Guarujá quer transformar praias escondidas e ilha em área protegida; veja onde fica

Proposta está em consulta pública e pode ser implementada por meio de decreto municipal. Se aprovada, medida expandirá proteção para 62% do território da cidade

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Foto do author Caio Possati
Atualização:

A cidade do Guarujá, no litoral de São Paulo, estuda a possibilidade de delimitar uma nova Área de Proteção Ambiental (APA) na cidade, a terceira do município. O foco está na região sudoeste, caracterizada por ser preenchida por um maciço florestal remanescente de Mata Atlântica e abranger bairros como Guaiúba e Santa Cruz dos Navegantes — tradicionais pela prática da pesca entre os moradores — e praias das Astúrias, do Tombo, do Góes e Sangava.

Não existe uma previsão de quando a proposta será implementada, se for aceita. Instituir uma APA precisa respeitar um rito que inclui um estudo de viabilidade técnica, consultas públicas (onde a proposta está neste momento) e é finalizado com o decreto da Prefeitura. Depois que a área é decretada, o poder público elabora um plano de manejo do território dentro de um prazo de cinco anos.

Praias como a do Sagava e do Góis podem se tornar Área de Preservação Ambiental. Foto: Felipe Rau/Estadão

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Na última terça-feira, 2, a administração organizou uma oficina participativa com a população - fase anterior à da audiência pública - para apresentar os resultados do estudo de viabilidade técnica produzido pelo Instituto de Pesquisa Tecnológico (IPT). O encontro aconteceu no bairro Astúrias (de abrangência da nova APA) e contou com a participação de lideranças de bairro, e representantes do setor privado, marinas e institutos de segurança ambiental.

Foi a primeira reunião com as pessoas para abordar o assunto, e uma nova oficina participativa está agendada para o próximo dia 28 deste mês. A ideia é que destes dois encontros seja traçado o perímetro exato da APA, algo que ainda não está totalmente definido.

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A Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que conduz o processo, afirma que moradores do Guaiúba, Santa Cruz dos Navegantes e da Praia do Góes já deram parecer favorável à iniciativa. Neste primeiro encontro, a pasta diz que reuniu diversas sugestões dos munícipes, incluindo locais que podem ser incluídos na terceira APA.

Se aprovada, Guarujá terá 62% do território protegido

Atualmente, Guarujá conta com outras duas Áreas de Preservação Ambiental: a APA Serra do Guararu, localizada na região chamada de Cauda do Dragão e decretada em 2012; e a APA Serra Santo Amaro, em 2021, onde fica a Asa do Dragão - os nomes têm origem na semelhança do perímetro da cidade com um dragão.

Se aprovada a APA da região sudoeste, o território protegido vai ser ampliado para 62% de toda área do município.

A transformação do local em Área de Preservação Ambiental tem como base um artigo científico produzido por integrantes do Instituto de Segurança Socioambiental (ISSA), e apresentado durante um congresso no câmpus do Guarujá da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp) em 2022.

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O pesquisador João Leonardo Mele, um dos autores do estudo e diretor presidente do ISSA, esteve envolvido na instituição das duas APAs do Guarujá já delimitadas. “A única área significativa que ainda não tem um regime diferenciado de gestão é a Cabeça do Dragão (região sudoeste), que tem valores ambientais, históricos, culturais, militares importantes”, afirma Mele, que é mestre em Direito Ambiental.

O local, descreve ele, possui um denso maciço florestal grande, com um entorno preenchido por comunidades de pescadores, caiçaras, além de um complexo naval e fortificações militares, como o Forte dos Andradas, localizado ao sul da Ilha de Santo Amaro.

“A Cabeça do Dragão tem atributos ambientais de alta relevância, com vegetação de Mata Atlântica e vegetação de restinga e de mangue, que são ecossistemas associados à Mata Atlântica, muito ricos em termos de fauna e flora”, afirma. “As áreas estão em um estágio bom de conservação, em um estágio avançado de regeneração e quase de forma primitiva, como se não tivessem sofrido interferências”, descreveu.

O que é uma APA e como sua instituição interfere nas atividades da região?

