Dá para prever se uma árvore vai cair? Inteligência artificial analisa de raiz a tronco oco

Pesquisadores da USP e da Unifesp avaliam espécies por dentro e também por baixo da terra, buscando determinar quais fatores estão por trás de tantas quedas

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Foto do author Juliana Domingos de Lima
Por Juliana Domingos de Lima

Na tarde desta segunda-feira, 14, quarto dia após a tempestade que atingiu a cidade de São Paulo, 400 mil clientes ainda estão sem energia, segundo a Enel, concessionária responsável pela distribuição na capital. O apagão afetou bairros de quase todas as regiões e a Grande São Paulo, atingindo mais de 2,1 milhões de imóveis.

Queda de árvore na Rua Kaoro Oda, perto da Subprefeitura do Butantã e do metrô Vila Sônia, na zona oeste. Foto: Werther Santana/Estadão

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A cidade tem vivido uma série de eventos desse tipo no último ano - em março e setembro de 2024 e novembro de 2023, quando houve um blecaute de grandes proporções que durou dias -, normalmente associados a fortes chuvas e quedas de árvores, que danificam a fiação elétrica.

A capital teve pelo menos 386 ocorrências de quedas de árvores desde o temporal de sexta-feira, segundo divulgou a Prefeitura.

Cientistas vêm produzindo estudos sobre a situação das árvores de São Paulo há pelo menos uma década, buscando determinar quais fatores estão por trás da queda de em média duas mil árvores por ano na cidade, que tem um total de 650 mil delas nas ruas.

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Vários desses estudos são resultado da colaboração de um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da cidade para avaliar a saúde das árvores paulistanas e tentar reduzir os riscos de queda.

Tempestade derruba árvore sobre carros e obstrui a passagem na R. Catão no bairro da Lapa, zona oeste de São Paulo Foto: Werther Santana/Estadão

Para Marcos Buckeridge, biólogo e professor da USP que integra o grupo, tem havido uma lenta melhora no manejo arbóreo pela administração municipal nos últimos anos, com árvores sendo plantadas de maneira “mais bem pensada e sendo colocadas na posição certa”, mas que ainda é necessário maior financiamento e mais pessoal para executar os serviços e para mapear quais árvores colocam em risco a fiação da cidade e quais precisam de poda.

“Precisamos mapear as árvores que estão próximas a fios em São Paulo para saber qual é o grau de risco dessa árvore cair e interferir com o fornecimento de energia. Isso é possível de ser feito, o problema é dinheiro”, cobra Buckeridge. Os dados serão incorporados a um novo Plano Municipal de Arborização Urbana (PMAU).

Em relação à influência do clima, a análise demonstrou que, se as precipitações e rajadas de vento - principalmente acima de 80 km/h - realmente têm grande impacto sobre as quedas de árvore na cidade, também houve quedas de árvores em dois terços dos dias da estação seca em um período de três anos, em que houve queda de mais de 7 mil árvores.

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“Mesmo quando não tem eventos climáticos extremos, causas climáticas evidentes, pode acabar caindo alguma árvore. Isso é uma evidência de que a gente tem um problema na arborização de São Paulo”, diz o biólogo e professor da USP Giuliano Locosselli, um dos pesquisadores envolvidos nos estudos realizados em parceria com a Prefeitura.

IA, tomografia e scan

Com base em um conjunto de dados compilados pela Prefeitura de 2013 e 2021, a equipe de pesquisadores da USP e da Unifesp fez uso de inteligência artificial para interpretar os padrões de queda de árvores na cidade. O objetivo era identificar os locais mais críticos, onde caem mais árvores, para serem então priorizados pelas equipes da Prefeitura nos serviços de manutenção e poda.

Com auxílio da ferramenta de IA, foram avaliadas as condições de mais de 26 mil árvores que tombaram e de seu entorno, como a largura das calçadas, a altura das árvores dos prédios, além de quando o bairro onde foram plantadas se desenvolveu.

