Ibama restringe agrotóxico para proteger abelhas; produtores de soja preveem prejuízo

Órgão ambiental defende reduzir aplicação do produto, já vetado na Europa, para preservar polinizadores; produtores rurais dizem que mudança trará prejuízo social e econômico

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Foto do author Roberta Jansen
Atualização:

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) determinou a restrição do uso do agrotóxico Tiametoxam em cultivos agrícolas no País. A substância é proibida em várias partes do mundo porque provoca a morte de abelhas, importantes polinizadores.

Para os produtores agrícolas, por outro lado, a medida trará impacto social e econômico. Uma das principais fabricantes do produto, a Syngenta, diz que não há risco se o produto for aplicado conforme orienta a bula.

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De modo geral, o Ibama proibiu a pulverização da substância, mas permitiu outras modalidades de uso, como aplicação direta no solo e tratamento de sementes, conforme as características de cada cultivo, diz a nova regra, com publicação prevista no Diário Oficial da União desta sexta-feira, 23.

No fim do ano passado, o instituto já havia proibido a pulverização do Fipronil, que também se mostrou tóxico às abelhas.

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Produção de soja pode ser afetada pela proibição do uso de agrotóxico pelo Ibama, dizem produtores agrícolas  Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

“O Ibama faz a avaliação e a reavaliação dos agrotóxicos. Nesse caso específico, já existem muitos estudos no mundo inteiro comprovando a gravidade do veneno para as abelhas”, adiantou ao Estadão o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. “A extinção das abelhas, importantes polinizadores, é, atualmente, uma das grandes crises mundiais.”

Segundo Agostinho, o uso da substância foi avaliado caso a caso. Para 17 culturas (cevada, feijão, girassol, melão, melancia, milho, pepino soja, sorgo, tomate e trigo), o uso está mantido com restrições. Em geral, esses cultivos aplicam o veneno no tratamento das sementes e no esguicho direto no solo.

A pulverização aérea (por aeronaves agrícolas) e a pulverização terrestre não dirigida ao solo ou às plantas estão proibidas. Para alguns outros cultivos, o uso da substancia também foi proibido por falta de informações técnico-científicas suficientes para eliminar a hipótese do risco ambiental. É o caso de batata, berinjela, café, cana, cebola, citros, eucalipto, feijão-vagem, milho, forrageira, pastagem, uva, entre outros.

“Sabemos, no entanto, que se trata de substância muito utilizada pela agricultura brasileira”, admite Agostinho. “Por isso, vamos permitir que usem o que já têm até o fim do estoque ou o vencimento da validade do produto.”

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Abelha se aproxima de uma flor para colher o néctar na Alemanha: população mundial do inseto está em declínio Foto: Thomas Kienzle/AP

O processo de reavaliação do uso do agrotóxico levou dez anos – ao longo dos quais foram reunidos estudos científicos sobre o tema, avaliadas as posições de outros países, e consultados a comunidade acadêmica e também a sociedade em geral, o que inclui fabricantes, usuários e consumidores.

Uma das principais fabricantes do produto é a multinacional Syngenta, que anexou mais de 30 estudos científicos ao processo de reavaliação para argumentar sobre a segurança do produto. Segundo a empresa, a substância não representa risco se aplicada conforme a bula e as fabricantes têm se empenhado na capacitação de aplicadores.

“A proibição de usos do THMX terá impactos diretos e profundos nas principais produções brasileiras, o que inevitavelmente trará consequências sociais e econômicas, já que muitas vezes os neonicotinóides representam a única opção de produto registrado para o controle eficaz de determinadas pragas de difícil controle em diversas culturas, o que levará ao seu descontrole, caso sejam retirados do mercado”, informou a Syngenta, em comunicado.

A substância é proibida na União Europeia desde 2018, quando pesquisas comprovaram sua letalidade para abelhas. Os insetos atuam como importantes agentes polinizadores e são essenciais à reprodução de diversas espécies de planta.

