Crise do clima deve reduzir em mais da metade áreas onde dá para plantar café no Brasil; veja onde

Estudo da Unesp projeta cenário de risco para a produtividade com alta da temperatura e redução da oferta de água; São Paulo e Minas seriam impactados

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Foto do author José Maria Tomazela
Por Clara Marques e José Maria Tomazela

A crise do clima - com a alta do calor extremo, das tempestades e da acidificação dos solos - poderá reduzir em até 50% as áreas cultiváveis de café no Brasil, segundo estudo feito na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Os pesquisadores simularam mudanças no regime de chuvas e na temperatura atmosférica para as próximas décadas, usando como referência cinco possíveis cenários projetados pelo IPCC, painel de cientistas das Nações Unidas. A última seca severa de 2020 e a pior geada em 27 anos, em 2021, são um desafio extra para agricultores e para quem gosta da bebida - e pode pagar mais em cada xícara.

Dono da Fazenda 7 Senhoras em Socorro (SP), Luiz Eduardo percebe diferença no tamanho dos grãos e atribui a diferença à mudança climática Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O café arábica, espécie observada na pesquisa da Unesp, é a segunda mais cultivada no País, é mais suscetível a mudanças climáticas. Segundo Glauco Rolim, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, com o aumento da temperatura média global, o percentual de áreas aptas para a produção desse tipo de café no País cairia de 8,7% para 5,4% no período entre os anos de 2061 e 2080. Considerando-se o cenário mais pessimista, essa proporção recuaria para 2,2%.

Minas Gerais seria o Estado mais impactado. “O aumento da temperatura global afeta os elementos críticos para o cultivo, que são a temperatura do ar (faixa ideal de 18 a 23°C) e disponibilidade de água”, afirma Rolim.

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Sem o balanço ideal entre esses chuvas e temperatura do ar, o cafeeiro não consegue produzir frutos com qualidade, enfrentando condições como o chochamento, anormalidade caracterizada por grãos mal formados ou até mesmo ausentes dentro da casca.

Segundo o estudo da Unesp, a questão hídrica é um fator de maior interferência na qualidade dos ciclos produtivos, que têm duração de dois anos. Eles intercalam naturalmente um período de maior produtividade, com outro de menor.

“O déficit hídrico afeta o desenvolvimento das culturas de café, especialmente durante as fases de formação dos botões florais, floração e formação dos grãos”, destaca o pesquisador.

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As altas temperaturas também afetam, não dando tempo de o vegetal desenvolver suas flores e frutos adequadamente. As consequências disso podem ir da redução de qualidade ao chochamento.

‘Totalmente atípico’, diz produtor

Luiz Eduardo de Bovi, que produz cafés especiais na Fazenda 7 Senhoras, em Socorro, interior de São Paulo, já sente os efeitos da crise climática. " Esse ano estamos com uma renda menor (relação do café antes e depois de ser beneficiado) e queda no tamanho dos grãos”, afirma.

De acordo com ele, se antes havia 80% de café de peneira alta (grãos maiores), agora esse número baixou para 60%. “O que estamos fazendo é garantir uma proteção maior no solo para manter mais umidade”, relata.

“Conversando com outros cafeicultores que têm irrigação, esse fenômeno de peneira menor também está acontecendo, aparentemente em função do aumento da temperatura. A lavoura está bem vestida, com muitas folhas, mas alguns pontos tivemos até floradas em junho, o que é totalmente atípico”, acrescenta de Bovi.

Para especialistas, frear as emissões de gases de efeito estufa é essencial para evitar colapsos dos sistemas produtivos. A crise climática já tem pressionado os preços de outros produtos, a exemplo do azeite, vítima da seca que destrói as colheitas de azeitona na Europa.

Já no Brasil, a tempestade recorde no Rio Grande do Sul, que devastou quase todo o Estado entre o fim de abril e o início de maio, colocou sob ameaça a capacidade de abastecimento e os preços do arroz.

Entre as saídas, pesquisa e biotecnologia

Raquel Miranda, assessora técnica da Comissão Nacional do Café da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), aponta como uma das saídas a migração de áreas de cultivo para regiões mais adequadas, como já ocorreu historicamente com a mudança da produção do Paraná para Minas.

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“O café gera cerca de US$ 10 bilhões em exportações anualmente, sendo o quarto maior produto agrícola do Brasil”, afirma ela. O consumo brasileiro, que gira de 20 a 22 milhões de sacas, e a ampliação do mercado asiático para a bebida impulsionam a demanda.

Consumo interno e mercado asiático impulsionam demanda, mas aquecimento global põe produção em risco Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Plantar café sob condições insalubres, como a falta de água, aumenta a necessidade de investimento em pesquisa e biotecnologia. Uma das técnicas é foi desenvolvida pela Embrapa Cerrados

Trata-se do “estresse hídrico”, que consiste em interromper a irrigação por, no máximo, 70 dias no período mais seco e frio do ano. A retomada da irrigação deve acontecer até o início de setembro, para evitar que as temperaturas mais altas comprometam a floração.

Feito de maneira correta, o estresse hídrico é capaz de maximizar a produção de cafés especiais, de maior valor agregado, com custo de energia 33% menor, com menor consumo de água. “O café é bastante resiliente e contamos com uma pesquisa aprofundada para garantirmos produtividade, com menos áreas de cultivo”, diz Lucas Tadeu, da Embrapa Café.

Outras estratégias são a seleção de variedades genéticas mais resistentes e técnicas de cultivo inspiradas em práticas agroflorestais. O cultivo intercalado com outras culturas de ciclo curto, como mamão e arroz, é um caminho para gerar renda adicional, além de trazer benefícios ambientais.

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