Equipe por trás de filme 'Não Olhe Para Cima' também cobra ação contra crise climática

Depois que o filme estreou em dezembro, climatologistas foram às mídias sociais e escreveram artigos de opinião, dizendo que finalmente se sentiram representados

PUBLICIDADE

Por Cara Buckley
Atualização:

'Não Olhe Para Cima' é uma raridade de Hollywood em várias frentes. É um grande filme sobre mudanças climáticas. Acumulou um número recorde de horas vistas em uma única semana, de acordo com a Netflix. Desencadeou uma enxurrada de polêmicas e - ao que parece, pela primeira vez na história - gerou uma certa distorção: críticos que não gostaram do filme e cientistas que gostaram.

PUBLICIDADE

O que resta saber é se o filme cumpre um dos principais objetivos de seu diretor, Adam McKay: nas suas palavras, ele queria que o filme fosse “um chute nas partes” que impulsionasse ações urgentes sobre as mudanças climáticas.

“Não tenho ilusões, não acho que um filme possa resolver a crise climática”, escreveu McKay, cujos filmes anteriores incluem ‘The Big Short - A Grande Aposta’ e ‘Vice’, em um e-mail ao Times. “Mas se o longa inspirar conversas, pensamento crítico e deixar as pessoas menos tolerantes com a inação de seus líderes, então eu diria que alcançamos nosso objetivo”.

Em 'Não Olhe Para Cima', um cometa destruidor de planetas que se aproxima da Terra é uma metáfora para a crise climática, com Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence interpretando cientistas atormentados que tentam fazer com que os políticos tomem alguma decisão e com que a população acredite na ciência.

Publicidade

Cena de "Don't Look Up", estrelado por Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence Foto: Niko Tavernise/Netflix

Depois que o filme estreou em dezembro, climatologistas foram às mídias sociais e escreveram artigos de opinião, dizendo que finalmente se sentiram representados. Neil deGrasse Tyson twittou que o longa parecia um documentário. Vários admiradores compararam o filme a Modesta Proposta, o ensaio satírico escrito por Jonathan Swift no século 18.

Os críticos, no entanto, disseram que a alegoria do cometa ficou sem sentido para as pessoas que a entenderam literalmente e questionaram por que McKay não tinha sido mais direto sobre o aquecimento global. Escrevendo na New Yorker, Richard Brody disse que se os cientistas não estavam gostando do que os críticos de cinema tinham a dizer sobre a ciência, “os cientistas deveriam parar de se intrometer na arte”.

De qualquer forma, em um momento em que os líderes não estão tomando as medidas necessárias para enfrentar a emergência do planeta, e o volume e a ferocidade dos chamados desastres “naturais” atingem picos cada vez mais graves, há pouca dúvida de que o filme pisou em um calo bem dolorido. De acordo com a Netflix, que relata seus próprios números e foi o estúdio e a distribuidora por trás do filme, 'Não Olhe Para Cima' é um de seus filmes mais populares de todos os tempos, acumulando 152 milhões de horas assistidas em uma semana.

“O objetivo do filme era aumentar a conscientização sobre a terrível urgência da crise climática e, nisso, teve um sucesso espetacular”, disse Genevieve Guenther, fundadora e diretora da End Climate Silence, uma organização que promove a cobertura da mídia sobre as mudanças climáticas.

Publicidade

“Você só pode ter filmes que inspiram as pessoas a agir se houver uma aceitação cultural das mudanças climáticas”, acrescentou ela, “que é o que este filme ajudará a produzir”.

Hollywood tem um histórico hesitante quando se trata de retratar as mudanças climáticas em longas-metragens. Alguns filmes trazem vilões ecoterroristas - veja Thanos em ‘Vingadores: Guerra Infinita’ e ‘Godzilla: Rei dos Monstros’. Ou apresentam o colapso ecológico como algo inevitável - caso de ‘Interstellar’, ‘Expresso do Amanhã’ e os filmes Mad Max. É raro um filme que imagine um mundo onde os humanos trabalham juntos e com sucesso para aliviar o pior da crise, salvar a biodiversidade e se livrar dos combustíveis fósseis.

