Um ano no após o Acordo de Paris entrar em vigor – e alguns meses depois de o presidente Donald Trump ter anunciado que vai tirar o país do tratado –, começa nesta segunda-feira, 6, a 23.ª Conferência do Clima (COP) das Nações Unidas em Bonn (Alemanha), com o desafio de manter os espíritos em alta e fazer caminhar o manual que vai definir exatamente como esse esforço mundial de combate às mudanças climáticas vai funcionar.
Sob a presidência de Fiji, país-ilha que está na mira da elevação do nível do mar, esta conferência deve também ter um componente emocional forte para que os países comecem a se mover em direção a tornar mais ambiciosos seus compromissos de redução de gases de efeito estufa.
É a primeira vez que um país-ilha preside esse tipo de conferência e o primeiro ministro de Fiji, Frank Bainimarama, já fez um apelo. “O sofrimento humano causado pela intensificação de furacões, incêndios florestais, secas, inundações e ameaças à segurança alimentar causados pelas mudanças climáticas significa que não há tempo para desperdiçar”, disse em comunicado à imprensa.
O Acordo de Paris foi fechado, em 2015, com cada uma dos 196 países dizendo com quanto poderia contribuir para combater o problema. As chamadas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) trazem, portanto, metas diferentes para cada um. Mas o objetivo é que, juntas elas sejam capazes de limitar o aquecimento do planeta a bem menos de 2°C até o final do século, com tentativa de ficar em 1,5°C.
Mas desde 2015 já se sabe que esses compromissos são insuficientes para se atingir a meta, e o mundo ruma em direção aos 3°C de aquecimento. Relatório divulgado na semana passada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) alertou que mesmo se todos os compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris forem cumpridos, eles vão representar apenas um terço do que o mundo necessita fazer até 2030 – prazo colocado nas metas –, tornando “extremamente improvável” conter o aquecimento do planeta a menos de 2°C até o final do século.
Pelo acordo, porém, essas metas só devem ser revisadas em 2023, para valer a partir de 2030. Para tentar acelerar isso, Fiji promoveu ao longo deste ano um tipo de reunião comum no país, os chamados “diálogos talanoa”.
“A ideia deles é revisar o progressos até agora e criar um consenso, uma ideia comum entre todos os países sobre o que fazer para atender a meta. Fiji acha necessário uma conclusão de que os países devem revisar suas NDCs antes de 2020 para poder fechar a lacuna”, explica Mark Lutes, especialista em negociações internacionais do WWF Internacional.
Enigma americano
Esta conferência também começa com uma dúvida: como vão se comportar os Estados Unidos. Apesar de Trump ter anunciado em junho a intenção de retirar o país do acordo, na prática isso só pode ocorrer quatro anos depois da ratificação, ou seja, em outubro de 2020. E nesse meio tempo, negociadores americanos continuam participando das negociações.
Nas reuniões prévias à COP ao longo do ano, diplomatas de carreira continuaram trabalhando nas posições tradicionais do país. Como exemplificou um negociador brasileiro, eles não estavam agindo de modo a romper com tudo. Ainda assim permanece a dúvida se eles tentarão bloquear o progresso do acordo. Também fica uma suspeita sobre como outros países vão reagir se os EUA forem muito reativos.
Livro de regras
Considerada uma “conferência de meio de caminho”, a COP em Bonn tem de começar a rascunhar o “livro de regras” de como vai funcionar o Acordo de Paris. Pelo cronograma, esse manual de instruções têm de estar pronto no ano que vem, na COP da Polônia, mas em Bonn espera-se que já se tenha um rascunho no qual seja possível trabalhar no ano que vem.
Esse livro de regras têm de, por exemplo, definir como as NDCs podem ser comparadas – cada país tem um prazo. A do Brasil prevê redução de 37% das emissões até 2025 e de 43% até 2030, com base nos valores de 2005. Já os Estados Unidos falam em redução de 26% a 28% em 2025, com base em 2005. A União Europeia promete 40% até 2030.
“Não houve padronização de como seriam as NDCs, compatibilização dos prazos, isso dificulta a comparação”, comenta o negociador-chefe do Brasil, embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho.
Também é preciso definir como os países vão ampliar suas metas e como elas serão monitoradas e reportadas, e como será o Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (um novo mecanismo de mercado de carbono).
“O Brasil vem defendendo a necessidade de concluirmos Bonn com um texto que tenha apropriação dos países. Que seja um pouco mais manejável na sua estrutura e número de opções que lá estão para começarmos o ano que vem já em cima disso”, explica Marcondes.
#precisamosfalarsobreoclima
A partir desta segunda, o blog Ambiente-se vai publicar uma série de artigos para explicar a importância das conferências climáticas, por que elas são importantes e vale a pena prestar atenção nelas. Os artigos estão sendo elaborados por Caroline Prolo, advogada especialista em Direito Ambiental do Stocche Forbes, consultora do International Institute for Environment and Development (IIED) e presta assessoria legal ao grupo dos países menos desenvolvidos.
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