‘Faremos o possível para ter uma COP com o mínimo de fumaça’, diz secretário nacional antidesmate

André Lima, do Ministério do Meio Ambiente, fala em responsabilidade compartilhada com Estados e municípios e diz que não havia sistema nacional de combate a incêndios até o ano passado

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Por Juliana Domingos de Lima
Atualização:
Foto: Fernando Donasci/MMA
Entrevista comAndré LimaSecretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima

O secretário extraordinário do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, André Lima, atribui as dificuldades que o governo federal tem enfrentado no controle do fogo às mudanças climáticas e à inexistência de um sistema nacional estruturado de prevenção e combate a incêndios até o ano passado.

Em 2024, incêndios devastadores na Amazônia e Pantanal, grandes queimadas no Cerrado e em plantações de cana no interior de São Paulo resultaram em um recorde de focos registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no território nacional, indicando falhas na prevenção por parte do poder público.

Lima considera “injusta” a avaliação de que o governo federal deveria ter se preparado com maior força e antecedência para enfrentar a situação dos incêndios no ano passado. Ele enfatiza também a responsabilidade compartilhada na gestão de risco de incêndios pelos Estados, municípios e proprietários rurais.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diz que o ambiente é prioridade da gestão, mas a escalada de queimadas pôs em xeque a capacidade do governo na área. Em novembro, o País vai receber em Belém a Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30). O desmate e os incêndios na Amazônia são duas das principais fontes brasileiras de emissão de gases de efeito estufa.

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Já em fevereiro deste ano, a ministra Marina Silva - que já ocupou o cargo de ministra entre 2003 e 2008 - declarou estado de emergência ambiental nas áreas vulneráveis a incêndios para viabilizar a contratação emergencial de brigadistas e orientar ações de prevenção. Outras medidas de reforço na estrutura federal de prevenção a incêndios e apoio a Estados e municípios foram anunciadas, como parte da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, instituída no ano passado.

Lima, que está à frente das áreas de controle do desmatamento e ordenamento ambiental territorial, que inclui a questão dos incêndios, admite que a ocorrência de incêndios durante a COP-30 é uma preocupação do governo e defende que o problema deve ser resolvido “de baixo para cima”.

“O governo federal não tem como se mobilizar para apagar focos de calor, porque são 200 mil no Brasil inteiro, não tem como mandar suas brigadas para apagar incêndio nível 1 (os menos graves), porque isso é responsabilidade do proprietário e de quem está lá na ponta. Ele tem de fazer isso nos seus territórios federais (como parques nacionais e reservas indígenas). Isso sim é responsabilidade do governo federal”, diz.

Leia a entrevista na íntegra.

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O governo tem conseguido reduzir o desmatamento na Amazônia, mas o fogo na floresta aumentou nos últimos dois anos, com recorde de focos em 2024. Há fatores climáticos por trás disso, mas há avaliações de que faltou ao governo se preparar e agir com mais antecedência e intensidade na prevenção. Qual a avaliação do ministério sobre os erros nessa estratégia?

Não concordo com essa avaliação por duas razões principais. A gente não tinha assim nenhum indicador em janeiro (de 2024), por exemplo, de que poderia ter essa seca extrema na Amazônia do jeito que teve. Foi uma coisa que veio com um El Niño muito mais forte que se previa e a convergência de aquecimento do (oceano) Atlântico Norte, um outro fenômeno que está acontecendo agora por força de mudanças climáticas. Não houve duas secas consecutivas na Amazônia nas últimas décadas, que eu tenha conhecimento.

A situação de incêndios tanto no Pantanal quanto na Amazônia é duplamente grave pela seca muito mais forte e consecutiva, que torna (os biomas) muito mais vulneráveis ao fogo. A mesma quantidade de focos de calor já geraria muito mais incêndio.

Fogo na região de Bujaru, no interior do Pará; secretário diz que crise climática agrava efeitos de incêndios Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Além disso, não é responsabilidade do governo federal apagar fogo no Brasil inteiro. Isso precisa ser dito em caixa alta. O governo federal é responsável pelas terras indígenas, unidades de conservação, assentamentos. Tem Estados, é o caso do Mato Grosso do Sul, em que 90% dos incêndios acontecem em propriedades privadas. Essa responsabilidade é dos proprietários rurais, das prefeituras, dos corpos de bombeiros, das secretarias estaduais. Ou seja, é uma responsabilidade da sociedade como um todo. Com a aprovação da lei de política nacional de manejo do fogo, fica mais claro que essa responsabilidade é compartilhada com todas essas esferas.

