BRASÍLIA – A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento composto por 267 representantes ligados às áreas do meio ambiente, agronegócio, setor financeiro e academia, reagiu mal ao anúncio de novas metas climáticas feito pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
O Estadão teve acesso a um documento elaborado pelo grupo de empresas, que analisou a decisão anunciada na semana passada pelo governo brasileiro. A atual gestão federal reafirmou a meta de redução de 43% nas emissões até 2030, com base no que era emitido no País em 2005. Este compromisso tinha sido feito pelo governo de Dilma Rousseff em 2015 no âmbito do Acordo de Paris. O Brasil também sinalizou que poderia ter zero emissões de gases de efeito estufa até 2060, como contribuição ao esforço mundial para o combate ao aquecimento global, quando muitos países estabeleceram essa meta para 2050. Salles não detalha, ainda, como a meta seria atingida, além de condicioná-la a apoio de outros países.
Na avaliação das empresas, a proposta do governo Bolsonaro foi marcada pela “ausência de diálogo no processo de revisão”. “A sociedade brasileira foi fundamental para que o país apresentasse uma meta ambiciosa na Conferência do Clima (COP) 21, em 2015, que teve como resultado a assinatura do Acordo de Paris. Na revisão, a tradição de diálogo e escuta com a sociedade não foi respeitada”, afirma o grupo.
A avaliação é de que essa postura “põe em risco os esforços globais para manter o aumento de temperatura média do planeta em, no máximo, 1,5° C até o fim desse século”, porque Brasil mudou parâmetros relevantes do processo, colocando em dúvidas sua real ambição e capacidade de planejamento sobre o assunto. “A falta de clareza pode dificultar o País na atração de investidores”, afirmam as empresas, no documento.
A lista de empresas que compõem a coalizão inclui nomes como Amaggi, Basf, Bradesco, Cargill, Danone, Eucatex, Gerdau, Instituto Ethos, Itaú, Klabin, Natura, Santander, Unilever e WWF Brasil.
Salles disse, durante o anúncio das metas, que o governo está “reafirmando os nossos compromissos, colocando o compromisso brasileiro com a neutralidade de emissões até 2060". Segundo o ministro, “mais uma vez o Brasil está demonstrando o seu compromisso com a questão climática do planeta”. A posição do Brasil está na contramão de outras nações, como China, Inglaterra e países da União Europeia, que já anunciaram metas mais ousadas para reduzir a emissão de CO².
Com esses números, o Brasil deixa de cumprir, inclusive, as metas previstas em sua própria Política Nacional de Mudanças do Clima. Salles disse ainda que o Brasil assume a meta de chegar à neutralidade de suas emissões carbono – ou seja, retirar do ar a mesma quantidade que emite – até o ano de 2060, quando a maioria dos países signatários do Acordo do Paris já trabalha com dez anos antes, para 2050.
O ministro disse que, caso outros países venham a investir em programas de proteção à floresta, esse prazo poderia ser reduzido. Não detalhou de onde veio a projeção de US$10 bilhões que fez, quem colocaria esses recursos no País, por quê, em quanto tempo e de que maneira.
“É justo que o País possa receber apoio externo para seus esforços de mitigação, mas se for como contrapartida a avanços efetivos. É fundamental o país alcançar a significativa redução e trabalhar pela eliminação do desmatamento ilegal de seus biomas e combater a ilegalidade”, diz a coalizão.Entretanto, afirma, “a menção às políticas públicas como parte da estratégia para cumprimento da meta climática foi retirada nessa revisão da NDC (Contribuições Nacionalmente Determinadas), gerando incertezas e insegurança jurídica”.
Segundo as empresas, a menção à meta absoluta em giga toneladas de carbono foi retirada, o que chama a atenção, uma vez que o Brasil tinha o grande diferencial de ser o único País emergente a possuir uma meta de redução absoluta de gases de efeito estufa. “Um maior engajamento com diversos atores na sociedade civil poderia apontar caminhos e meios de implementação, inclusive com possibilidades de antecipar o prazo de cumprimento”, declaram as empresas.
A coalizão lembra, por exemplo, que os compromissos assumidos tanto no âmbito do Acordo de Paris quanto na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) traz metas para 2020 que ainda não saíram do papel.
NDC é o compromisso que cada país apresentou por ocasião do Acordo de Paris, mas já se sabia naquela época que mesmo se todas as medidas prometidas fossem adotadas elas eram insuficientes para alcançar os objetivos estabelecidos. O mundo ainda caminharia para um aquecimento de cerca de 3°C até o fim do século – em vez dos “bem abaixo de 2°C” ou desejado 1,5°C preconizados em Paris. Por isso o próprio acordo estabeleceu que em 2020 as nações teriam de melhorar suas NDCs.
Há duas semanas, o Observatório Clima – rede de 56 ONGs voltadas para as mudanças climáticas – propôs que a nova NDC do Brasil deveria trazer uma meta de corte de 81% nas emissões até 2030. Isso significaria chegar ao fim da próxima década emitindo no máximo 400 milhões de toneladas de gases de efeito estufa, medidas em gás carbônico equivalente (CO²e). A emissão líquida atual do Brasil é de cerca de 1,6 bilhão de toneladas de CO².
Marcello Brito, representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e presidente do conselho diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), diz que com preocupação o distanciamento do Brasil em relação a outros países que assumiram metas mais audaciosas. “Não se trata apenas de comparação entre países. Estamos falando do novo modelo de desenvolvimento que será hegemônico dentro de poucas décadas. A humanidade não tem opção: precisamos descarbonizar a economia rapidamente. Quem não tiver uma economia descarbonizada ficará fora das grandes cadeias globais de suprimentos.”
Ao falar especificamente sobre o agronegócio e seu papel na preservação do meio ambiente, Brito diz que a Coalizão Brasil tem trabalhado desde 2015 na identificação de “soluções técnica e economicamente factíveis” e que, antes ainda, o País vinha reduzindo o desmatamento sem qualquer prejuízo à produção agropecuária. O cenário, porém, piorou drasticamente.
“Desde 2012, o desmatamento tem crescido ano após ano no Brasil. Nos dois últimos anos, com números recordes. O crescimento do desmatamento e também das queimadas está se dando em um mundo cada vez mais consciente sobre a urgência da crise climática e a necessidade de descarbonização da economia. Sob essa perspectiva, não é de se estranhar que a pressão internacional esteja cada vez mais intensa”, diz Marcelo Britto.
Empresas e investidores têm identificado modos tradicionais de produção, sem comprometimento com o clima, como de alto risco de prejuízos e risco reputacional, diz o presidente do conselho diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). “O Brasil precisa urgentemente melhorar seus indicadores na área ambiental, notadamente em clima, para que essa percepção de risco não se consolide como um rótulo permanente sobre seus produtores.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.