Extrativistas no centro da roda

No Cerrado, a castanha do baru tenta seguir o caminho de sucesso do açaí

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Atualização:

Entre os “novos” produtos da bioeconomia brasileira, aqueles que tiveram a cadeia desenvolvida mais recentemente, o açaí é o caso de maior sucesso. Facilmente encontrado nos supermercados e lojas especializadas em todo o Brasil, o fruto virou hábito alimentar de muita gente aqui e no exterior – especialmente depois que a apresentadora Oprah Winfrey se tornou uma entusiasta das propriedades nutritivas do fruto e do papel que sua exploração econômica poderia ter para proteger as florestas brasileiras.

Outras estrelas em potencial da bioeconomia tentam repetir essa trajetória de sucesso. Uma das candidatas é a castanha do baru, árvore típica do Cerrado brasileiro. Rico em vitaminas e ferro, além de ser um bom aliado no controle do colesterol, o produto tem sido descoberto por fãs de outras partes do País e do exterior, especialmente da Europa.

Árvore típica do Cerrado, a castanha do baru é uma das estrelas em potencial da bioeconomia brasileira que podem seguir os passos de sucesso do açaí Foto: Acervo

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Há várias dificuldades nas etapas necessárias para possibilitar a conexão entre a produção e o consumo. Superar esses desafios depende de projetos que fomentem a profissionalização dos processos e a melhoria das condições gerais de infraestrutura. No caso da castanha do baru, uma referência é o trabalho do Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado (Ceppec), que tem agregado outras instituições e iniciativas para impulsionar o desenvolvimento da cadeia.

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Foi a partir de uma oficina ministrada por dois diretores do Ceppec na Organização Não Governamental (ONG) Ecoa, sediada em Campo Grande (MS), que surgiu um projeto para melhorar a infraestrutura da coleta das castanhas do baru. A Ecoa obteve o apoio da Fundação Banco do Brasil para o projeto, que durou um ano e meio e foi concluído no mês passado. Envolveu 224 coletores de baru – 60% mulheres –, em um corredor extrativista de 14 comunidades localizadas em sete municípios. A receita gerada, R$ 97,2 mil, representou um aumento médio de 20% na renda das famílias envolvidas.

Mais importante, no entanto, foram os ganhos de longo prazo, incluindo a aquisição de um veículo utilitário e de equipamentos como refrigeradores, seladora, balança digital, prateleiras e mesa inox, notebook para controle das receitas fiscais e estoque. Além disso, com a compra de dois contêineres, a capacidade de armazenamento foi ampliada de 50 para 80 toneladas, o que aumenta as possibilidades de fabricar produtos com maior valor agregado, como pães, biscoitos, bombons e paçocas, já que, bem armazenada, a castanha do baru pode durar até três anos.

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“Hoje podemos dizer que temos em mãos um mecanismo consolidado, dando respaldo à comercialização, impulso e visibilidade ao trabalho comercial, ambiental e social na vida de cada uma das famílias envolvidas no projeto.”

Nathália Eberhardt, da Ecoa: extrativistas atuam como guardiões Foto: Iasmim Amade

“Conseguimos fazer tudo isso com uma verba de R$ 350 mil”, celebra a socióloga Nathália Eberhardt, pesquisadora da Ecoa e coordenadora do projeto. “Com a estruturação que foi feita, há um grande potencial de crescimento, tanto em termos de território quanto de famílias envolvidas.” Altair de Souza, um dos diretores do Ceppec que ministraram a oficina que deu origem ao projeto – e que atua como extrativista –, também comemora os resultados. “Hoje podemos dizer que temos em mãos um mecanismo consolidado, dando respaldo à comercialização, impulso e visibilidade ao trabalho comercial, ambiental e social na vida de cada uma das famílias envolvidas no projeto.”

Os extrativistas atuam como guardiões do Cerrado, já que conhecem bem os locais onde há baru e denunciam eventuais avanços do agronegócio sobre as áreas públicas. Além disso, a coleta organizada pelo projeto segue orientações em prol da sustentabilidade, como recolher apenas 70% dos frutos caídos, deixando os restantes 30% para a alimentação da fauna e para germinação. Esse trabalho é realizado especialmente em barus nativos, encontrados em áreas públicas ou em fazendas da pecuária, nas quais a espécie costuma ser mantida para que possa servir de alimentação ao gado. Acordos com os proprietários permitem essa exploração.

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