ENVIADA ESPECIAL A BAKU - É unânime o entendimento de que é preciso injetar mais dinheiro para a adaptação, mitigação e redução das emissões de gases do efeito estufa em meio à piora do aquecimento global. Na “COP das Finanças”, apelido informal da edição deste ano da Cúpula do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP-29, França, Quênia e Barbados estão à frente de discussões sobre possíveis novas fontes de renda para esse fim.
Dentre as alternativas discutidas por essa força-tarefa (chamada Global Solidarity Levies Task Force), lançada na COP do ano passado, estão novos impostos e outras tributações sobre criptomoedas, jatinhos, superiates, produção de plásticos e bilionários. A recente declaração do G-20 sobre a taxação de ultrar-ricos também é vista como sinalização para a obtenção de recursos de enfrentamento à emergência climática.
Outra possibilidade de “imposto do clima” que tem sido discutida é a taxação de lucros inesperados. No caso dos combustíveis fósseis, menciona-se estudo divulgado neste mês pela Universidade Técnica de Munique, o qual estimou que as 93 maiores empresas de petróleo e gás do mundo lucraram US$ 490 bilhões acima do que era projetado para 2022, no pós-pandemia.
Mais uma vez, esse setor tem forte presença na COP-29, com mais de 1,7 mil representantes, o que representaria a quarta maior delegação, se fosse um país. A situação chama a atenção também porque a conferência ocorre em Baku, no Azerbaijão, “berço” da indústria petroleira mundial. A conferência segue ao menos até sexta-feira, 22.
Nesta COP, a força-tarefa sobre taxação climática apresentou novo relatório em que consolida ideias anteriores e apresenta novas, em parte inspiradas em cobranças cogitadas e lançadas em outros países recentemente.
No caso das criptomoedas, como o bitcoin, uma das justificativas é de que a sua produção envolve altas demandas de energia elétrica, assim como uma taxa de US$ 0,045 por kWh poderia resultar em US$ 5,2 bilhões por ano.
O texto também se refere ao imposto defendido no G-20, de 2% sobre bilionários, com potencial de US$ 200 bilhões a US$ 250 bilhões por ano. Já no caso de plásticos, apresentou-se a ideia de US$ 60 a US$ 90 cobrados por tonelada primária produzida, o que geraria US$ 25 bilhões a US$ 35 bilhões anuais.
Uma proposta mais concreta é esperada para o início de 2025, mas os países da coalizão têm defendido que “impostos de solidariedade” sejam incluídos na nova meta de financiamento climático, de países ricos para em desenvolvimento, que é a principal missão da conferência. Ainda não se sabe quais nações poderiam adotar essa taxação.
Outras fontes em estudo incluem:
- passagens de avião (com uma modulação a depender da categoria);
- transporte marítimo;
- combustível de aviação;
- extração de combustíveis fósseis;
- negociações de ações e títulos.
‘Setores da economia subtributados, mas que poluem o planeta’
Os chefes de Estado que lideram a força-tarefa (Emmanuel Macron, presidente da França, Mia Amor Mottley, primeira-ministra de Barbados, e William Ruto, presidente do Quênia) chegaram a veicular um artigo pouco antes da COP, no qual fazem defesa dos “impostos de solidariedade”. No texto, mencionam desastres recentes, como as enchentes históricas no Rio Grande do Sul.
“Há setores da economia que são amplamente subtributados, mas poluem o planeta. Isso se aplica ao transporte marítimo, à aviação e, claro, à indústria de combustíveis fósseis, que desfruta de baixas taxas efetivas de impostos devido a subsídios governamentais (totalizando estimativa de US$ 7 trilhões em 2022, de acordo com o Fundo Monetário Internacional)”, diz trecho da publicação.
No texto, mencionam estimativas globais, como uma taxa de 0,1% sobre negociações de ações e títulos (com potencial de US$ 418 bilhões ao ano), extração de combustíveis fósseis (US$ 210 bilhões anuais) e outras.
Com novos adeptos anunciados na COP, a coalizão reúne Colômbia, Espanha, Senegal, Dinamarca, Fiji e mais integrantes, totalizando 17 (três como observadores). Outro nome forte à frente da iniciativa é o da economista francesa Laurence Tubiana, considerada a principal “arquiteta” do Acordo de Paris.
A defesa é de que esses recursos fossem destinados a países em desenvolvimento impactados pela crise climática. “Quando se trata de fontes adicionais de financiamento, especialistas frequentemente fazem alusão a ‘finanças inovadoras’. No caso de impostos globais de solidariedade, a única inovação necessária é uma liderança ambiciosa em uma base suficiente de países”, apontam.