  • Áreas de Proteção Ambiental são unidades de conservação de manejo sustentável, que possuem a proposta de promover a proteção ambiental do território de forma equilibrada com o desenvolvimento econômico do local.

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Em termos práticos, a APA não é impeditiva como as Áreas de Preservação Permanente (APP), que são altamente restritivas, e que proíbem a supressão de árvores e a construção de empreendimentos na beira de rios ou em cima de nascentes, conforme previsto no Código Florestal.

Diferenciar os tipos de áreas para a população é algo comum para quem está à frente da iniciativa. Muitos moradores e empresários, desconfiados e inseguros, temem ser despejados de suas propriedades ou ter de paralisar as suas atividades de seus negócios por conta da transformação do território.

Mas administração municipal garante que transformar o local em uma Área de Proteção Ambiental não ameaça a implantação de novos empreendimentos ou compromete as atividades de empresas que já funcionam na região. Como também não vai interferir no cotidiano de moradores, comerciantes e turistas que viajam ao Guarujá.

“A APA é uma unidade de conservação que permite que haja a ação humana, com políticas ambientais e um plano de manejo que permite que a vida continue funcionando”, disse o Secretário de Meio Ambiente do Guarujá, Ricardo de Sousa, em conversa com o Estadão.

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Áreas de Proteção Ambiental são unidades de conservação de manejo sustentável, que possuem a proposta de promover a proteção ambiental do território Foto: Felipe Rau/Estadão

“É possível construir um condomínio com licenciamento ambiental, ter um comércio e até um polo industrial desde que obedeça aos critérios de sustentabilidade e de preservação”, completou. “O que uma APA restringe? Uma atividade de alto impacto, como a instalação de uma indústria química que produz muitos poluentes ou uma mineradora, que pode causar um dano irreversível”.

João Leonardo Mele, do ISSA, diz a que a APA não cria proibições maiores do que as que estão estabelecidas nas legislações ambientais estaduais e federais, e não altera, engessa, ou modifica as legislações municipais, como o Plano Diretor.

“Se um prédio ou loteamento tiver a licença do município, da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) ou do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para ser instalado, a Área de Preservação Ambiental não será um impeditivo”, afirma. “A APA tem mais o sentido de funcionar como um grande mecanismo público e social para ajudar na gestão do território.”

No caso da Cabeça do Dragão, o diretor presidente do ISSA afirma que a restrição “será mais branda”. “Poderá ter atividade humana de baixo impacto (ambiental), pode haver parcelamento de solo. Existe a plena possibilidade de as atividades sociais, comerciais e urbanísticas conviverem em parceria com áreas conexas, que têm relevância ambiental”.

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Contudo, caso a área seja transformada em uma unidade de conservação ambiental, as punições no caso de descumprimentos de alguma norma ambiental serão mais severas aos infratores.

O secretário Ricardo de Sousa e o pesquisador João Leonardo Mele destacam que um das principais importâncias da APA é a constituição de conselhos que promovem maior participação popular gestão do território. Isso inclui, por exemplo, discussões sobre a forma como a área será ocupada.

“Quando se cria uma APA, automaticamente se cria também um conselho de gestão desse território. E, no conselho de gestão, metade é composta por integrantes do poder público e a outra metade por pessoas da sociedade civil” explica Mele. “É o desenvolvimento de uma região de forma compartilhada”.

“As pessoas podem participar dos conselhos gestores. E nas reuniões desses conselhos, a sociedade civil pode trazer reclamações, sugestões, fazer reivindicações e deliberar sobre o uso de empreendimentos que podem vir a ser instalados”, afirma o secretário Souza.

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Ambos explicam que o maior envolvimento da sociedade civil permitido pelas APAs é fundamental para o ecossistema da região, seja pelo aumento das cobranças por maiores fiscalizações, ou pelo conhecimento que os moradores têm para apontar os locais mais suscetíveis a crimes ambientais, ou pontos da floresta onde uma determinada espécie de animal costuma circular.

“O que se exige é que se tenha participação da sociedade para não acontecer o uso indevido dos recursos naturais e que podem causar danos ambientais irreversíveis”, disse Ricardo de Sousa.

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