Os corpos de bombeiros não estavam preparados, as prefeituras não estavam preparadas, os proprietários rurais não estavam preparados. A Califórnia não estava preparada. Portugal não estava preparado, Canadá não estava preparado. E por aí vai, até no Alasca teve focos de calor recorde se comparado com o histórico e a média anterior.

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Então, é uma “forçação de barra”, né? Paciência, o que nos resta é olhar para frente, aprender, obviamente, com a situação e trabalhar. É o que a gente tem feito. Não concordo com essa afirmação e acho ela injusta, de inconsistência técnica, típica de quem não conhece o que é o esforço de preparação e combate aos incêndios florestais no Brasil.

O governo federal não tem responsabilidade de prevenção e combate sobre todo o território, mas tem a responsabilidade de coordenar os atores. Técnicos do governo e especialistas enfatizam que os Estados precisam entrar com mais força, por exemplo, emitindo autorizações de queimada no tempo certo. Avalia que o recorde de queimadas do ano passado teve mais a ver com essa responsabilidade do Estados do que do governo federal?

Não, não. Teve mais a ver com os efeitos reais das mudanças climáticas e as secas recorde que atingiram o Brasil dois anos seguidos. Esse foi o principal fator. Porque a coordenação, melhor ou pior, sempre foi assim durante muitos anos e a gente nunca teve esse problema. Aumentamos os esforços de combate a incêndios e o problema foi muito mais grave.

Um exemplo clássico da situação é a Califórnia. Se tem um lugar preparado para combater incêndios, são eles - e veja o que aconteceu. Não foi uma floresta que queimou: foi um bairro inteiro de casas de milionários que também teriam condição, inclusive, de ter brigadas e sistemas privados de prevenção e controle de incêndios. Os efeitos das mudanças climáticas estão demandando grande adaptação da sociedade como um todo, e aí se inclui governos nas três esferas.

O Ibama não coordena os Estados, ele tem o Ciman, que é um comitê operativo nacional em que ele chama os Estados para apresentarem as suas demandas de apoio. Mas a maioria dos Estados não participa, não vem ao Ciman. E, quando vem, vem com representantes de baixo escalão, que não tem capacidade decisória, e às vezes a gente precisa tomar decisão em tempo real. O que a gente faz em termos de coordenação é que os Estados têm que ter os seus comitês estaduais (de manejo integrado do fogo).

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Fora das terras federais, há níveis de responsabilidade. Foco de calor, quem tem de apagar: primeiro é quem não deveria ter posto fogo; segundo, quem está lá na ponta, é o proprietário rural, o responsável ali pela área. Não apagou, ele vira um incêndio. No nível 1, a responsabilidade é de brigadas locais, municipais, comunitárias, privadas, dos proprietários e das empresas. Se crescer, se torna incêndio nível 2 e a responsabilidade é dos corpos de bombeiros e da defesa civil local. No nível 3, chama-se o governo federal.

Normalmente, ninguém apaga no foco, ninguém apaga no nível 1, ninguém apaga no nível 2. O governo federal não tem como se mobilizar para apagar focos de calor, porque são 200 mil no Brasil inteiro, não tem como mandar suas brigadas para apagar incêndio nível 1, porque isso é responsabilidade do proprietário e de quem está lá na ponta. Ele tem de fazer isso nos seus territórios federais, isso sim é responsabilidade do governo federal, desde o foco ao nível 1, 2 e 3.

Só que o sistema nacional de prevenção e combate aos incêndios nunca existiu, essa que é a verdade. Existia um sistema federal e alguns Estados se preparavam mais ou menos.

Para você ter ideia, eu fiz uma reunião com 30 secretários municipais de Meio Ambiente da Amazônia. Alguns me disseram que no seu município sequer tem corpo de bombeiros do Estado. Outros disseram que tem três bombeiros com uma caminhonete e que as áreas que pegam fogo ficam a 300, 400, 500 km do município. Quando tem seca, também pega fogo nas áreas na região periurbana. O bombeiro da cidade apaga o fogo ali onde tem gente, casa, mato, chácara. Ele não vai para 300, 400, 500 km de distância, por isso se tornam megaincêndios.

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O governo federal atuou no ano passado em 1,3 mil megaincêndios, que foi o que coube a ele. Os Estados atuaram em alguns milhares, os municípios talvez também. Mas o problema é que, além de até então não existir um sistema ou uma política nacional, os Estados, os municípios não estão, não estavam preparados.

