Em decisão histórica, em 28 de julho, 161 paises, inclusive o Brasil, votaram a favor da proposta de resolução 76/300 que "reconhece o direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável como um direito humano". A resolução afirma "que a promoção do direito humano a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável requer a plena implementação de acordos multilaterais relacionados com o meio ambiente de acordo com os princípios do direito ambiental internacional". O texto exorta os Estados, organizações internacionais e empresas a adotar políticas, aumentar a cooperação internacional, fortalecer a capacitação e continuar a compartilhar boas práticas, a fim de intensificar os esforços para garantir um ambiente seguro limpo, saudável e sustentável para todos.
Essa decisão da ONU vem em boa hora confirmar e consagrar entendimento jurisprudencial da suprema corte brasileira que tem jogado um papel estratégico contra os retrocessos impostos pelo Governo Bolsonaro na nossa política climática e ambiental.
Em decisão recente (1º de julho desse ano) no caso paradigmático envolvendo a omissão do governo federal em relação ao Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, o Supremo Tribunal Federal, por 10 votos a 1, decidiu a favor do relatório do Ministro Roberto Barroso que afirmou que o Poder Executivo tem o dever de fazer funcionar e alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, vedado seu contingenciamento, em razão do dever constitucional de proteção do meio ambiente e dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Segundo o renomado constitucionalista Professor Ingo Sarlet: "É, sem dúvida, um dos casos mais importantes de litigância climática já julgados pela Corte, haja vista a grande repercussão do caso e o fato de o Fundo Clima envolver recursos financeiros bilionários provenientes do estrangeiro (por exemplo, da Noruega e da Alemanha) destinados à proteção, ao controle e ao enfrentamento do desmatamento na Amazônia. [1]
Essa decisão do STF sustenta a tese que atribui aos tratados internacionais em matéria ambiental o mesmo status e hierarquia normativa especial já reconhecida pela mesma corte aos tratados internacionais de direitos humanos em geral, ou seja, uma hierarquia supralegal, ou acima das leis.
Nossa Suprema Corte reconhece, em um conjunto robusto de decisões recentes, que os acordos ambientais e climáticos internacionais assinados e ratificados pelo Brasil conformam o direito humano fundamental à segurança climática e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Isso significa dizer que tais tratados estão acima das leis ordinárias e podem operar como parâmetro de exame de "convencionalidade" de leis, ou seja, se tais leis (inclusive orçamentárias) estão em consonância com os acordos internacionais, sem o que devem ser declaradas inconstitucionais por sua incompatibilidade com acordos internacionais ratificados pelo Brasil.
A decisão da ONU, que contou com o voto favorável do Brasil, portanto, consagra e ampara a jurisprudência da nossa corte máxima de que o direito ao meio ambiente saudável, que inclui a segurança climática, o controle da poluição e da perda de biodiversidade, integra indissociavelmente o rol de direitos humanos fundamentais. Com isso reforça a nossa responsabilidade para com a internalização dos acordos internacionais como a Convenção de Clima, de Biodiversidade, 169 da OIT, dentre outras.
Reforça também, por essência "humana" desses direitos, que o meio ambiente sadio deve ser considerado ainda mais importante e sensível em casos que envolvam populações vulneráveis como povos indígenas e tradicionais, quilombolas, crianças e idosos.
Em seu preambulo, a Resolução 76/300, destaca que os efeitos das alterações climáticas, gestão e uso insustentável dos recursos naturais, poluição do ar, terra e água, a gestão irracional de substâncias químicas e resíduos, a perda de diversidade biológica com o declínio dos serviços prestados pelos ecossistemas comprometem negativamente o pleno gozo de um ambiente limpo, saudável e sustentável, e que os danos ambientais têm repercussões negativas, diretas e indiretas, no gozo efetivo de todos os direitos humanos.
Portanto consolida o entendimento de que o direito humano ao meio ambiente sadio é a base para todos os demais direitos humanos fundamentais sociais, culturais, políticos e civis. É fato que a própria democracia resta fragilizada quando o acesso básico aos direitos e bens ambientais como água, solo e ar descontaminados ou clima sadio está em jogo, em face da injustiça climática e ambiental que afeta sobretudo as populações mais vulneráveis.
Um próximo passo importante na evolução dessa convergência entre o regime internacional e nacional de direitos humanos, direitos climáticos e ambientais será a incorporação do direito ao meio ambiente sadio e à segurança climáticas no rol dos direitos humanos fundamentais expressos no caput do artigo 5º da nossa Constituição federal ao lado dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Por André Lima (50), advogado, ex-secretário de meio ambiente do Distrito Federal e consultor sênior de Política e Direito Socioambiental do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
[1] Artigo dos professores Ingo Sarlet, Gabriel Tedesco Wedy e Tiago Fensterseifer em: https://www.conjur.com.br/2022-jul-15/direitos-fundamentais-equiparacao-tratados-ambientais-aos-direitos-humanos
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.