Grupo indígena se mobiliza para revitalizar floresta estadual no Paraná

Encabeçada por Guaranis e Kaingangs, ação faz parte do projeto de recuperação da biodiversidade da unidade de conservação

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Por Jessica Brasil Skroch
Atualização:

Uma floresta que não tem nada de floresta. Essa é a descrição de Eloy Jacintho, líder indígena no Paraná, sobre a Floresta Estadual Metropolitana de Piraquara (PR), a cerca de 30 km de Curitiba. Ele faz parte do grupo dos povos Guarani e Kaingang que plantou mais de 700 espécies nativas no local até agora. A ação é parte de um grande projeto de revitalização da unidade de conservação, que perdeu a biodiversidade após o plantio de eucaliptos e degradação da natureza.

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O local é estudado pelo grupo desde 2017. Apesar de ser reconhecida como uma unidade de conservação desde 1988, Jacintho afirma que a área foi “abandonada pelo governo”. “São vários problemas ambientais, como a presença de árvores exóticas, esgoto a céu aberto e o descarte de lixo”, aponta.

O objetivo é substituir as árvores exóticas por nativas e recuperar as nascentes de água. As espécies que estão sendo plantadas são da Mata Atlântica, como araucária, erva-mate, cedro, araçá, aroeira e jerivá. Assim, Jacintho espera que “a natureza venha com toda a sua força novamente, e o lugar se torne uma floresta de verdade”.

Entre as espécies nativas plantadas pelo grupo no Paraná estão araucária, erva-mate, cedro, araçá, aroeira e jerivá Foto: ELOY JACINTHO - 14/01/2O21

O projeto foi apresentado ao Instituto Água e Terra (IAT) – órgão do governo do Estado do Paraná responsável pela preservação do patrimônio ambiental –, que aceitou colaborar com a proposta. Por meio do programa Paraná Mais Verde, foram fornecidas 200 mudas de espécies nativas à iniciativa. Além do Estado, organizações da sociedade civil e pessoas interessadas também estão doando e ajudando no plantio das mudas. Para o próximo mês, já está previsto o plantio de mil mudas de erva-mate e mais 300 mudas de espécies diversas.

Por ser uma área grande, o trabalho não será pouco. Jacintho ressalta que é um projeto de médio a longo prazo, já que muitas árvores levam anos para se tornarem adultas. Os eucaliptos lá presentes também são antigos, árvores grandes e difíceis de serem retiradas. Segundo os seus cálculos, serão necessárias cerca de 2 milhões de mudas nativas para reflorestar toda a unidade.

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Trata-se de uma área sensível, diz Letícia Salomão, gerente de áreas protegidas do IAT. “É uma floresta com divisão direta com a cidade, uma área ferroviária próxima ao presídio de Piraquara. Um local bem violento, que já registrou tiroteios”. A partir das análises da atual situação da floresta, o órgão sugeriu ao grupo a solicitação de um modelo de gestão compartilhada, integrada e participativa entre a comunidade indígena e o Estado, prevista na Lei do Sistema Estadual de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), explica.

O reflorestamento com árvores nativas é uma das propostas do que os indígenas envolvidos chamam de “Retomada indígena”. No dia 9 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas, quatro famílias ocuparam a floresta reivindicando o direito ao território tradicional, uma vez que a área era antes habitada pelos ancestrais, conta Jacintho.

A permanência e a gestão compartilhada da unidade de conservação estão em tratativa. Enquanto não estão formalizadas, o grupo conseguiu autorização para habitar um local estruturado próximo à floresta. A recuperação do território está intimamente ligada ao projeto de preservação do ambiente.

Jacintho explica que, por meio do nhandereko, o modo de viver guarani, gente e ambiente são um só: “É conviver com a natureza sem destruí-la, porque somos parte dela. Tiramos dela o que precisamos para viver, mas para isso é preciso cuidar.” Ele ressalta que é importante que a sociedade perceba que o cuidado que os povos indígenas têm com o meio ambiente reflete em todos. “É pensar no futuro. Água e alimento de qualidade, ar puro, todos precisamos disso”, complementa.

A intenção do grupo não é pedir uma “nova aldeia”, termo que não os representa, já que os aldeamentos dos povos originários surgiram no processo de colonização. Retomar o território, diz Jacintho, é também desenvolver ações de sustentabilidade, assim como recuperar outros aspectos da cultura indígena.

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Além desses objetivos, o grupo ainda quer criar no local um centro de formação em cultura e direitos indígenas, que funcione como um espaço de compartilhamento da história e do saber indígenas para os interessados.

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