O tema também é tratado na programação de pavilhões da COP, como no do Banco Mundial. Em painéis, a Colômbia tem defendido fortemente esse tipo de tributação, em manifestações da ministra do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Susana Muhamad.
O país é um dos mais enfáticos na edição deste ano em relação à necessidade de se colocar em prática o afastamento da exploração petroleira, como foi definido na COP anterior. Por lá, o imposto de carbono para combustíveis fósseis foi criado em 2016.
Impostos sobre carbono são uma discussão que se prolonga há anos, primeiramente no âmbito dos países, mas ganhou força extra mais recentemente, com o agravamento da crise climática.
Em alguns lugares, a discussão chegou a outros gases estufa, como na Dinamarca — que aprovou imposto para o metano emitido pela pecuária — e nos Estados Unidos, onde a taxa de emissões de metano em desenvolvimento é focada nas petroleiras.
Além disso, já ocorrem cobranças internacionais aduaneiras por emissão de carbono para exportações. O maior exemplo é o CBAM, na União Europeia, cobrado desde o ano passado. Essa taxa motivou críticas, por impactar especialmente países em desenvolvimento, que não participaram ativamente das discussões antes da implantação.
Um dos desafios é identificar possibilidades de tributação que não impactem em serviços essenciais e na população em geral, o que é uma barreira para maior taxação de petroleiras. Nesse aspecto, tributações ligadas a transporte de alto luxo são vistas como alternativas mais palatáveis. São, contudo, insuficientes para a obter os recursos necessários, que estão na casa dos trilhões de dólares anuais.
Uma comparação frequente é que parte desse segmento não tem as mesmas taxações que equivalentes de grupos média e baixa renda. Parte dos países não tem, por exemplo, a cobrança de um “IPVA” para superiates, a grosso modo. O mesmo vale para combustíveis de jatinhos e outros casos ligados a uma parcela bilionária da população mundial.
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“Poluidor pagador” é um termo frequentemente utilizado. Em carta veiculada dias antes da COP-29, o Greenpeace defendeu que não há falta de dinheiro, mas de ações governamentais para cobrar a indústria de combustíveis fósseis e outros grandes poluidores.
O Climate Action Network (CAN) também tem sido forte defensor de novas taxações sobre a exploração petroleira. O tema é visto em cartazes e faixas expostos por ambientalistas de diferentes locais em manifestações na COP.
Essas e outras entidades ambientalistas defendem um Climate Damages Tax (CDT), a ser inicialmente cobrado nos países mais ricos, do G-7. Fala-se em US$ 5 por tonelada de carbono gerado pela extração de combustíveis fósseis, com aumento gradual de mais US$ 5 a cada ano. Estima-se que geraria US$ 900 bilhões até 2030.
No caso de impostos sobre grandes poluidores, há aqueles que apontam dupla vantagem: o potencial de arrecadação e a possibilidade de desestimular atividades com alto impacto ambiental. Esse dinheiro poderia tanto ser revertido no país como redirecionado para um fundo, como o de perdas e danos, a nações em desenvolvimento que sofreram impactos irreversíveis por causa das mudanças climáticas.
Além de novas taxas, fala-se na importância de redução e extinção de subsídios a combustíveis fósseis. Relatório lançado na COP pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontou, por exemplo, estagnação da criação de tributações de precificação do carbono, assim como um movimento de mais subsídios a petróleo, gás e eletricidade desde 2022, em meio a uma crise energética. Por outro lado, indicou tendência de expansão e diversificação na taxação.
No Reino Unido, população apoia impostos climáticos para super-ricos
Recentemente, a Oxfam do Reino Unido calculou que impostos sobre transporte de luxo (jatinhos e superiates) poderiam arrecadar 2 bilhões de euros anuais no país. Esse conjunto de tributações envolveria o combustível de jatos, a propriedade de grandes iates e a operação de pousos e decolagens, dentre outras.
Segundo a organização, somente pelo uso de transporte de luxo, um bilionário polui 700 vezes mais do que uma pessoa de classe média. Além disso, pesquisa de opinião encomendada pela Oxfam à YouGov mensurou que 81% dos britânicos são favoráveis a esse tipo de taxação. Também identificou que 74% apoiam o aumento de impostos para empresas com grandes emissões de poluentes, enquanto 64% concordam com maior tributação dos mais ricos.
*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade
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