Embora 'Não Olhe Para Cima' não traga um final feliz, McKay enfatizou repetidas vezes que quer que as pessoas trabalhem para chegar a um final desse tipo. A Netflix e alguns cientistas climáticos fizeram uma parceria com uma plataforma online que lista maneiras pelas quais as pessoas podem agir. Uma das estrelas do filme, Jonah Hill, apareceu no The Tonight Show e encorajou os espectadores a pedirem que seus representantes no Congresso aprovem o HR 794, a Lei de Emergência Climática. E DiCaprio pediu que seus 19,4 milhões de seguidores no Twitter se envolvam na causa.

“Nós temos a ciência”, disse McKay no The Daily Poster, um site administrado por David Sirota, jornalista que também é um dos roteiristas do filme. “Nós podemos resolver esse problema. Temos energia renovável. Podemos investir na remoção de carbono. Há muitas coisas que podemos fazer se tivermos ação, vontade e consciência”.

Publicidade

PUBLICIDADE

No passado, Hollywood já desempenhou outros papéis na definição de grandes questões. O satírico ‘Dr. Fantástico ou Como Aprendi a Parar de Me Preocupar e Amar a Bomba’ - que na época também foi rejeitado por alguns críticos - e ‘A Síndrome da China’ moldaram atitudes sobre guerra e energia nuclear. Depois de assistir ao filme de televisão ‘O dia seguinte’ (1983), que imaginava as consequências de uma batalha atômica da Guerra Fria, o presidente Ronald Reagan escreveu em seu diário que o filme o deixara “muito deprimido” e endureceu sua determinação “de nunca ver uma guerra nuclear”. Em 2012, enquanto discutia seu apoio à igualdade no casamento, o então vice-presidente Joe Biden disse que a série de televisão ‘Will & Grace’ era uma forma de informar a população sobre o tema.

No entanto, Michael Svoboda, professor de escrita criativa da Universidade George Washington e colaborador da revista digital Yale Climate Connections, disse que, embora McKay esteja claramente engajado nas mudanças climáticas, ele duvida que o filme transmita uma mensagem útil que produza resultados.

“Ele está pedindo que as pessoas se envolvam mais politicamente? Está tentando furar a bolha? Acho que não”, disse Svoboda. “Acho que o filme cria uma espécie de fatalismo, até mesmo um niilismo, porque as pessoas acabam aceitando a inevitabilidade depois de uma luta boa, mas não particularmente bem coordenada”.

Ainda que 'Não Olhe Para Cima' tenha como alvo tanto as elites liberais quanto os membros da direita, Svoboda observou que o final do filme é claramente uma sátira ao populismo trumpista. “É improvável que o filme toque qualquer pessoa que seja cética em relação às mudanças climáticas”, disse ele.

Publicidade

De um jeito ou de outro, as reações apaixonadas ao filme sugerem uma sede por mais conteúdo climático, disse Ayana Elizabeth Johnson, bióloga marinha e cofundadora do think tank Urban Oceans Lab. Mais conteúdo desse tipo poderia tirar um pouco da pressão para uma única obra ser tudo para todas as pessoas.

“Eu não diria que o filme é perfeito, mas deixou evidente que precisamos de muito mais coisas desse tipo”, disse Johnson.

“Algumas pessoas se sentem inspiradas pelas projeções científicas mais terríveis”, continuou ela. “Algumas se sentem inspiradas por soluções. E algumas outras se sentem inspiradas por um filme que aponta para o absurdo do fato de estarmos arruinando o único planeta onde os humanos podem viver”.

Johnson acrescentou que espera que a popularidade de 'Não Olhe para cima' convença Hollywood a fazer mais filmes focados no clima. “Se você não gosta, faça melhor”, disse ela. “Eu com certeza vou assistir”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Publicidade

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.