Governo repassa recursos recuperados da Lava Jato para ações da Defesa na Amazônia

Estadão obteve informações que mostram como os R$ 630 milhões devem ser usados para financiar ações de fiscalização e combate aos incêndios florestais

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Foto do author André Borges
Atualização:

A decisão do governo de centralizar nas mãos dos militares toda a fiscalização da Amazônia já está refletida no volume de recursos financeiros que o Palácio do Planalto tem destinado ao Ministério da Defesa. O Estadão obteve informações detalhadas sobre os R$ 630 milhões da Operação Lava Jato que, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de setembro de 2019, devem ser usados exclusivamente para financiar ações de fiscalização e combate aos incêndios florestais na Amazônia.

Queimadas de florestas subiram 13% entre janeiro e abril em todo o mundo, aponta relatóriorealizado pela organização ambiental WWF e o Boston Consulting Group (BCG). Foto: Gabriela Biló/Estadão

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Os dados do sistema Siga Brasil compilados pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostram que, dos R$ 630 milhões repassados pela Petrobrás, a partir de seu acordo anticorrupção assinado com a Justiça, R$ 530 milhões, o equivalente a 84%, foram destinados ao Ministério da Defesa, com repasses distribuídos entre Exército, Marinha e Aeronáutica. Coube ao governo Bolsonaro definir onde colocaria o dinheiro, uma vez que a divisão desses valores não foi especificada pelo Supremo.

O Ministério da Defesa afirma que os recursos têm apoiado a sua presença “estrutural” na Amazônia, ou seja, uma atuação de forma permanente e consolidada, e não em situações pontuais ou extraordinárias. No documento de sua Política e a Estratégia Nacional de Defesa, enviada ao Congresso no dia 22 de julho, o ministério afirma que sua atuação na Amazônia exige “o incremento das capacidades de prover segurança e soberania, intensificando a presença militar e a efetiva ação do Estado”.

A maior parte do dinheiro - R$ 494 milhões - foi carimbada como recurso voltado à “proteção, fiscalização e combate a ilícitos na Amazônia Legal”. Os demais R$ 36 milhões foram reservados para a Operação Verde Brasil 2, criada pelo governo em maio, para enfrentamento de incêndios e desmatamento.

Dos R$ 100 milhões que restaram do acordo da Lava Jato, o governo repassou R$ 50 milhões ao Ibama, órgão de proteção ao meio ambiente que, com apoio da Polícia Federal, tem a missão institucional de proteger e fiscalizar a Amazônia. O Incra recebeu R$ 35 milhões e o Ministério Agricultura, R$ 15 milhões. Já ICMBio e Funai não tiveram nenhum repasse oriundo do acordo bancado pela Petrobrás.

Para Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, a concentração de recursos comete um erro estratégico. “Usaram os recursos da Lava Jato para sobreporem-se à atuação dos órgãos de fiscalização, controle e proteção territorial”, avalia a especialista. “Estes órgãos ambientais vinham atuando com capacidade estratégica e precisavam ser fortalecidos, institucionalmente e do ponto de vista orçamentário. O governo não só perdeu a oportunidade de usar os recursos da Lava Jato para reforçar a política de controle do desmatamento na Amazônia que estava funcionando, como atuou para desmontá-la ainda mais.”

A escassez de recursos do Ibama, porém, não explica tudo. Soma-se a isso a baixa execução do orçamento que o órgão já possui. Por incapacidade administrativa, o Ibama mal consegue gastar o que recebe. Até julho, do orçamento de R$ 38,567 milhões autorizados para monitoramento, prevenção e controle de incêndios florestais, o órgão só utilizou R$ 9,332 milhões, conforme informações do Siga Brasil.

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Os militares chegaram a usar parte dos recursos da Lava Jato para financiar as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ocorridas em 2019 (Verde Brasil) e 2020 (Verde Brasil 2). Ao todo, os orçamentos das duas ações somaram R$ 44,62 milhões desde o ano passado. Nesta semana, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, que assumiu a responsabilidade pelas ações na Amazônia, pediu ao Congresso que aprove um crédito extraordinário de mais R$ 410 milhões para a Verde Brasil 2.

O pedido pode ser aprovado nesta semana. Se confirmado, o Ministério da Defesa somará quase R$ 1 bilhão em recursos para utilizar, especificamente, em operações na Amazônia. Trata-se de quase tudo o que o Fundo Amazônia destinou ao Brasil durante 12 anos, em 103 programas que tiveram resultados fundamentais na região. A título de comparação, a proposta de orçamento total para o Ibama em 2021 é de R$ 210 milhões.

Defesa diz que usa dinheiro da Lava Jato para “missão estrutural”

O Ministério da Defesa afirma que a concentração de recursos da indenização da Operação Lava Jato em suas ações tem o propósito de financiar projetos de longo prazo dos militares para a Amazônia, e não de bancar gastos com operações pontuais, como acontece com a Operação Verde Brasil 2, que começou em 11 de maio e deve durar até 6 de novembro.

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Em nota enviada à reportagem, a Defesa declarou que os recursos repassados pela Lava Jato “serão aplicados em investimentos estruturantes, que visam dar àquela região uma melhor infraestrutura para atuação adequada das Forças Armadas”.

Os gastos previstos, segundo o ministério, incluem a aquisição de micro e nano satélites de monitoramento, fortalecimento de operações nos rios, recuperação da infraestrutura dos Centros Móveis de Alta Disponibilidade (CMAD) da Amazônia e implantação de um radar para detecção de tráfego aéreo ilegal. “Como se tratam de processos licitatórios complexos, a realização do gasto não é imediata, mas o empenho (contratação) de todos os projetos deve ser realizado até o fim de dezembro de 2020, declarou a pasta.

A respeito da Operação Verde Brasil 2 e o pedido de crédito suplementar de R$ 410 milhões, a Defesa informou que o dinheiro será usado em “atividades operacionais para emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e em ações subsidiárias na Amazônia Legal”.

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Os recursos serão aplicados, de acordo com a pasta, em ações como deslocamento de tropas, desenvolvimento e participação de campanhas de conscientização ambiental, estabelecimento de bases operacionais, realização de levantamento de imagens por sensoriamento remoto, apoio logístico, de inteligência e de comunicações aos órgãos de controle ambiental e de segurança pública envolvidos na Operação. “Diante dos esclarecimentos, fica claro que não são recursos concorrentes, pois os objetos de gastos são de naturezas diferentes, sendo um de caráter estruturante e outro de caráter operacional”, declarou o ministério.

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