O problema se tornou grave. Até o ano retrasado, incêndio não estava no “top five” da gestão ambiental brasileira. O problema era desmatamento, grilagem, garimpo, atividade madeireira. A partir do ano passado, principalmente, que foi um ano totalmente fora da curva, está se tornando realmente um problema da sociedade como um todo. A partir daí começa a ter cobrança e também apoio da sociedade. Se tornou prioridade de vários governos. Acho que agora todos estarão mais bem preparados para enfrentar.

O que está sendo feito para afinar o diálogo e apoiar essas outras esferas?

O governo federal aprovou R$ 405 milhões disponíveis aos nove Estados amazônicos para projetos para fortalecimento dos corpos de bombeiros. Estamos agora com R$ 30 milhões de reais do Fundo Nacional de Meio Ambiente para fazer planos de manejo integrado do fogo em pelo menos 20 municípios mais críticos da Amazônia. Estamos agora trabalhando com a Caixa Econômica Federal para poder usar recursos do Fundo Amazônia para comprar equipamentos para Estados não amazônicos.

Já estamos numa segunda reunião de planejamento conjunto com o Mato Grosso do Sul e o Mato Grosso, porque a área mais crítica no curto prazo - para maio, junho e julho - é o Pantanal. Infelizmente, não choveu o suficiente para alagar as áreas da região Sul do Pantanal e isso vai tornar aquela região bastante vulnerável.

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Com a instalação do Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo, estamos dialogando com todos esses atores, representantes dos Estados, proprietários rurais. Aprovamos uma norma que agora vai estabelecer a obrigação dessas instâncias (terem planos de manejo integrado do fogo). Eles já sabem o que precisam fazer. Começa a ter um movimento mais articulado dessas diferentes instâncias.

Ainda precisamos trazer os municípios para essa agenda, eles estão também representados no comitê. Temos de preparar a sociedade, os proprietários rurais, para assumirem a sua responsabilidade, os prefeitos, as secretarias de meio ambiente, de agricultura, de saneamento. Nos municípios, muito do fogo acontece porque não tem saneamento básico rural e o sitiante, o chacareiro, queima o lixo na beira de estrada e aí começa um grande incêndio. São ações locais que vão ajudar a reduzir focos de calor e consequentemente os incêndios.

Qual o principal foco do ministério nesse âmbito? O que há de diferente em relação aos dois últimos anos?

As coisas estão começando a ficar diferentes com a aprovação da lei (de manejo integrado do fogo) pelo governo federal, que estava aí desde 2018 e não havia sido aprovada. Aprovamos ano passado e já regulamentamos, já estamos implementando um comitê nacional operativo, estabelecendo o que cabe aos estados e aos proprietários rurais fazer.

Ou seja, começa a existir um sistema que esse ano ainda não vai operar 100%, mas estamos nos preparando para tempos mais difíceis: um novo El Niño, daqui a dois, três anos. Vamos estar muito mais estruturados para enfrentar essa situação, que infelizmente será cada vez mais frequente e intensa.

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Tem um conjunto de coisas que vêm sendo construídas e que não vão estar todas prontas esse ano, mas uma série de medidas que já estão. A ministra Marina publicou na semana anterior ao carnaval uma portaria declarando emergência ambiental para risco de incêndios em alguns municípios ao longo do ano. Isso já é uma primeira medida exatamente para chamar a atenção de proprietários rurais, prefeitos e governadores, que precisam se preparar para o período crítico daquela região.

Estamos aumentando significativamente os números de brigadistas, de aeronaves. A capacidade instalada do governo federal é maior do que nos anos anteriores.

Vista área de incêndio no Pantanal no Estado de Mato Groso do Sul em agosto de 2024 Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A expectativa, em relação á primeira conversa com os meteorologistas, é de que não dá para baixar a guarda, (2025) não é um ano confortável, mas no geral não tende a ser tão crítico quanto o ano passado, pelo menos na Amazônia e no Cerrado. O Pantanal é onde a gente tem uma situação mais crítica ainda.

O componente novo nessa história é o fogo criminoso. A gente teve várias situações em que brigadistas tiveram dificuldades de chegar para combater incêndio, porque tinha alguém se beneficiando daquele fogo, seja garimpeiro em terra indígena, invasor, madeireiro, ou grileiro de unidades de conservação. Esse fogo é muito difícil pegar em flagrante, é um grande desafio para nós. A Polícia Federal está investigando, tem uma série de inquéritos, mas é difícil responsabilizar depois que o incêndio aconteceu, se não pegou em flagrante.

