Sem preocupação com a questão fiscal e o meio ambiente, nada será relevante, diz Maia

Presidente da Câmara participou nesta quinta-feira de seminário promovido pelo 'Estadão' sobre Retomada Verde

A retomada da economia brasileira tem de ocorrer a partir de um grande pacto pela economia verde, e não nas mesmas bases de antes da pandemia do coronavírus, sob o risco de o País ficar de fora de grandes mercados globais. É preciso ter mais inclusão social e uma economia circular, voltada à inovação com critérios ambientalmente corretos.

Essa foi uma das conclusões do debate promovido nesta quinta-feira, 3, pelo Estadão, com o tema Como fazer o Brasil passar de um vilão internacional a uma potência sustentável e participações de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Nobre, cientista e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, e Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). A moderação foi de Fernando Gabeira, articulista do Estadão.

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O painel faz parte de um seminário sobre Retomada Verde, que vai até sexta-feira, 4. Autoridades, especialistas e representantes de diferentes setores da sociedade discutirão assuntos relacionados ao movimento global que surgiu durante a pandemia da covid-19 e propõe reconstruir a economia dos países de maneira mais sustentável (veja como se inscrever no seminário em https://bit.ly/2YPvH4c). 

Maia afirmou que uma das tarefas é recuperar a imagem do Brasil, que há muitos anos vinha sendo construída na linha da preocupação com a preservação e valorização do nosso meio ambiente, mas, “infelizmente”, o presidente Jair Bolsonaro ganha a eleição com outro discurso. Ele citou que, ao longo de 2019, o Ministério do Meio Ambiente desmontou tudo o que foi construído desde a década de 90.

“Isso certamente teve um impacto muito grande na nossa imagem no mundo e, mais que isso, teve impactos nas decisões de investimentos no País”, disse, ao ressaltar a perda de confiança por parte dos investidores e capital estrangeiro indo embora. “E nós, sem dúvida, precisamos sim atrair capital externo.”

Marina Grossi, Fernando Gabeira, Carlos Nobre e Rodrigo Maia em live nesta quinta-feira. Foto: Estadão

Segundo ele, a Câmara vem tentando atuar com projetos conjuntos para os setores do meio ambiente, agronegócio e área financeira, a fim de ampliar esse debate e promover a melhoria da imagem do País, sobretudo junto aos investidores.

"Do ponto de vista da Câmara, estamos tentando construir consensos para mostrar a importância da preservação do meio ambiente para que o País recupere a capacidade de atração de investimentos num ambiente seguro, com duas âncoras importantes: a fiscal e a ambiental", disse. "Sem essas duas âncoras, nada será relevante", emendou, destacando que isso tem de ser preocupação permanente.

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O presidente da Câmara lembrou que as recentes pressões externa e interna pelo fim do desmatamento da Amazônia levaram parte da sociedade a trabalhar com outra ordem relacionada à preservação ambiental. E ressaltou que há vários projetos em discussão na Câmara, como o da punição ao desmatamento ilegal e como avançar no mercado de carbono. Para ele, a sociedade precisa sinalizar de forma clara, mostrando que a agenda ambiental é prioridade de todos, e também pressionar o governo.

Marina Grossi reforçou que o Brasiltem a maior biodiversidade do mundo e matriz limpa, e que nenhum país do mundo fala em retomada pós-pandemia sem agregar a retomada verde, “o que significa ter mais inclusão sociale uma economia mais limpa". Para ela, toda inovação no mundo dos negócios tem de ocorrer com critérios ambientalmente corretos. 

Ela afirmou também que a insegurança jurídica atrapalha negócios nessa linha e que ter leis de controle que realmente combatam o desmatamento ilegal é crucial. “A percepção é de que isso é um ganho da sociedade brasileira e precisamos fazer um grande pacto pela economia mais verde.”

Sistemas de rastreabilidade

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Marina defendeu o fortalecimento de sistemas de rastreabilidade, inclusive com ajuda governamental. Segundo ela, vários países exigem, por exemplo, que a carne seja 100% rastreada no país e o Brasil não pode participar desses mercados globais mesmo tendo competitividade e algumas empresas que já atuam com sistemas de monitoramento. A rastreabilidade é uma tecnologia que consegue saber do início ao final onde o boi estava, se em área desmatada ou não. "A tecnologia aliada a questões ambientais e sociais é a resposta para o Brasil, porque somos muito competitivos.” 

O cientista Carlos Nobre disse que as pandemias, como a da covid-19, têm a ver com o desequilíbrio ecológico e ressaltou que “por muita sorte” ainda não tivemos nenhuma pandemia originada da Amazônia - local que mais tem microrganismos no mundo - diante do que estamos fazendo com a floresta. “A saída da pandemia tem de ter uma política de proteção global às florestas tropicais”, defendeu.

Nobre lembrou que as ferramentas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de monitoramento -desenvolvidas por um grupo de pesquisadores que está entre os mais avançados do mundo -, estão disponíveis em vários países. “A parte do satélite é só para fornecer dados, mas a parte mais importante é a da inteligência, e como extrair a inteligência e informação e tornar isso uma ferramenta importante para apoiar ações de preservação.”

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Em sua opinião, não faltam dados para melhorar as ações de fiscalização, “mas, infelizmente, o que atrapalha é o discurso político, apoiado pelo setor conservador do agronegócio, que incentiva um modelo atrasado de desenvolvimentismo que a gente já queria ter deixado para trás”. Segundo ele, o enfraquecimento do Inpe significaria o fortalecimento do movimento negacionista, por exemplo contra a questão das mudanças climáticas, os impactos da pandemia da covid-19, da destruição da Amazônia.

Ressaltou que é preciso avaliar se a ação dos 3.600 homens do Exército que estão hoje na Amazônia para coibir crimes ambientais está funcionando. “Infelizmente, os dados até agosto mostram que não, os desmatamentos estão nos mesmos níveis de 2019.”

Para ele, o fortalecimento da fiscalização - inclusive por parte de órgãos que já atuavam nesse trabalho -, um ataque contra os que financiam o crime ambiental, mecanismos para subsidiar os municípios que conseguem diminuir o desmatamento e demarcação de terras indígenas são ações que já deram certo no passado e precisam ser retomadas. “E o Exército pode ajudar nesse caminho.”

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