Dona Maria Helena cuida de mais de 40 mil abelhas sem ferrão no quintal de casa

Insetos de diferentes espécies, todos nativos do Brasil, vivem em cerca de 30 caixas de madeira; aposentada ensina como criar e fala sobre os benefícios que trazem para a polinização das plantas

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Por João Prata

Dona Maria Helena Priseajniuc, de 86 anos, cuida de mais de 40 mil abelhas sem ferrão no quintal de casa. Mas quem visitá-la nem vai notar direito que a população na área externa de sua residência supera a de muitos municípios brasileiros. A maioria dos insetos fica dentro das pouco mais de 30 caixas de madeira, que estão distribuídas em prateleiras, como produtos de um supermercado. Há diversas espécies: Jataí, Mandaçaia, Mandaguari, Arapuá, todas nativas brasileiras, que não representam perigo para as pessoas e são fundamentais na polinização das plantas. A criação já se expandiu para o terreno do vizinho e também tem sido alocada em praças e árvores da região da Mooca, na zona leste de São Paulo, onde ela mora. 

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O filho Danilo, envolvido com ações ambientais em São Paulo, foi quem deu o empurrãozinho inicial. Há cinco anos, Dona Maria Helena se lamentava da vida de aposentada, tinha um problema na bacia, dificuldade para se locomover e quase não saía de casa. Danilo deu a ela uma enxame de Jataí. A caixa foi batizada de felicidade.

Dona Maria Helena trata as abelhas como se fossem netas. As dores no corpo e o cansaço ficaram para trás. Ela passou a ocupar seu tempo entre a teoria e a prática dos cuidados com "suas pequenininhas", como gosta de chamar. Além de dar bom dia, boa tarde e boa noite, vai para o fogão cozinhar. Prepara um xarope como reforço alimentar, pois a região carece de vegetação e mima todas elas com bombons de pólen com mel. "Elas adoram, precisa ver só. Comem tudinho." 

Dona Maria Helena exibe sua criação de abelhas sem ferrão no quintal de casa. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

As abelhas ajudaram também na transformação da casa. Dona Maria Helena deu mais atenção para as plantas que já cultivava. Descobriu que as abelhas gostam da flor do manjericão. Foi lá e plantou um vaso cheio do tempero. "Plantei também Assa Peixe. Dá uma florzinha fedida, mas elas gostam. Aí eu planto, né?" 

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A vizinhança incentiva a criação. Teve só um dia que uma mulher passou em frente à casa e sugeriu que Dona Maria Helena comprasse veneno para acabar com aqueles mosquitinhos. De fato, a Jataí, uma espécie bem pequena e que constrói um cano de cera na entrada de sua colmeia, parece um mosquito para quem é leigo no assunto. 

Mas Dona Maria Helena ensina as diferenças. Ela também fica de olho para apartar eventuais brigas entre diferentes colmeias. Quando há algum tipo de confusão, o quintal da casa fica com uma névoa preta. E lá vai Dona Maria Helena borrifar água. "Jogo uma chuvinha nelas e pronto. Não é sempre que acontece. É bem raro. Mas você precisa ver. As menorzinhas são as piores. Arrancam a cabeça das grandes."

Jataí, espécie de abelha sem ferrão nativa do Brasil. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

O sucesso na criação e o aumento das colônias faz de Dona Maria Helena quase que uma celebridade no bairro onde mora. Já está acostumada até a dar palestras para as amigas sobre os cuidados necessários com as abelhas e a importância na polinização. "No começo, elas me perguntavam: 'todas produzem mel? Me dá um pouco?'. E eu sempre falo que não tiro nada. Dou só um pouquinho para elas experimentarem. Para que vão tirar o mel das coitadinhas? Crio para a polinização."

De acordo com dados da FAO, braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para a alimentação e a agricultura, 75% do que comemos depende da polinização. A ausência de abelhas e outros insetos que fazem esse trabalho acabaria, por exemplo, com as culturas de café, maçãs, melancia, melão, morango, abóbora, amêndoas, tomates e cacau.