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E contratação de aeronaves. Só para dar um exemplo de situações que enfrentamos no ano passado e que foram muito peculiares: o período em que mais precisávamos de aeronaves das Forças Armadas para ajudar a transportar brigadistas, foi exatamente o mesmo em que a Amazônia inteira precisou das aeronaves para levar água, remédio, combustível para os rincões da Amazônia, porque os rios estavam secos. A prioridade era o abastecimento básico., não teve como contar com as aeronaves das Forças Armadas para transporte de brigadistas na Amazônia. Do sul de Lábrea até o município são mil quilômetros. Não vai de caminhonete apagar incêndio, se não tiver helicóptero, você não consegue. Ao mesmo tempo, a crise aconteceu entre setembro e outubro, época de eleição. As Forças Armadas deram apoio para levar urnas eletrônicas para todas as bases eleitorais da Amazônia. Portanto: eleições, seca e abastecimento, concorreram com o apoio das Forças Armadas, que é tradicional para fortalecer as ações de combate aos incêndios. Ou seja: mudanças climáticas “na veia”.

Nessa nova conjuntura, não seria o caso de ter aeronaves próprias para que isso não aconteça?

A aeronave própria não resolve. A manutenção disso ao longo do ano para usar só no período de incêndio, que são três, quatro meses, é “carésimo”, muito fora do padrão de recursos do órgão federal. Trabalhamos com aluguel de aeronaves.

Estão previstos para esse ano 15 helicópteros, 10 aviões de lançamento de água, dois aviões de transportes, quase 200 veículos especializados, 340 caminhonetes operacionais e 50 embarcações. Ou seja, tem um um volume grande de equipamentos de infraestrutura. Mas não é o governo federal que vai equipar os Estados, os municípios, os proprietários rurais.

Proprietários rurais em algumas regiões do Brasil têm a maior frota de aeronaves para pulverização de veneno. Essas mesmas aeronaves ficam quase que paradas na época de seca e com baixo investimento é possível transformar em aeronave para ajudar a apagar incêndio. Isso é possível fazer. Quem paga hora de voo para jogar veneno pode pagar hora de voo para apagar incêndio.

Isso é responsabilidade dos proprietários. Os helicópteros dos Estados e dos corpos de bombeiros também podem fazer isso. Se cada Estado tiver dois, três helicópteros, são 50, 60 helicópteros no Brasil, para apoiar essas ações. É isso que a precisa: todos os órgãos assumindo a responsabilidade. Ainda assim, é menos do que todo o Chile, que tem quase 70 aeronaves de combate a incêndio no país. Mas são aeronaves privadas que eles também alugam no período de ação de combate a incêndios.

O número de aeronaves disponíveis vai aumentar em relação ao ano passado?

Com o lançamento de um novo contrato do Ibama, eles aumentaram o número de aeronaves de cinco para sete. O ano passado tem dois indicadores, o que estava previsto ordinariamente e o que foi conseguido (por meio) de recursos extraordinários. Aumentamos em mais de R$ 1 bilhão os recursos de prevenção, combate a incêndios e a secas. Este ano ainda não temos recursos extraordinários, porque são aprovados ao longo do ano.

Ouve-se falar que o fogo é o novo desmatamento, tanto em termos da ameaça para a floresta quanto no uso para grilar e transformar em pasto, por exemplo. Pode explicar o papel da Medida Provisória 276 de 2024 para conter esse processo? Como está o diálogo com o Congresso? O governo tem expectativa de aprovar?

O governo federal tem tido muita dificuldade em aprovar medidas provisórias. Não vou dizer que será fácil e nem que está garantida essa aprovação, mas isso está na nas prioridades da Secretaria de Relações Institucionais, que agora tem sob liderança a ministra Gleisi (Hoffmann). Estamos articulando inclusive com uma base parlamentar ruralista, que precisará desse tipo de apoio, de recursos.

Essa medida provisória tem dois elementos importantes. Um é esse de que uma área queimada não perde a sua proteção jurídica. Isso já vale para para Mata Atlântica, por causa da lei da Mata Atlântica. A ideia é que isso se expanda para todos os biomas. Outro pilar muito importante é a possibilidade de repasse de recursos para as prefeituras poderem fortalecer ações de prevenção e preparação contra incêndios, sem necessidade de convênio através do Fundo Nacional de Meio Ambiente.

Isso permite, por exemplo, que parlamentares façam emendas. Nossa ideia é que por meio desta medida provisória, se consiga mobilizar parlamentares para repassar recursos de maneira ágil para que as prefeituras possam criar uma brigada, ter caminhão-pipa, equipamento, treinar esse pessoal, fazer ações preventivas e educativas, criar um sistema de alerta rápido.

