Ibama tem déficit de metade de especialistas em meio ambiente e categoria ameaça parar

Agentes de órgão que combate crimes ambientais na Amazônia e em mais biomas reclamam de má condição de trabalho e pedem reforço; governo Lula diz debater reestruturação das carreiras

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Foto do author Paula Ferreira
Atualização:

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tem apenas metade (49,2%) dos servidores especialistas em meio ambiente em atividade, o que expõe o tamanho do rombo no quadro funcional da instituição. Nesta semana, houve anúncio de suspensão das atividades de fiscalização, o que pode resultar em greve geral da categoria, responsável por fiscalizar crimes ambientais, como garimpo e exploração ilegal de madeira, na Amazônia e em outros biomas.

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A contratação de servidores é uma das principais reivindicações dos funcionários, que enviaram carta ao presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. A pressão contra o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se estende desde o ano passado e ameaça prejudicar a estratégia de intensificar fiscalizações, o que tem ajudado a baixar as taxas de desmate.

Os ministérios do Meio Ambiente e da Gestão dizem que a reestruturação de carreiras é prioridade. A pasta de Gestão destaca ainda o reajuste salarial linear de 9% para todos os servidores, incluindo os do Ibama.

Das vagas ociosas do órgão, 41,6% são de agentes que se aposentaram. Também há aqueles que morreram e/ou tiveram pensões indicadas em seus nomes (cerca de 9,2%). Os dados correspondem a novembro, o mais recente disponível, e estão no Painel Estatístico de Pessoal do governo federal. Hoje, conforme o painel, há só 2.925 servidores do Ibama da carreira ambiental atuando no País.

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Operações do Ibama, como essa contra o garimpo ilegal na terra indígena Yanomami, podem ficar prejudicadas diante da possível greve dos agentes Foto: Ibama

Esses funcionários atuam, em geral, na fiscalização de crimes ambientais nos biomas de todo o Brasil, na concessão de licenciamento, em pesquisas etc. Eles relatam riscos e más condições de trabalho. “Não tem como parar para almoçar”, reclama uma das agentes. (leia mais abaixo)

Os servidores da área ambiental - junto de técnicos do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) - são responsáveis por monitorar 336 unidades de conservação, além de terras indígenas, combate a incêndios, entre outras funções.

Nesta sexta-feira, 5, servidores que atuam no licenciamento ambiental começam as reuniões para debater a possível paralisação. Caso se decida interromper esse serviço, haverá impactos, por exemplo, na concessão de licenças de exploração de petróleo e gás, entre outras. Na quinta-feira, 4, servidores do ICMBio, órgão responsável pelas unidades de conservação, também aderiram à mobilzação.

Uma reunião do conselho de entidades da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) convocou assembleias em todo o País na próxima semana para deliberar sobre a paralisação de atividades de campo.

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Em agosto, nota técnica do Ibama para justificar ao Ministério da Gestão a necessidade de abrir concursos públicos dimensiona o déficit. Gráfico anexado no documento, ao qual o Estadão teve acesso, mostra queda de 36,5% de servidores ativos no Ibama nos últimos 15 anos.

Isso é puxado, principalmente, pela alta de aposentadorias não repostas. O órgão pediu 2.408 novas vagas por concurso, que está previsto para este ano.

Outra tabela feita pelo Ibama mostra que mesmo esse número ainda é insuficiente para resolver as lacunas. Considerando todos os pedidos feitos pelas divisões do Ibama, incluindo superintendências estaduais e a sede, a demanda por cargos para funcionamento pleno é de 4.915 servidores.

Em novembro, o próprio Ibama admitiu ao Estadão que a estrutura de combate a incêndios na Amazônia estava aquém do necessário, após algumas regiões da floresta assistirem a recordes de queimadas e ao avanço de nuvens de fumaça em Manaus e outras cidades.

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Queimadas avançaram em 2013 pelo Pantanal (foto) e parte da Amazônia; Ibama admitiu estrutura insuficiente de combate Foto: Joedson Alves/Agência Brasil

‘Não tem como parar para almoçar’, reclama agente

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“Os servidores estão se voltando para o trabalho burocrático nos escritórios, mas, no efeito a médio prazo, diversas operações programadas para os próximos períodos devem ser afetadas caso não haja a mesa de negociação retomada e a proposta do governo em relação às reivindicações centrais que os servidores consideram extremamente importante para continuar o trabalho”, afirma Cleberson Binho Zavaski, presidente da Ascema.

