A partir de 2026, cerca de 8 mil moradores dos pontos mais remotos de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, poderão beber água do mar. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) publicou edital convocando empresas interessadas em construir no município a primeira usina de dessalinização do Estado.
Ilhabela é uma das poucas cidades-arquipélago brasileiras, pois está assentada sobre um conjunto de 19 ilhas. Em muitos núcleos urbanos, a água tratada não chega; a cidade tem baixo índice de abastecimento. Segundo o Instituto Água e Saneamento, 69,6% da população é atendida com abastecimento de água, enquanto a média do Estado é de 96,6%.
Conforme a Sabesp, responsável pelo serviço de água e esgoto da cidade, a usina deverá captar água do mar, fazer a dessalinização e produzir 30 litros por segundo de água potável para a população. O volume representa acréscimo de 22% na oferta atual de água tratada no município.
A previsão é de que o sistema comece a operar em 2026. O local previsto para a usina é próximo à foz do Ribeirão Água Branca, que sofre a invasão das marés e, nesse ponto, tem água salgada.
- A usina deverá empregar a tecnologia de osmose reversa, pela qual a água é submetida à alta pressão e passa por membranas que retêm as partículas de sal.
- Antes, a água do mar passa por processo de ultrafiltração para retirar partículas e impurezas.
- Depois de retirado o sal, o líquido passa por tratamento que devolve os componentes minerais retirados no processo.
- Para ser distribuída, a água recebe cloração.
- A salmoura resultante do processo é diluída e devolvida para o mar.
Já a água dessalinizada será transportada para um reservatório na própria Estação de Tratamento de Água (ETA) Água Branca, de onde será distribuída para consumo da população. Conforme a companhia, o projeto vai melhorar a oferta de água não só para os moradores.
Uma das principais cidades turísticas do litoral paulista, Ilhabela tem pouco mais de 35 mil habitantes, mas chega a receber 100 mil turistas na alta temporada. O prazo para a apresentação das propostas dos interessados na obra vai até o dia 25 deste mês.
A prefeitura de Ilhabela informou que o projeto é fruto de parceria entre o município e a Sabesp, em busca de “soluções inovadoras e sustentáveis”.
Uma área foi adquirida pelo município para receber o empreendimento. Apesar de ter citado a parceria com a Sabesp para viabilizar a usina, a prefeitura afirmou que está empenhada em municipalizar o serviço de saneamento de Ilhabela.
A região abriga um dos principais remanescentes de Mata Atlântica do litoral norte paulista. No início do ano, conforme mostrou o Estadão, os estudos feitos pela prefeitura sobre ceder uma área pública para a construção de um resort em território caiçara na Praia da Serraria motivaram críticas de ambientalistas. À época, a gestão municipal disse que esses estudos eram preliminares e afirmou que ouviria a comunidade local de pescadores.
Tecnologia avançada
A Sabesp informou que a dessalinização por osmose reversa é um processo usado internacionalmente e a tecnologia é amplamente empregada em locais como Dubai, Israel e Califórnia. Em Israel, de 60% a 80% da água potável provêm do mar e as usinas de dessalinização operam desde 1997.
No Brasil, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) anunciou o projeto da maior usina de dessalinização da América Latina, com capacidade para produzir mil litros de água por segundo, mas a iniciativa foi contestada por empresas de telecomunicações.
No mesmo local passam cabos de transmissão de internet que atendem todo o País e as empresas alegam que a usina pode interferir na operação dos cabos. A localização da usina está sendo reavaliada pela Cagece, o que atrasou o projeto.
No arquipélago de Fernando de Noronha, um projeto iniciado há 20 anos já garante o abastecimento da população com água do mar. O conjunto inicial de dessalinizadores produz 27 m³ de água por hora, distribuída por caminhões-pipas onde a rede de distribuição não chega. Em 2014, a iniciativa foi ampliada com a construção de uma nova usina, aumentando a capacidade para 80 m³ por hora.
Kepler Borges França, coordenador dos Laboratórios de Referência Nacional em Dessalinização e de Membranas Cerâmicas da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, disse que o projeto a ser instalado em Ilhabela é importante para servir água de boa qualidade à população.
“O sistema de membranas para dessalinização pode ser usado não apenas nas ilhas, mas nas cidades do litoral que têm problemas de abastecimento. Entendo que toda a rede hoteleira da costa deveria ser abastecida com água do mar dessalinizada. É um processo barato, e que hoje vem sendo usado com mais frequência.”
Ele lembra que, dentro do sistema de reaproveitamento de água, é importante usar um processo semelhante ao da dessalinização para usar as águas de rios poluídos. Kepler desenvolveu no Nordeste o programa Água Doce, que atende comunidades onde os poços são de água salobra (salgada, mas com salinidade inferior à do mar).
“No contexto Ilhabela, é preciso fazer um estudo do potencial hídrico que é oferecido em períodos sazonais, como a época de chuvas, para somar com a ideia da dessalinização. Para toda população, é preciso ter 180 m³ de água por hora, o que implica em aproveitar também água de chuva. Nossos laboratórios estão à disposição para colaborar com esse projeto”, diz.
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