BRASÍLIA e SÃO PAULO - A principal hipótese perseguida pelas investigações da Polícia Federal a respeito dos incêndios em São Paulo é que as queimadas tenham ocorrido por ação humana dolosa, ou seja, praticada por pessoas com intenção de incendiar a vegetação. O governo federal suspeita de ação coordenada, diante do grande número de focos simultâneos. Já o governo paulista não vê indícios de crimes orquestrados, diante dos perfis e da falta de ligação entre os seis presos até agora.
Investigadores da PF estão em Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e na capital paulista para colher depoimentos. Segundo a Defesa Civil paulista, imagens de câmeras de monitoramento têm ajudado a identificar suspeitos - já houve seis presos.
Uma das detenções foi feita em Ribeirão Preto, na sexta-feira, 23, dessa forma. Imagens de uma rodovia mostram um homem em uma moto em área de mata. Ele se abaixa para colocar um objeto no chão. Assim que ele sai, as chamas se espalham.
Além do registro em câmeras de monitoramento, o relato de testemunhas e denúncias anônimas têm ajudado. Isqueiros, caixas de fósforos, galões de combustíveis foram alguns objetos coletados pelas equipes que atuam no combate ao fogo e que ajudam na caracterização dos incêndios criminosos.
A PF utiliza imagens de satélite do programa Brasil Mais para identificar o local da ignição que originou os incêndios. Os investigadores têm analisado as imagens, captadas diariamente, de trás para frente para identificar o momento exato em que o fogo começou. A partir disso, a polícia consegue estabelecer um raio de atuação para realização de perícia e recolhimento de outros tipos de prova.
“A principal hipótese é a ignição dolosa. A autoria por ação humana e dolosa”, disse ao Estadão o delegado Humberto Freire, diretor da diretoria de Amazônia e Meio Ambiente da PF, que cuida dos inquéritos. “ A gente não pode concluir de forma cabal que assim foi, mas os indícios iniciais são que realmente foi por ação humana e, pela cronologia, houve certa sintonia nesse início dos focos.”
Ele explica que essa é a hipótese mais forte até o momento porque dificilmente incêndios ocasionados por causas naturais ocorreriam simultaneamente, uma vez que dependeriam de uma conjunção de fatores além da baixa umidade. “Ter várias ignições espontâneas cronologicamente simultâneas é menos provável. Já é um indicativo de que realmente foi por ação humana”, reitera.
A PF também recolheu imagens que circulam nas redes sociais de pessoas que aparecem ateando fogo nos locais, além de outros elementos que, segundo os investigadores, reforçam a tese de ação intencional. A corporação quer chegar não só aos autores da queimada, mas a possíveis mandantes.
A PF não descarta relação dos incêndios com o crime organizado. Em Batatais, um dos presos afirmou pertencer ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e disse ter ateado fogo em uma área a mando da facção.
“O viés de manejo das áreas vai ser investigado como todos os outros . Se foi uma ação coordenada para causar caos ou para causar realmente prejuízo, para desestabilizar socialmente, ou gerar prejuízo econômicos, tudo isso vai ser investigado”, diz Freire. Ele afirma estar em contato com a Polícia Civil de São Paulo para compartilhar informações.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tem rejeitado a hipótese de ação orquestrada. Ele afirma que, por ora, não há elementos para indicar que as queimadas foram coordenadas e atribui a disseminação das chamas, principalmente, às condições climáticas adversas.
“Não posso ser taxativo nem que é (ação orquestrada) nem que não é. Tenho de aguardar o resultado dessas apurações”, afirma o delegado da PF. Ainda não há data para concluir as análises.
O capitão Roberto Farina, da Defesa Civil, afirma que os dois mil focos de incêndios registrados entre sexta e no sábado, 24, foram causados de três formas principais: ação intencional criminosa (fogo ateado de forma premeditada), ação intencional não criminosa (queimar lixo após a limpeza de um imóvel, por exemplo) e acidental (descarte de um cigarro ainda aceso). “Não é possível precisar exatamente as principais causas porque tivemos dois mil focos. Conseguimos definir alguns deles”, diz.
Legislação é branda, diz delegado da PF
As projeções climáticas indicam que a situação deve continuar crítica pelos próximos dois meses. Diante desse cenário, a PF tem negociado com a equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula (PT) da Silva crédito extraordinário para fortalecer equipes que atuam na investigação dos incêndios florestais. Freire não detalhou o valor negociado com a área econômica.
Desde o ano passado, a PF abriu 33 inquéritos para apurar incêndios florestais. Até o momento, ninguém foi indiciado. A corporação tem buscado a participação dos criminosos ambientais em delitos associados para fortalecer a possibilidade de que sejam punidos. A estratégia inclui investigar a possibilidade de obtenção de lucro com os crimes ambientais e possível lavagem de dinheiro.
Na Amazônia, por exemplo, a associação do crime organizado com o crime ambiental é cada vez mais forte. O delegado critica a legislação, que classifica como “muito branda”. Atualmente, o crime de incêndio florestal prevê pena máxima de quatro anos, que, muitas vezes, pode ser substituída.
“O crime organizado infelizmente entendeu esse viés altamente lucrativo do crime ambiental e as penas baixas. Ele investe, o crime ambiental gera lucro altíssimo e quando descoberto, as penas são muito baixas”, afirma.
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