Segundo ele, com a interrupção de fiscalização, vistoria, licenciamento e pesquisa, a primeira operação do ano de combate a crimes ambientais já começa a ser afetada. A carta de reivindicações dos trabalhadores do Ibama é extensa e inclui, além de concurso, melhoria salarial, como a inclusão de uma gratificação por atividade de risco para servidores que atuem em campo na fiscalização e em outras atividades consideradas perigosas.

Em 21 anos de Ibama, o fiscal Roberto Cabral já se viu em diversas situações de risco. Na mais grave delas, em 2015, Cabral foi baleado em uma emboscada feita por madeireiros na Terra Indígena Araribóia, no Maranhão. Na ocasião, ele atuava no combate a incêndios na região. Desde então, segundo ele, a integração de facções com criminosos ambientais tornou o cenário ainda mais grave.

“Tem risco real no meio do mato. A gente destrói maquinário, interfere na logística e no ganho financeiro (dos bandidos). Antes, eram associações criminosas para fazer garimpo e exploração madeireira. Agora enfrentamos facções criminosas. Enquanto isso, o governo surfa na onda com base na exploração do trabalho quase voluntário dos agentes”, afirma.

A “onda” mencionada por Cabral é a queda de 22% nos índices de desmate na Amazônia, segundo dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O dado mostrou redução expressiva do desmate de agosto de 2022 a julho de 2023, puxada pela intensificação das ações de fiscalização.

Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, e Marina Silva, ministra do Ambiente, têm sido cobrados pelos servidores Foto: Wilton Junior/Estadão

Esses resultados têm sido exaltados pelo governo Lula, principalmente na 28ª Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-28), em Dubai, no mês passado.

Além da gratificação por atividade de risco, os servidores cobram maior estruturação da carreira, com adicionais relacionados ao local de atuação, como a “indenização de fronteira”, hoje paga a agentes das polícias Rodoviária Federal (PRF) e Federal (PF), da Receita e dos ministérios da Agricultura e do Trabalho que atuam em áreas estratégicas.

Fiscal do Ibama, Ana Karoline Santana atuou nas fiscalizações da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, no ano passado. Segundo ela, os riscos não condizem com a remuneração desatualizada da função e a falta de estrutura.

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“Na Terra Indígena Yanomami, a gente precisa chegar a garimpos ilegais, muitas vezes próximos de fronteira, longe da cidade. As condições são mínimas. A gente trabalhou com efetivo baixíssimo de pessoas, e ainda assim apresenta resultados. Num dia que a gente tem de visitar dez pontos, não consegue, porque não tem número efetivo de pessoas. O trabalho fica defasado.”, relata. “Não tem como parar para almoçar, descansar. Tem questões de higiene, água, comida. A gente desidrata.”

O último concurso realizado pelo Ibama, em 2021, previa remuneração de R$ 4.063,34, já com gratificação e o auxílio-alimentação, para o cargo de técnico ambiental. Boa parte dos fiscais em campo está nesse cargo. Para a função de analistas ambientais e administrativos, a remuneração fixada foi de R$ 8.547,64, também com gratificação e auxílio.

Ministério diz que reestruturar carreira é prioridade

Em nota, o Ministério do Meio Ambiente afirmou que a reestruturação das carreiras ambientais é prioridade. Disse ainda conversar com a pasta da Gestão para que seja apresentado cronograma da negociação. O Ibama não respondeu até a publicação da reportagem.

Já o Ministério da Gestão disse que, no ano passado, fechou acordo de “reajuste linear de 9% para todos os servidores, inclusive para os do Ibama, além do aumento de 43,6% no auxílio-alimentação.” Além disso, afirmou que segue aberto ao diálogo com os servidores do Ibama e dos outros órgãos e relata ter fechado sete acordos para reestruturação de carreiras. Segundo a pasta, recompor a força de trabalho da administração pública federal é pauta prioritária.

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