O Paraná é o primeiro governo local a instituir oficialmente uma política de créditos de biodiversidade como forma de incentivar a preservação do meio ambiente. O programa estadual foi lançado durante a Cúpula da Biodiversidade, que foi realizada em outubro em Cali, na Colômbia.
Os créditos de biodiversidade são diferentes dos créditos de carbono. Mais antigos, os créditos de carbono são usados para compensar emissões de gases do efeito estufa reduzidas ou removidas. Um crédito de carbono representa a redução de uma tonelada métrica de dióxido de carbono ou o volume equivalente de outros gases estufa.
Os créditos de biodiversidade, por sua vez, são usados para financiar projetos positivos para a biodiversidade, como a proteção de habitats, reintrodução de espécies ameaçadas e recuperação de ecossistemas. Mas não há, pelo menos por enquanto, uma unidade padronizada para os créditos.
Ou seja, os créditos de biodiversidade são considerados “positivos para a natureza”, uma vez que as empresas pagam por iniciativas que visam a proteger os ecossistemas, sem necessariamente compensar por impactos causados por sua própria operação. As empresas, por sua vez, podem comercializar seus produtos como “amigos da biodiversidade”.
Um projeto na Irlanda, por exemplo, já vendeu créditos de biodiversidade no valor de dois milhões de euros (cerca de R$ 12 milhões), depois de plantar 600 mil pés de árvores nativas. Na Austrália, outro projeto vendeu um número não revelado de créditos ao HSBC por melhorar a qualidade da água na grande barreira de corais.
A proposta brasileira foi desenvolvida pelo governo do Estado em parceria com a Coalizão Life de Negócios e Biodiversidade (organização formada por diversas empresas brasileiras, voltada para a conservação do meio ambiente). No caso do Paraná, donos de unidades de conservação privadas poderão vender créditos de biodiversidade para empresas que queiram (ou precisem de) um selo de certificação ambiental.
“Não existe obrigação oficial (das empresas), mas a avaliação é feita anualmente pelas certificadoras do mercado; então entra quem tem interesse em demonstrar uma prática ambiental”, afirma o diretor de Políticas Ambientais da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Sustentável, Rafael Andreguetto.
“É cada vez mais difícil para empresas que atuam no mercado externo trabalhar sem esse selo de certificação. Por exemplo, se a União Europeia determinar que não vai mais comprar de desmatadores, o crédito passa a ser um grande selo de chancela desse compromisso com o meio ambiente.”
O projeto brasileiro conta ainda com o suporte do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), que destinará R$ 2 milhões para empresas financiarem a compra dos créditos de biodiversidade das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) selecionadas nos editais.
Leia também
“A empresa que pressiona o meio ambiente, seja pela exploração de recursos naturais como árvores, consumo de água e energia, ou que impacta o efeito estufa, terá condições de mitigar as ações ao comprar créditos de biodiversidade dessas reservas naturais”, afirmou o secretário estadual de Desenvolvimento Sustentável, Everton de Souza, que anunciou o projeto na COP-16.
Segundo Andreguetto, em um primeiro momento, 25 RPPNs serão beneficiadas com o crédito, que será revertido em ações e projetos dentro das unidades de conservação.
Inicialmente, a política vai beneficiar RPPNs previamente selecionadas, segundo critérios técnicos, mas a intenção é ampliar, chegando também a parques municipais, estaduais e federais na sequência.
Para a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araujo, iniciativas que incluam parcerias público-privado são sempre positivas.
“As RPPNs não têm muito incentivo; o proprietário praticamente abdica de usar a propriedade e, hoje, a única coisa que tem é a isenção do imposto sobre propriedade territorial rural (ITR), que não paga nem o custo administrativo”, explicou Suely, que presidiu o Ibama na gestão Michel Temer (MDB).
O emergente mercado de proteção da natureza foi um dos temas mais debatidos na Cúpula da Biodiversidade. Durante a conferência, os governos britânico e francês lançaram o Painel Consultor Internacional para Crédito de Biodiversidade, uma das principais iniciativas do setor.
O painel apresentou uma série de diretrizes para as transações no mercado da biodiversidade. Uma das principais recomendações é de que os povos indígenas que eventualmente vivam nas áreas sejam coautores dos projetos e participem de sua elaboração e execução.
O mercado de biodiversidade ainda é relativamente pequeno. Relatório da Fundação Compensação revela que os oito projetos mais bem desenvolvidos de créditos de biodiversidade cobrem apenas 800 mil hectares e receberam, no ano passado, US$ 8 milhões (cerca de R$ 45 milhões).
Segundo a fundação, o mercado ainda é “imaturo”, mas cresce de forma acelerada. Além de Reino Unido e França, 28 governos estão trabalhando em seus próprios projetos de créditos de biodiversidade.
Mas o evento de biodiversidade em Cali reuniu também vários críticos à formação do novo mercado. Segundo eles, a exemplo do que já aconteceria no mercado de crédito de carbono, há risco de as empresas financiarem de um lado, mas destruirem de outro.
“Você destrói um ecossistema e recupera em outro lugar, o que levará décadas para crescer e dificilmente estará no mesmo nível do que foi destruído originalmente”, criticou Nele Marien, da Friends of the Earth International.
Além disso, acrescenta a a ativista, não há uma padronização de parâmetros adotados. Cada projeto adota formas diferentes de medir os supostos ganhos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.