ENVIADO ESPECIAL PARA SHARM EL-SHEIK - Poucas pessoas tiveram a agenda mais apertada na COP27 que a deputada federal eleita Marina Silva (Rede). Transitando entre a Zona Vermelha, onde se desenrolam as discussões entre os chefes de Estado, e a Zona Azul, onde esgão os pavilhões dos países, a parlamentar participou de debates, deu palestras e se encontrou com líderes internacionais, como John Kerry, o enviado especial para o clima da presidência dos Estados Unidos.
Confira os principais trechos da entrevista que Marina Silva deu ao Estadão, entre um compromisso e outro.
Lula virá à COP 27 na semana que vem, qual a sua expectativa? A senhora vai estar aqui?
Vou estar aqui, minha agenda já estava estabelecida até o dia 18. A expectativa é muito grande, uma expectativa de o Brasil assumir a cena do protagonismo ambiental global. Não por acaso, o Brasil foi o primeiro país em desenvolvimento a assumir metas de redução de CO2 em 2009. Foi o primeiro país a se comprometer em colaborar com um fundo para o processo de mitigação e adaptação dos países vulneráveis. Foi o país a contribuir com maior redução de emissões, evitou lançar na atmosfera 5 bilhões de toneladas de CO2. Também foi responsável, de 2003 a 2008, por 80% das áreas protegidas criadas no mundo. É esse protagonismo que o mundo quer ver o Brasil exercer, liderando pelo exemplo. O presidente Lula, em seu discurso de vitória, disse que a questão climática, o desmatamento zero e demarcar terras dos povos indígenas são prioridades. Atingir um ciclo de prosperidade social conectado com os compromissos do acordo de Paris é a orientação do seu governo.
Há chance de a senhora liderar esse processo dentro do governo Lula, ou como ministra do Meio Ambiente, ou em algum cargo equivalente?
A decisão de quem será a equipe do governo é do presidente. Fico feliz de ter apresentado a ele talvez uma das plataformas mais robustas para o enfrentamento da destruição ambiental, reconhecida no mundo todo. Um grande fundo de investimentos já se dispôs a colocar dinheiro no Brasil. Estive ontem (na quinta-feira, 10) com John Kerry e com três diretores do Banco Mundial e há toda uma disposição de voltar a investir no Brasil, retomar o Fundo Amazônia, retomar as negociações do acordo do Mercosul com a União Europeia. As pessoas não querem só o discurso, querem a prática. Quando fui ministra do Meio Ambiente, disse que a gente não ia se afastar do compromisso de liderar pelo exemplo.
Esta está sendo chamada de “a COP da implantação”, e um dos assuntos mais discutidos é financiamento. Vai ser possível conseguir financiamento para a Amazônia?
O Brasil não está condicionando a proteção à Amazônia a recursos internacionais, como fez o governo anterior, que fez chantagem, disse que só protegeria a Amazônia se pagassem. Tenho a alegria de ter reduzido o desmatamento em 83% na minha gestão, por quase uma década, isso com recursos próprios. Queremos ampliar a cooperação técnico-científica e abertura para nossos produtos de base sustentável nos mercados internacionais, mas não estamos condicionando a proteção aos recursos. Não operamos no campo da chantagem.
A senhora está acompanhando a equipe de transição. Quais os pontos mais importantes em sua opinião na área ambiental?
A transição é um espaço muito mais de diagnóstico. O debate sobre as propostas aconteceu no momento do plano de governo. A transição serve para confrontar o plano de governo com a realidade, uma realidade que na área do meio ambiente é extremamente difícil, depois de quatro anos de governo Bolsonaro. Espero que as equipes deem o melhor de si, porque se existe uma emergência é na área da proteção de florestas, que estão ameaçadas, assim como as comunidades tradicionais. Precisamos recompor os orçamentos, recompor equipes, evitar os projetos-bomba e assim por diante.
A senhora acaba de se eleger deputada federal. Tem algum projeto específico para a área ambiental em geral, e para a Amazônia em particular?
Existem muitas ações e projetos que já foram aprovados, tudo depende da agenda e das prioridades do governo. Sonho que se faça essa destinação das áreas com floresta. Há também muitos projetos que têm inclusive a ver com áreas de reforma tributária. Para criar uma nova economia, vai precisar de novos instrumentos econômicos. Precisa também ter uma agenda que assegure continuidade nos novos processos, porque é muito difícil ser um empreendedor que faz todo o esforço para seguir a regra de forma correta – e depois tem que competir num ambiente de negócios com quem não teve custos por não ter responsabilidade social nem ambiental.
Poderia citar exemplos específicos?
Nesse sentido, devemos evitar mudar a lei de licenciamento, evitar aprovar a lei de mineração em terra indígena, evitar fazer regularização fundiária para quem invade terra pública.
O que fazer para combater a grilagem, que se tornou um problema crônico no Brasil?
Temos um Código Florestal que foi aprovado e prevê o Cadastro Ambiental Rural. O que vamos precisar fazer é a implementação do Cadastro. Temos de fazer todo o processo de Cadastro Ambiental das áreas que estão sendo ocupadas, aferir as ilegalidades na ocupação de área pública, para falar com conhecimento de causa.
Há várias pesquisas e diagnósticos sobre a Amazônia. Uma delas, do grupo de cientistas do Amazônia 2030, sugere que se deve concentrar as principais atividades econômicas da Amazônia na floresta já desmatada.
Sempre advoguei que a gente aumente produção por ganho de produtividade, e não por expansão predatória da fronteira agrícola. A ideia de uma agricultura de baixo carbono pressupõe o uso de tecnologias e práticas desenvolvidas pela Embrapa que mostram que é possível aumentar a produção sem avançar pelas áreas de floresta. A Amazônia tem grande quantidade de área que foi aberta que está abandonada, ou semi-utilizada. É preciso por um ‘basta’ na expansão sobre os 57 milhões de hectares com floresta não destinada – cuja destinação advogo ser única e exclusivamente para terras indígenas, unidades de conservação de proteção integral e de uso sustentável. Isso com certeza vai por um freio na grilagem sobre essas áreas. Obviamente, também, precisamos dar alternativas de desenvolvimento econômico para substituir o atual modelo predatório de desenvolvimento.
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