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O chefe

As perguntas mais difíceis sobre abelhas, Dona Maria Helena pede que direcione para o administrador de empresas Gerson Pinheiro. Ela o chama de chefe. Assim como ela, ele descobriu o mundo das abelhas sem ferrão por acaso. Há quase dez anos, uma de suas seis filhas teve uma aula na escola sobre o inseto e pediu ao pai para ter uma caixa em casa. De cara, ele achou estranho. Mas resolveu pesquisar. 

Conseguiu uma colmeia para a filha cuidar e não parou mais de estudar o assunto. Participou de cursos, palestras, começou a visitar criadores e teve a iniciativa de criar o coletivo SOS Abelhas Sem Ferrão. O grupo oferece oficinas sobre a importância das abelhas para o meio ambiente e ensina a cuidar dos insetos. Ele diz não lucrar com a iniciativa e reinveste tudo o que ganha na compra de caixas de abelha e na manutenção do que já tem espalhado por São Paulo e outros Estados do Brasil. A fã page do Facebook tem mais de 57 mil seguidores.

Gerson Pinheiro criou o coletivo SOS Abelhas Sem Ferrão. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

"O projeto sempre foi dedicado à educação ambiental, usando a abelha sem ferrão como instrumento principal. Para falar das abelhas é preciso falar da importância de proteção de água, porque a mata ciliar, polinizada pelas abelhas, protegem as nascentes. Aí emendamos na proteção alimentar, agrotóxico, compostagem, arborização urbana, plantio em cidade..."

As abelhas sem ferrão ocorrem em toda faixa neotropical do planeta. De acordo com Gerson, há 404 espécies catalogadas. Aproximadamente, 300 ocorrem naturalmente no Brasil. Ou seja, de cada quatro espécies que existem no mundo, três estão no País. "É incrível ter por aqui tamanha variedade e as pessoas não conhecem um bicho tão importante. Quando se ouve falar de abelha, lembram só daquela preta e amarela, que na verdade é uma espécie exótica, de uma mistura de abelha africana com europeia."

A parte interna de uma caixa de abelhas sem ferrão: no centro, os discos com ovos, nas extremidades pólen e mel. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Gerson explica que para ter uma caixa de abelha são necessários conhecimentos básicos sobre o animal, especialmente se for em regiões pouco arborizadas. Quem tem caixas em grandes cidades como São Paulo, por exemplo, precisa complementar a alimentação do inseto com aquele xarope que Dona Maria Helena produz, a base de água e açúcar, e também com os bombons. Na visão dele, o objetivo central para criação deve ser sempre a polinização e não a produção de mel.

"Pode tirar mel de vez em quando, claro. Por exemplo, você está na primavera, o enxame está cheio de mel. Quando você tira, devolve o espaço vazio, elas vão lá fora para repor o que você retirou. E nesse processo continuam polinizando. Mas se você tira no inverno, que não tem flor... O mel para ela é o alimento energético. Se no inverno, quando ela mais precisa de energia para se manter aquecida não tem o alimento, elas morrem de frio e fome. Tem que entender os ciclos naturais." 

De acordo com o Sistema de Defesa Animal e Vegetal (Gedave), estão cadastrados no Estado de São Paulo 161 meliponários com 4.240 colmeias. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento estima que este número seja bem maior e tem orientado os criadores para se cadastrarem junto à Defesa Agropecuária para que seja possível estimar o real tamanho da melicultura no Estado de São Paulo.

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Mandaçaia, espécie de abelha sem ferrão nativa do Brasil. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

A resolução vigente sobre criação de abelhas sem ferrão do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) permite que qualquer pessoa tenha até 49 caixas de abelha em casa sem precisar fazer qualquer cadastro. Associações e entidades ligadas ao assunto debatem atualmente uma nova resolução, de fevereiro, da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo (Sima) que deve entrar em vigor em setembro. Nela, toda pessoa que quiser ter uma caixa de abelha precisará se cadastrar. Dona Maria Helena está de olho nessas mudanças e só pede que os órgãos não burocratizem muito. "Imagina a cada mês ter que fazer relatório das minhas abelhas, colocar em planilha espécie por espécie, caixa por caixa?"

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