SÃO PAULO - Desde que a crise das queimadas na Amazônia ganhou a atenção internacional, uma série de declarações feitas por parte do governo Jair Bolsonaro ou de seus apoiadores tem buscado minimizar o problema, apontando que houve números mais altos de queimadas em outros momentos. Entenda.
Preste atenção nas datas
Uma tabela foi apresentada pela deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) com o número de focos de queimadas no Brasil inteiro entre 2001 e 2019 – compilados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inpe) –, na qual ela coloca os dados da gestão Bolsonaro em último lugar no ranking. Na tabela, ela apresenta o ano, a quantidade de focos, a média/mês e a posição de cada ano no ranking.
A tabela, porém, compara dados de anos inteiros com os primeiros oito meses (incompletos) da gestão Bolsonaro. Para apresentar a média mensal, todos os dados foram divididos por 12, mas isso não pode ser feito para 2019, já que ainda faltam quatro meses para o ano acabar. Com essa conta, o número fica muito menor do que a realidade. A tabela ainda dava números compilados até por volta de 20 de agosto – 76.350 focos. Ao final de agosto, de acordo com o Inpe, o ano já somava em 90.505 focos.
Compare os períodos corretos
Desse modo, a média de focos de incêndio para todo o País neste ano foi de 11.312 focos (90.505 dividido por 8). Não de 6.363, como apontou a deputada. Assim 2019 sobe para a 17ª posição. Olhando para os dados dos últimos anos entre 1º de janeiro e 31 de agosto, vemos que o Brasil como um todo está com o maior número de focos desde 2010, que foi um ano de seca severa e teve até o fim de agosto 137.701 focos em todo o País.
Não confunda Amazônia com Brasil
Comparar os focos de incêndio para todo o Brasil também tira o foco do real problema neste ano, que são as queimadas na Amazônia. De todos os incêndios registrados até agora (1º de setembro), 52% são no bioma. Então é preciso olhar para os dados do bioma especificamente.
E o que eles mostram? Vejamos o mês de agosto: o número de focos de incêndio na Amazônia foi quase o triplo do registrado no ano passado. Foram 30.901 focos de incêndio até sábado, 31, ante 10.421 em agosto do ano passado – alta de 196%. O total de focos também supera a média histórica para o mês, de 25.853, para o período entre 1998 e 2018. É ainda o mais alto desde agosto de 2010 – ano de seca histórica severa, que teve 45.018 focos.
Por que agosto é importante?
Porque é o início da temporada seca. Em geral, é a partir de julho que a região começa a queimar, a partir de ações que vão desde limpeza de pasto até a queima de floresta que foi derrubada, como parece ser o caso neste ano. Como a vegetação está mais seca, o fogo tende a se espalhar. Mas neste ano a umidade não está tão baixa a ponto de explicar a elevação das queimadas. A justificativa parece ser a alta do desmatamento.
Houve períodos com mais queima na Amazônia antes?
Sim. Na série histórica do Inpe, que considera queimadas entre 1998 e 2018, os anos de 2004 e 2005 chamam especial atenção, porque foram anos com altas taxas de desmatamento na Amazônia. Por causa disso, esses dois anos foram os que tiveram mais focos ao longo dos 12 meses, considerando somente a região. Agosto de 2005 foi o recorde para o mês, com63.764 focos. Ainda comparando somente o mês de agosto, o segundo colocado foi 2007, com 46.385 focos.
Até então, o desmatamento estava praticamente sem controle no País. Foi em 2008 que entrou em vigor o principal programa de combate ao desmatamento da Amazônia (PPCDAm), que diminuiu as taxas de desmatamento. Comparar os dois períodos só olhando os números de queimadas deixa de levar em conta que o cenário começou a mudar a partir de 2008. O terceiro colocado em queimadas no mês de agosto foi 2010, ano de seca intensa. Desde então, a taxa para o mês não era tão alta. O dado deste ano chama a atenção justamente por isso: porque indica uma retomada da alta do desmatamento.
Além do Inpe, outros sistemas de monitoramento também observam alta nas queimadas na Amazônia?
Sim, a Nasa observou que neste ano o número de focos de calor é o mais alto desde 2010, assim como a Agência Espacial Europeia divulgou nota apontando que há quase quatro vezes mais fogo neste ano que no ano passado.
Mas os incêndios da África não são mais graves que os da Amazônia?
A savana africana de fato tem mais focos de incêndio que a Amazônia, mas lá eles ocorrem em área de agricultura e de savana, tipo de vegetação mais resistente ao fogo, como ocorre com o nosso Cerrado. A floresta tropical úmida é muito mais sensível aos incêndios e demora muito mais para se recuperar.
Houve aumento do desmatamento no Brasil?
O número oficial usado pelo governo para divulgar os dados de desmatamento anual da Amazônia – do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) ainda não foi divulgado (isso deve ocorrer até novembro), mas números obtidos com uma resolução um pouco menor indicam que sim. O sistema Deter, também do Inpe, que faz detecções rápidas com satélite para orientar a fiscalização em campo, observou um aumento de 49,62% no corte da floresta entre 1.º de agosto do ano passado e 31 de julho deste ano (período histórico de análise), em comparação com os 12 meses anteriores. Os alertas do Deter observaram a perda de 6,841 km² neste período, ante 4.572 km² no período anterior. Apesar de ter uma resolução menor, nos últimos anos a tendência vista pelo Deter é confirmada posteriormente pelo Prodes.
Outros sistemas confirmam isso?
Outros sistemas de monitoramento independentes confirmaram a tendência de alta. O SAD, da ONG Imazon, indicou para esse período alta de 15%.Instituições estrangeiras, como a Nasa e a Universidade de Maryland, que também monitora florestas em todo o mundo, também constataram alta no desmatamento da Amazônia nos últimos 12 meses. Já o governo Bolsonaro admitiu que houve um aumento no corte da floresta, mas ressaltou que isso vem ocorrendo desde 2012. A gestão disse que talvez a perda não seja tão alta quanto mostrou o Deter e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a destacar alguns erros do sistema (que tem acurácia em torno de 90%).
Houve desmatamentos maiores no passado?
Sim. Os anos de 1995 e 2004 tiveram as maiores taxas de perda da floresta – 29.059 km² e 27.772 km², respectivamente, de acordo com o Prodes, do Inpe, que calcula a perda anual da floresta (entre agosto de um ano a julho do ano seguinte) desde 1989. Em 2012, observou-se o menor nível histórico – 4.571 km².
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.