BRASÍLIA - Uma investigação realizada pela organização ambiental Greenpeace mostrou a explosão de desmatamento em uma área da Amazônia rica em biodiversidade, localizada entre os Estados do Amazonas, Acre e Rondônia. A região, segundo o Greenpeace, é alvo de um esquema de grilagem de terras públicas.
A ONG fez um levantamento sobre as autuações ambientais, registros de documentos e movimentações de invasores na área formada por 32 municípios do sul do Amazonas, leste do Acre e noroeste de Rondônia, região conhecida pelo acrônimo de Amacro (junção da sigla dos três Estados) e que soma uma área de 454.220 km² - quase o tamanho da Espanha. Nesta região vivem de cerca de 1,7 milhão de pessoas. O rebanho chega a 8,4 milhões de cabeças de gado.
Segundo o Greenpeace, esta área concentra uma das maiores taxas de desmatamento e um esquema de grilagem de terras públicas. Dentro desta área está a chamada “Gleba João Bento”, que foi alvo de uma cadeia de títulos fraudulentos, levando ao surgimento de centenas de escrituras de compra e venda e duplicidade de registro de imóveis.
Recentemente, de acordo com a ONG, a Justiça Federal no Amazonas determinou o cancelamento imediato de matrículas de 14 fazendas localizadas no interior da gleba, por terem sido constatadas irregularidades no desmembramento dessas áreas.
O levantamento aponta que, desde o fim de 2015, o Ministério Público Federal solicitou, em diversas ocasiões, que o Incra informasse se já havia declarado a nulidade dos títulos que foram alvos de ação judicial. Entre a primeira solicitação do MPF e a decisão da Justiça Federal se passaram sete anos.
“Em meio a esse contexto, dos 295 mil hectares que compõem a Gleba João Bento, cerca 86 mil foram desmatados entre de 2015 a 2021, sendo que 62% dessa área foi destruída sob a égide do governo de Bolsonaro”, afirma o Greenpeace.
Principal alvo da decisão judicial que cancelou as matrículas de fazendas no interior da Gleba João Bento, o proprietário Dorvalino Scapin acumula cerca de R$ 12 milhões em multas aplicadas pelas autoridades ambientais. Em uma única multa aplicada em 2021 pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), foi penalizado em R$ 5,380 milhões por desmatamento ilegal.
“É possível verificar que ele (Scapin) foi responsabilizado pelo desmatamento de mais de 2 mil hectares localizados dentro da gleba”, afirma o Greenpeace. A reportagem tentou contato com Dorvalino Scapin, mas não conseguiu resposta.
Segundo a ONG, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), apontado como a principal ferramenta para a regularização ambiental de propriedades e posses por todo o Brasil, tem sido usado como um dos instrumentos para atribuir legitimidade de posses sobre extensas áreas de terras públicas, sob a premissa de que estas posses sejam passíveis de regularização via alterações na lei de regularização fundiária.
Ao longo do processo de grilagem da Gleba João Bento, 250 polígonos de propriedades rurais foram cadastrados de forma sobreposta na base do sistema, totalizando 370 mil hectares com mais de um proprietário. “Os documentos irregulares de propriedade davam conta de uma área 27% maior que a própria área total da gleba”, informa o Greenpeace.
O alerta da organização é de que crimes ambientais como os ocorridos dentro da Gleba João Bento se espalhem por toda a Amazônia, com a aprovação de um projeto de lei, chamado por ambientalistas de PL da Grilagem, que tramita no Congresso. O governo e a bancada do agronegócio afirmam que o projeto regulariza a situação fundiária da população e que a falta de regularização pode contribuir para que ações ilegais sejam cometidas.
Procurados, o Ministério do Meio Ambiente e da Defesa não se manifestaram até as 14 horas.
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