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Médica se dedica a estudar efeitos da poluição do ar na saúde: ‘Todos estão expostos’

Evangelina Vormittag, diretora executiva do Instituto Saúde e Sustentabilidade, destaca a necessidade de melhor medição da qualidade atmosférica. ‘Cidades desconhecem a poluição a que estão sujeitas’, diz

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Por Eduardo Geraque
Atualização:

“Após sobreviver a uma pandemia, é inaceitável ainda ter 7 milhões de mortes evitáveis e incontáveis anos perdidos de boa saúde por causa da poluição do ar. É isso que dizemos quando analisamos a montanha de dados, evidências e soluções sobre poluição do ar disponíveis. Mas continua-se fazendo muitos investimentos em um ambiente contaminado e não em um ar limpo e saudável.”

A frase da médica espanhola Maria Neira, diretora do Departamento de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) no Dia Mundial da Saúde, em 7 de abril, ecoou mais como um sinal de alerta. A organização internacional estima que 7 milhões de pessoas morrem por ano devido ao ar poluído.

Evangelina Vormittag, médica e diretora executivado Instituto Saúde e Sustentabilidade. Foto: Marcelo Chello/Estadão

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A invisível e muitas vezes indolor poluição atmosférica – ela serve de gatilho para outros problemas – está na lista das urgências de saúde ambiental da própria OMS, destaca outra médica, a brasileira Evangelina Vormittag, diretora executiva do Instituto Saúde e Sustentabilidade, um dos núcleos nacionais que atua há mais de uma década na guerrilha urbana contra a poluição do ar

"No caso do Brasil, há uma procrastinação muito grande em relação ao problema. Além disso, é um tema que ainda não foi devidamente apropriado pela população. E todos estão sujeitos a ele, não existe muito para onde ocorrer. Mesmo cidades do interior estão com o ar contaminado”, afirma Evangelina.

As soluções ambientais para enfrentar o grave problema da poluição do ar, em termos nacionais, passam por um conjuntos de ações, conforme a médica. Precisam de um maior esforço político, algo que está em falta quando o assunto é enfrentamento da poluição do ar, explica Evangelina. “A questão, como mostramos no ano passado em um estudo, é o monitoramento. As cidades e os Estados, em grande parte, ainda desconhecem a poluição do ar a que estão sujeitos, porque não existem medições.”

Em relação ao pacote legal que precisa avançar tanto em Brasília quanto nos Estados e municípios, Evangelina cita a legislação que determina os limites oficiais para o ar ser considerado poluído ou não como exemplo. O Brasil, por muito tempo, teve legislação defasada. Os limites no País para os vários tipos de poluentes atmosféricos – e o ozônio, o material particulado fino e o carbono negro são os mais nocivos em termos de saúde pública – eram mais frouxos do que os estipulados pela OMS.

“Em 2017 finalmente houve uma nova lei, que ajustou esses padrões, mas sem prazo definido para eles entrarem em vigor”. Na prática, como os índices ainda estão defasados, a qualidade do ar que entra no pulmão dos brasileiros pode estar muito pior do que se imagina. A nota de corte aqui, para definir se o ar está bom, regular ou ruim, é menor do que a da OMS. 

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“Ainda tem outros pontos importantes em termos de legislação. Como a questão da inspeção veicular ambiental, que os Estados não fazem mais, e, no caso paulistano, uma implementação mais acelerada de ônibus elétricos, como prevê a lei”, diz Evangelina.

Voo cego

O monitoramento da qualidade do ar no Brasil também é algo que precisa avançar, para que o problema possa ser enfrentado. Os resultados da pesquisa feita pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade em 2021, divulgados em agosto, mostram que só dez Estados e o Distrito Federal realizam o monitoramento por meio de 371 estações ativas – 80% delas na Região Sudeste.  “Outro problema que detectamos é que mais de 40% das estações nacionais são privadas. No Rio de Janeiro, por exemplo, elas representam 60% do total das estações.” 

Segundo Evangelina, esse é um problema que torna pouco confiável os dados, porque muitas vezes, são redes com equipamentos defasados ou que não passam por manutenção. Nesse aspecto, a rede paulista, operada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), é 100% pública, o que dá uma visão melhor do que se passa no Estado. 

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“Em São Paulo, ainda temos problemas sérios de poluição do ar, além da capital, em Cubatão, Santa Gertrudes, por causa do polo cerâmico, e outras cidades como Rio Claro e Paulínia”, explica a médica, que ao longo de sua carreira também se inspirou no trabalho do médico Paulo Saldiva, da Universidade de São Paulo (USP), um dos grandes estudiosos da poluição do ar em nível mundial. 

Além de haver uma rede pública, com equipamentos atualizados e em funcionamento adequado, também é importante saber o que se mede. E, em muitos casos, explica Evangelina, poluentes como o material particulado fino (poeira invisível que entra pelas vias respiratórias e chega até o pulmão, onde se deposita) não são avaliados, porque os equipamentos não têm sensores específicos para isso. 

“No Brasil, apenas 26% das estações medem esse tipo de poluente. A Rede Nacional de Qualidade do Ar encontra-se incompleta, e insuficientemente implantada, inviabilizando uma adequada gestão da qualidade do ar pelos órgãos ambientais”, afirma. Mesmo no caso de São Paulo, o poluente carbono negro, que vem ganhando importância em estudos mundiais feito pela OMS, só é medido em quatro estações. 

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Para tentar acelerar o combate à poluição do ar no País, Evangelina cita dois caminhos, de forma mais pragmática. O primeiro passa pelas eleições. “A sociedade precisa eleger gestores que tenham a saúde ambiental entre as suas prioridades.” E a segunda é um engajamento maior da sociedade civil, como o Instituto que Evangelina dirige tenta fomentar, além de monitorar todos os avanços e eventuais retrocessos que ocorrem em nível de legislação no País. 

“Na questão do monitoramento, tivemos um avanço muito grande no Estado do Acre, a partir do Ministério Público e da academia. Com sensores baratos e que informam a situação da poluição em tempo real, o Estado hoje sabe o que está ocorrendo”, explica a médica. 

Por mais que o cenário seja ruim, ainda mais em tempos de queimada na floresta – situação, inclusive, presente em muitas regiões da Amazônia – o poder público está sendo cobrado pela população a agir. Ou, pelo menos, a questão da poluição do ar entrou no radar de toda a sociedade.  “Essa rede de monitoramento do Acre é um exemplo que pode ser replicado para todo o País. Queimadas e grandes frotas veiculares movidas a combustível fóssil são os grandes causadores da poluição do ar, mas esse tipo de tecnologia mais acessível pode ajudar”, explica Evangelina.

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