Setores da sociedade brasileira preocupados com o combate ao aquecimento global enxergam em um mercado de carbono bem estruturado uma ferramenta potente para fazer com que o Brasil avance rumo à chamada economia de baixo carbono. Em termos gerais, quando se fala em compra e venda de créditos de carbono, existem dois trilhos a serem considerados. Existe o mercado voluntário (que pode ser entre empresas, por exemplo, localizada até em países diferentes) e o mercado regulado. Onde o governo federal, por exemplo, pode organizar de forma oficial todo o sistema.
O governo federal publicou em maio o decreto 11.075, que tenta regular o mercado de carbono nacional. E, desde o ano passado, existe no Congresso Nacional o PL 528, que também tem como objetivo regular a compra e a venda de créditos de carbono no País.
"Um mercado de carbono é um jogo de soma zero. Um lado emite e o outro reduz, evita ou remove (carbono da atmosfera)", explica Shigueo Watanabe Jr, pesquisador do Climainfo.
Para ser um instrumento eficaz de enfrentamento às mudanças climáticas, explica o físico, é preciso que a ferramenta de mercado tenha um objetivo geral atrelado às metas nacionais apresentadas à ONU no âmbito do Acordo de Paris.
Qual fração do compromisso nacional de redução das emissões de gases de efeito estufa será atingida pelo mercado de carbono? Segundo Watanabe Jr, essa é uma resposta central. Porque, depois da definição desse número, a regulamentação oficial do mercado de carbono poderá fatiar essa cifra entre os vários setores produtivos.
No caso chinês, que criou em fevereiro de 2021 aquele que é o maior mercado de carbono do mundo, o foco de redução está nas 2,2 mil maiores usinas térmicas a carvão e gás do país. As companhias receberam permissões gratuitas de emissões com base em seus históricos, na produção de energia e no uso intensivo de carbono.
Quem cortar emissões de forma rápida poderá vender as permissões com lucro e, claro, quem lançar mais carbono na atmosfera terá que comprar novas permissões para emitir mais carbono ou pagar uma multa. O decreto brasileiro, por exemplo, não definiu nem setores, nem metas claras de redução de emissões para cada um deles.
Uma das mudanças feitas no Congresso na tramitação do PL 528, por exemplo, impediu que certos sistemas pudessem ser criados de forma criativa para ajudar na redução de emissões, afirma o economista Ronaldo Seroa da Motta, pesquisador da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e um dos maiores especialistas em economia de carbono no Brasil.
"O RenovaBio, feito para o setor de biocombustíveis poderia ser replicado para outros setores", afirma o economista que também participou da redação do PL em tramitação.
Criado em 2016 pelo Ministério de Minas e Energia, o RenovaBio visa incrementar a produção de biocombustíveis no país e, por tabela, ajudar na redução das emissões de gases de efeito estufa protagonizados pelo uso de combustíveis fósseis. O governo definiu metas nacionais de emissão para o setor de combustíveis até 2029.
O RenovaBio, entretanto, permite a compra de Créditos de Descarbonização (CBIO) comercializados em um mercado próprio. Esses créditos representam justamente as emissões de carbono evitadas a partir da utilização de produtos menos poluentes, por empresas produtoras de biocombustíveis. As distribuidoras, ao comprar os CBIOs, podem compensar as emissões de gás carbônico dos combustíveis que vende.
Este ano, a meta do governo é aposentar do mercado quase 36 milhões de certificados (o que ocorre quando a redução da emissão é atingida). Até abril, haviam sido retirados de circulação 9,2 milhões, um número considerado positivo pelos analistas.
Em termos gerais, explica Seroa da Motta, além de não poder fechar a porta para saídas inteligentes, uma legislação sobre o mercado de carbono também precisa privilegiar a transparência, a governança e principalmente uma contabilidade precisa das compras e vendas de créditos de carbono.
"Algo que não pode existir, por exemplo, é a chamada dupla contagem", afirma o especialista fazendo referência a projetos que, de forma errada, contabilizam a redução do carbono que deixou de ser emitido duas vezes.
Uma precificação do carbono, segundo Watanabe Jr, só faz sentido dentro de um contexto maior, de um plano de voo eficiente, como cobra Seroa da Motta. "Se as indústrias perceberem que o preço do carbono está baixo, e que faz mais sentido comprarem permissões do que investir em tecnologias mais limpas, não vai mudar nada", afirma o pesquisador do Climainfo.
Na Europa, explica o cientista, os preços do carbono começaram a subir bastante de uns três anos para cá. “E agora ouve-se cada vez mais falar em aço verde, em cimento verde e em hidrogênio”, afirma.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.