Considerada referência para o surfe, a Praia de Ponta Negra, em Natal, no Rio Grande do Norte, já não tem as grandes ondas que fazem toda a diferença para os praticantes do esporte. Desde que a orla de 4,6 quilômetros passou por um processo de alargamento, com a colocação de 1,3 milhão de m³ de areia, as ondas minguaram e os surfistas estão se deslocando para outras praias.
“Deu ruim para o surfe. As ondas agora são pequenas e quebram perto da areia”, afirma Sonia Sales, dona da Escola de Surf Morro do Careca.
Segundo a prefeitura de Natal, a intervenção, concluída em 24 de janeiro, foi necessária para conter a erosão causada pelo avanço do mar contra o calçadão da praia e o Morro do Careca, cartão-postal. Afirma ainda monitorar a obra e diz ser necessário um tempo para o reequilíbrio ambiental.

Em outubro, a prefeitura havia decretado emergência no Morro do Careca por risco de colapso motivado avanço do mar.
A alta do nível oceânico e a erosão costeira são efeitos das mudanças climáticas. Em todo o País, cidades como Florianópolis e Balneário Camboriú (SC), Recife e Caraguatatuba (SP) apostam em engordas de praia, parques lineares e até muros para minimizar o problema.
Sonia conta que agora as ondas chegam à praia mais fracas. “Foi colocada muita areia e diminuiu o espaço para as ondas de surfe. Nos últimos dias, tivemos um swell (sequência de ondas lisas) e deu uma melhorada, mas a mudança é grande. Temos esperança de que melhore no futuro, pois dependemos de Ponta Negra com ondas para as aulas."
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Surfista há mais de 40 anos e professor do esporte, o marido de Sonia, Jorge Henrique dos Prazeres, conta que Ponta Negra põe atletas no topo de competições internacionais.
Segundo Pele, também árbitro da Confederação Brasileira de Surfe, as ondas estão quebrando forte na beira de arrebentação. A falta de ondas boas fez com que muitos surfistas fossem para outras praias, como a de Miami, ali mesmo em Natal.
“Não desisti. Tenho a escolinha, o projeto social, um filho de cinco anos que já surfa bem”, diz. “Tenho esperança de que vai ficar ainda melhor do que era.”
Conforme o professor Marcelo Chaves, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que integra o Programa de Monitoramento da Hidrodinâmica Costeira no Estado, o engordamento deixou a dinâmica da praia mais instável.
Com a implementação do aterro hidráulico, a faixa de areia se aproximou do local onde as ondas se formavam e quebravam, diminuindo a zona de surfe. Segundo ele, toda praia que passa por uma engorda desse porte, muda seu perfil até chegar a um equilíbrio, o que pode levar de dois a três anos.
Nas redes sociais, também há queixas de que a praia ficou com a areia mais escura e com restos de corais, que vieram junto com o material usado para o aterro. “As ondas estão mais pesadas para banhistas, quebrando na beira, e ainda tem muita pedra, restos de corais e conchas. Não está bonita como era”, acrescenta Sonia.
MPF cobra fiscalização

Também houve alagamentos na praia e no calçadão causados pelas chuvas, o que levou o Ministério Público Federal (MPF-RN) a requerer vistoria para averiguar possíveis intercorrências nas obras de drenagem. A requisição da vistoria foi feita em ação civil pública em que o MPF pede que o Ibama, órgão ambiental federal, fiscalize a engorda.
No último dia 8, a praia voltou a sofrer alagamentos por causa dos temporais de verão. Na semana passada, a água chegou a abrir uma vala na faixa de areia, próximo ao Morro do Careca. A erosão foi fechada por uma equipe da Secretaria de Serviços Urbanos, com auxílio de uma retroescavadeira.
Segundo a pasta, a erosão foi causada por ação humana, já que algumas pessoas cavaram a areia para facilitar o escoamento da água pluvial.
A prefeitura afirma ainda que os alagamentos mais recentes foram causados pelas chuvas intensas. Só no dia 6, Ponta Negra recebeu 112 milímetros em 24 horas, superior à média histórica de fevereiro, de 111 mm.

A prefeitura defende que o aterro hidráulico, conhecido como engorda, garante a preservação do Morro do Careca, que vinha sofrendo erosão, e melhora as condições de trabalho das pessoas que dependem da praia para geração de renda - como ambulantes.
Ainda segundo a gestão, a areia retirada da jazida para compor o aterro tem cor mais escura devido à falta de incidência da luz solar e por ainda conter dejetos marinhos. Com o passar do tempo, a areia vai ficar mais clara.
Ondas voltarão, diz prefeitura
Ainda conforme a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo, o aumento da faixa de areia - para até 100 metros na maré baixa e 50 metros na maré alta - demanda um período de acomodação. Segundo a pasta, os rodolitos (pedrinhas de calcário) que surgiram na areia são um material natural depositado no fundo do oceano e serão retirados a partir deste mês com o uso de equipamentos filtrantes.
Já as ondas, como foi colocado um talude no aterro hidráulico com cerca de 3,5 m de altura próximo à água, a previsão é de que ele seja suavizado nos próximos três ou quatro meses, devolvendo as condições propícias para o surfe.
Após a fase acomodação da areia, é prevista uma reurbanização de toda a área.
Sobre a ação movida pelo MPF, o Ibama informou que já se manifestou no processo, demonstrando a legalidade do acordo de cooperação técnica com o Idema, pelo qual foi delegado ao instituto ambiental a competência licenciatória das obras na praia.
Em nota, o Idema diz que a fiscalização da engorda, no estágio em que se encontra, deve ser feita pelo Ibama, pois a obra contou com remoção de jazida não licenciada.
“É imprescindível que o órgão ambiental fiscalizador da União se pronuncie quando a isso. Até porque, além das questões ambientais envolvidas, os recursos empregados na obra são integralmente federais”, continua. O Estadão voltou a procurar o Ibama sobre o assunto, mas ainda não obteve resposta.