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O Tiametoxam faz parte de um grupo de inseticidas à base de nicotina, conhecidos como neonicotinóides. A substância atinge o sistema nervoso central das abelhas, fazendo com que elas fiquem desorientadas e não consigam voltar para as colmeias, levando à morte.

Segundo estudo feito por cientistas de três universidades brasileiras - a federal de São Carlos (UFSCar), a estadual de Campinas (Unicamp) e a estadual Paulista (Unesp) -, as abelhas nativas brasileiras são especialmente sensíveis ao Tiametoxam.

Em todo o mundo, há cerca de 20 mil espécies de abelhas. No Brasil, são aproximadamente 2,5 mil espécies. Diferentemente do que se imagina, poucas delas produzem mel.

“As abelhas são extremamente importantes para a polinização”, afirma o professor da Unesp Osmar Malaspina, coordenador do Grupo de Pesquisa em Ecotoxicologia e Conservação de Abelhas.

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“Elas são as responsáveis pela polinização de nada menos que 78% das plantas com flores. Além disso, polinizam ou ampliam a polinização de culturas que produzem alimentos para o homem, como laranja, café e soja. Em alguns casos, podem aumentar em até 50% a produtividade desses cultivos”, diz pesquisador.

“Existem ainda culturas totalmente dependentes da polinização pelas abelhas, como melão, maçã e maracujá”, acrescenta Malaspina.

Alguns cultivos são polinizados por abelhas de uma única espécie, caso dos morangos. Ou seja, a extinção de uma única espécie nativa pode ter um impacto severo.

“Estima-se que os serviços ambientais prestados pelas abelhas representam somente no Brasil, US$ 42 milhões (R$ 210 milhões)”, afirma Malaspina. “No mundo, o valor econômico dos serviços vai de US$ 300 milhões a US$ 500 milhões (R$ 1,5 billhão a R$ 2,5 bilhões).”

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Produto é menos tóxico do que outros, diz entidade de produtores

A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), por sua vez, afirma que o Tiametoxam é menos tóxico do que os demais produtos disponíveis no mercado para os mesmos fins.

“Os neonicotinóides são inseticidas usados para o controle do percevejo, do bicudo e da cigarrinha, que atacam soja, algodão e milho respectivamente”, afirmou, em nota. “São produtos eficientes e menos tóxicos do que outros disponíveis no mercado. A substância, que também é pulverizada no combate à dengue, não traz riscos à saúde humana.”

Ainda segundo a Aprosoja, a proibição da substância na Europa não reverteu a diminuição da população de abelhas.

“Os cientistas ainda não encontraram uma causa específica para o fenômeno no hemisfério norte, mas identificaram uma série de fatores, dentre os quais redução do hábitat, poluição, doenças e outros pesticidas”, sustentou a associação.

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Ainda conforme a entidade, mais de 200 mil agricultores e trabalhadores rurais recebem treinamento do setor privado sobre a aplicação de inseticidas.

“Conforme verificado nos estudos conduzidos pelo Ibama, a mortandade (de abelhas) é verificada em situações nas quais há exposição direta ou a níveis superiores aos verificados se adotadas as boas práticas de aplicação”, afirma o diretor técnico adjunto da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Maciel Silva.

Congresso quer tirar poderes de Ibama e Anvisa na análise de agrotóxicos

A reavaliação do Tiametoxam pode ser uma das últimas seguindo as regras atuais. O Congresso aprovou em novembro passado a nova Lei dos Agrotóxicos. O texto concede ao Ministério da Agricultura a palavra final no que se refere à aprovação de pesticidas.

Ao sancionar a nova lei, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou o trecho que concede ao ministério a palavra final, restituindo o poder do Ibama e da Anvisa. Mas a bancada ruralista já afirmou ter os votos necessários para reverter a decisão.

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Caso isso aconteça, o Ibama e a Anvisa, que fazem análises técnicas do ponto de vista ambiental e de saúde, perderiam poder de influência nas decisões.

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