para observadores, o debate sobre combustíveis fósseis não apresentou resultados. “Do ponto de vista das causas, andamos pouco. Esta COP foi paquidérmica. Quando a gente fala de causas, estamos falando de combustíveis fósseis, que tivemos pequeno avanço no ano passado com menções explicitas no documento final da COP-26 e outras fontes de emissões”, diz Natalie Unterstell, integrante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e presidente do Instituto Talanoa. “Infelizmente, não tivemos grandes anúncios sobre essa pauta aqui em Sharm El-Sheik e as decisões que tratavam sobre esse assunto ficaram um pouco aquém.”
Na avaliação de Natalie, a questão da adaptação dos países às mudanças climáticas teve avanço discreto que promete ser um impulso para decisões futuras. Já as perdas e danos, foco do fundo proposto pela UE, foi a boa notícia. Ainda assim, longe do necessário. “Não perdemos, mas está indo devagar.”
Acuada pela guerra na Ucrânia, a União Europeia não demonstrou interesse e engajamento nessa pauta. Outros grandes emissores e consumidores de combustíveis fósseis, como China e Estados Unidos, tampouco se comprometeram. Dessa forma, o documento final não trouxe nada sobre um novo e final passo para a eliminação do carvão e sobre os demais faz menção apenas à eliminação de “subsídios ineficientes”.
Assim, a conferência traz um avanço inegável, principalmente para os países insulares ameaçados de extinção pelo aumento do nível do mar, mas deixa pontos sensíveis em aberto para a próxima cúpula, que será realizada nos Emirados Árabes Unidos.
O repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade
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