São Paulo é a segunda capital com os melhores índices de saneamento básico do País, atrás apenas de Curitiba, segundo o ranking divulgado pelo Instituto Trata Brasil em 2017. Esse indicador positivo, no entanto, não implica concluir que a situação paulistana é confortável, visto que cerca de 120 mil moradores ainda não recebem água potável e 460 mil não têm acesso ao serviço de coleta de esgoto.
Queremos chamar a atenção neste post para outro fato igualmente preocupante e também pouco conhecido pela população. A Sabesp, empresa responsável pelo saneamento no município, não possui, até o momento, capacidade para tratar todo o esgoto que recolhe. Como consequência, cerca de 311 milhões de litros coletados na cidade de São Paulo não são levados às estações de tratamento de esgoto (ETE) e acabam sendo despejados in natura nos rios e córregos paulistanos. Para se ter uma noção mais exata da dimensão do problema, esse volume de esgoto lotaria 31 mil caminhões-pipa que, enfileirados, ocupariam 372 quilômetros, quase a distância entre São Paulo e Curitiba.
A capital do Estado, infelizmente, não é a única que sofre com a situação descrita acima. A maioria dos municípios da bacia hidrográfica do Alto Tietê também enfrenta esse drama socioambiental.
Isto é o que revela o mapa apresentado na oficina realizada no Comitê de Bacia do Alto Tietê no mês de fevereiro deste ano, reproduzido abaixo. Os locais destacados em verde são as áreas onde o esgoto coletado é devidamente levado às ETEs. As áreas em amarelo são aquelas onde existem redes coletoras, mas o esgoto não é tratado. O leitor pode se localizar melhor ao considerar que no centro do mapa está a região central da cidade de São Paulo. Na porção leste estão os bairros de São Mateus, São Miguel Paulista e Itaim Paulista, assim como os municípios de Ferraz de Vasconcelos, Poá e Suzano. Ao sul, encontram-se os reservatórios da Billings, à direita, e Guarapiranga, à esquerda, representados em azul.
Duas observações gerais podem ser feitas sobre a realidade mostrada no mapa. A primeira, de ordem ambiental, é que grande parte do esgoto coletado na área do sistema Guarapiranga, fonte de abastecimento de mais de cinco milhões de pessoas, não é tratado. Dessa forma, suas águas são contaminadas, implicando em um elevado custo de tratamento para serem utilizadas.
A segunda, sob a ótica social, é o fato de que as comunidades mais vulneráveis, que se instalam nessas regiões periféricas da cidade, são justamente as que mais sofrem com a falta do saneamento. Essa realidade está destacada nos extremos da zona norte, sul e leste.
É natural que o cidadão que paga sua conta de água e esgoto ao final de cada mês deduza que seu esgoto está sendo coletado e levado até uma estação de tratamento. Para os que moram nos locais identificados em amarelo no mapa, no entanto, isso não ocorre.
Por um lado, a empresa alega que os recursos arrecadados a partir da tarifa de esgoto paga pelas pessoas que moram nas áreas em amarelo são essenciais exatamente para realizar os investimentos necessários para o avanço do sistema. Por outro lado, a sociedade demanda maior transparência, de modo que saiba de fato pelo o que está pagando, quais os investimentos feitos com o valor arrecadado e quando a universalização será alcançada.
Não se trata de simplificar a realidade e debitar a culpa por todos esses problemas à empresa de saneamento. De fato, universalizar o saneamento não é tarefa trivial, pois envolve uma multiplicidade de instâncias e atores. Os municípios enquanto titulares do serviço deveriam se posicionar e, no geral, não é o que acontece. As agências reguladoras têm uma capacidade relevante de induzir práticas mais inovadoras a partir da regulação da tarifa. As demais políticas setoriais, de habitação e recursos hídricos, para citar duas apenas, deveriam estar mais integradas a de saneamento. Os investimentos públicos e as políticas fiscais precisam ser objeto de debate e revisão.
É fundamental que a sociedade tenha conhecimento dessa realidade, se aproprie dela e, a partir de então, exija que seus representantes na política se empenhem em resolver esse descalabro. Não é novidade o fato de que a ausência de saneamento causa impactos severos e negativos na saúde pública e no desenvolvimento cognitivo de uma sociedade.
Recentemente o IDS publicou os dados da campanha realizada no Avaaz, durante o ano passado, sob o título "Sabesp: pare de jogar esgoto nos rios e córregos de São Paulo" (https://goo.gl/ozDnC8) exatamente com o objetivo de levar essa informação à sociedade. Foram mais de 4,6 mil assinaturas, 19 mil curtidas, 10 mil compartilhamentos e 450 mil pessoas atingidas.
A sensibilização social representa um passo fundamental da luta pela universalização do saneamento, de modo que avancemos no processo civilizatório a partir de um desenvolvimento em bases sustentáveis.
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Aviso ao leitor: Esse texto foi modificado em 14 de março, após o autor considerar que ajustes na redação mereciam ser realizados.
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