Uma das descobertas foi que as árvores da cidade caem com maior frequência dentro de “cânions urbanos”, áreas mais verticalizadas, em que prédios altos formam um grande paredão.

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Segundo Locosselli, esses “cânions” criam uma série de condições que favorecem a queda, como a canalização do vento, o que aumenta sua velocidade, e a concentração de poluição de restrição de luz que afetam o desenvolvimento das árvores, obrigando-as a ficar mais altas.

Pesquisadores da USP instalaram sensores para medir crescimento de árvores em SP. Foto: Giuliano Locosselli/Arquivo pessoal

Nas áreas mais verticalizadas, com edifícios de em média cinco andares ou mais altos, a proporção de árvores que caem chega ao dobro do observado em média na cidade.

A análise também constatou que, nesse período, bairros mais antigos concentraram a maior quantidade de queda de árvores, seja pelo envelhecimento e apodrecimento delas, que necessitariam ser substituídas, seja por terem acumulado ao longo do tempo mais intervenções no subsolo que prejudicam as raízes, como obras de infraestrutura. A região da Sé foi a que mais apresentou quedas de árvores, com 456 eventos somente entre 2016 e 2018.

Além da idade e do sufocamento pelos prédios, os estudos identificaram como causas mais comuns para árvores caírem em São Paulo calçadas e canteiros que geram constrição no desenvolvimento da base do tronco e das raízes, levando ao seu rompimento e podas drásticas que desequilibram o peso da copa e levam o tronco a se romper.

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Segundo Marcos Buckeridge, ele e outros biólogos estão desenvolvendo com pesquisadoras da Escola Politécnica da USP um software que escaneia a árvore para encontrar seu centro de gravidade, tecnologia que deve permitir podas que não aumentem o risco de queda.

Outras tecnologias também estão sendo empregadas em uma nova etapa da pesquisa das universidades paulistas em parceria com a SVMA iniciada neste ano, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Agora, os pesquisadores estão avaliando como estão cem árvores do Parque do Ibirapuera e entorno por dentro e também por baixo da terra, pela raiz.

A avaliação interna do tronco é feita por meio de uma tomografia, em que pequenos pregos são instalados ao redor da árvore, emitindo ondas de som captadas por sensores cuja velocidade de propagação indica a saúde da árvore por dentro, se há algum oco ou podridão.

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Para medir a saúde das raízes, um georadar propaga ondas no solo que permitem saber seu tamanho, distribuição e se estão bem desenvolvidas.

Solução é aumentar quantidade de árvores, não diminuir

A arborização e a ampliação de áreas verdes estão entre as principais medidas listadas por especialistas para diminuir os efeitos das mudanças climáticas sobre as cidades, como ondas de calor e inundações.

Segundo o biólogo Giuliano Locosselli, o aumento da incidência de eventos extremos, como chuvas fortes, não permite zerar a queda de árvores, mas é possível “minimizar significativamente, e isso vai ser muito importante para a população da cidade”, afirma.

Ele cita o exemplo de Cingapura, cidade em que chove muito mais do que em São Paulo e quase não há queda de árvores devido a um plano de manejo da arborização que determina a substituição das árvores quando atingem um tamanho que indica estar próxima ao fim do ciclo de vida, quando passa a representar riscos maiores do que os benefícios.

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“Substituir muitas árvores logo de início pode parecer ruim, mas a longo prazo o que acontece é que a cidade está sempre verde, com árvores pujantes, crescendo muito bem, produzindo muitos serviços (ambientais, como o sequestro de carbono), e com um risco baixíssimo de queda”, explica.

Ao contrário do que se pode pensar, o aumento da arborização pode diminuir o risco de queda, segundo explica Marcos Buckeridge, já que árvores isoladas ficam mais vulneráveis ao vento muito forte: “Uma árvore protege a outra. Sempre vai ter queda, mas quanto mais arborização a gente tiver, colocadas de maneira mais inteligente, mais estratégica, menor vai ser o problema”.

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