O ministério anunciou que haverá 4.608 brigadistas (4.358 brigadistas florestais federais + 250 servidores efetivos) neste ano, 25% a mais do que no ano passado. Esse número é suficiente para conter o avanço do fogo?

Se dobrar, não vai resolver o problema. Não é o Ibama e o ICMBio que têm de multiplicar por dez (o efetivo) para apagar incêndio no Brasil. É de baixo para cima que se resolve o problema.

O primeiro “foguinho” se apaga com o pé. Tem de criar mecanismos para o proprietário rural que vê um fogo lá na beira da estrada, em vez de ligar para polícia e ir embora, ir lá com um abafador, chamar os vizinhos, e apagar.

O governo federal normatiza, ajuda a coordenar, mobiliza e gerencia recursos, mas os Estados têm responsabilidade. O corpo de bombeiros tem de estar mais bem aparelhado. Apagar incêndio faz parte da obrigação constitucional dos corpos de bombeiros militares dos Estados, eles têm de se preparar para isso. Pergunta se eles estão preparados realmente para apagar incêndio florestal em todo o seu território? Também não estão. Dobrar o efetivo não será suficiente.

O corpo de bombeiros do Amazonas disse que tem 1,3 mil homens. Se dividir, considerando que 50% estão na capital e na região metropolitana, você tem 600 para 62 municípios. Se distribuir homogeneamente, dá 10 por município. Tem municípios que têm o tamanho de Sergipe.

Claro, concordo, é insuficiente. Mas nunca será (suficiente) se não criarmos esse sistema, não trabalharmos de maneira coordenada. É a mesma coisa que dizer: “A Polícia Federal então deveria decuplicar o seu efetivo, porque o crime no Brasil é um absurdo?”.

O maior desafio é a responsabilidade de quem está lá na ponta de não pôr fogo e de apagar se puder. É alguém atuar em menos de uma hora quando tem um foco de calor, antes de virar incêndio. Vão duas, três pessoas, não precisa ter uma brigada de 200 pessoas (para isso). Se tiver quatro, cinco brigadas de três, quatro pessoas com carros pequenos, com bomba costal, um abafador, mil litros de água na caçamba de uma caminhonete, consegue atuar e reduzir significativamente os focos de calor e, consequentemente, os incêndios.

É preciso criar comunidades resilientes ao fogo. É de baixo para cima que se resolve esse problema. De cima para baixo, o que apaga fogo é chuva.

As brigadas não atuam só no combate, mas também na prevenção. Grande parte dos brigadistas federais são contratações temporárias, para o período emergencial. Não faria sentido ter brigadas permanentes em locais mais críticos, que possam começar a atuar antes na prevenção?

Essa é a agenda de brigadistas. Contrata-se com nove meses de antecedência. Três, quatro meses são preparatórios, treinamento, capacitação, medidas preventivas. E quatro, cinco meses são de combate.

Brigadista não é um cargo efetivo de governo, não tem concurso público. Contrata-se brigadistas por edital para períodos. Como isso nunca foi um problema tão grave, as normativas eram para contratação efêmera, por seis meses. Acontece que a janela aumentou, hoje a gente tem região em que é fogo quase o ano inteiro.

Inclusive isso teve de mudar com medida provisória, decisão do Supremo Tribunal Federal, para poder ganhar um tempo. Para contratar sem concurso, não pode contratar por um ou seis meses e depois contratar de novo sem um interstício de no mínimo um ano. Como é que você faz? Você treina um cara, contrata. Ele vai lá, aprende, começa a fazer, acaba a temporada, começa a outra e você não pode contratar aquele. Tem de contratar o outro, porque tem de dar um período de um ano. A adaptação dos sistemas de governança às mudanças climáticas acontece desde 2023 e 2024, por uma infeliz coincidência, os dois primeiros anos dessa gestão, os dois anos mais secos e quentes dos últimos 50 anos no Brasil.

O 2º semestre costuma ser o período mais crítico para incêndios. Vai ter fogo quando o Brasil estiver recebendo chefes de Estado, negociadores do mundo inteiro para a COP? Isso é uma preocupação?

É uma preocupação, claro, mas temos de fazer o nosso trabalho independentemente da COP. Nossa preocupação é com os incêndios. Na COP, a preocupação é que isso ganha evidência maior, né? Mas não vamos ter recursos a mais para enfrentar os incêndios por causa da COP. Vamos ter recursos a mais e estamos aumentando a nossa capacidade porque avaliamos que, infelizmente, esse problema será constante e cada vez mais intenso. E vamos fazer o possível com os recursos disponíveis para termos uma COP com o mínimo de fumaça.