Entre os meses de outubro de 2021 e de 2022, 20.075 hectares da Mata Atlântica foram destruídos, de acordo com a nova edição do Atlas da Mata Atlântica, lançado nesta quarta-feira, 24. Isso corresponde a mais de 20 mil campos de futebol de futebol em um ano ou um Parque do Ibirapuera desmatados a cada três dias. Entre os cinco Estados que mais destruíram o bioma - o mais devastado do País -, quatro são presença constante na lista da devastação desde o início dos anos 2000: Minas Gerais, Bahia, Paraná e Santa Catarina.
O Atlas da Mata Atlântica é um estudo realizado desde 1989 pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Desde que o levantamento passo a ser divulgado anualmente, em 2011, Minas foi o Estado que mais desmatou por oito vezes. Em outras três edições esteve em segundo lugar. A Mata Atlântica representa cerca de 19% do território mineiro e cerca de 40% da área total existente do bioma no País.
A Bahia esteve no topo da lista duas vezes nesse período, seis vezes em segundo lugar, duas vezes em terceiro e uma vez na quarta colocação. Paraná e Santa Catarina, com extensões menores de desmatamento, se alternaram entre a quarta e a quinta colocações.
A eles se somam em anos alternados Mato Grosso do Sul e Piauí, Estado com três entre as cinco cidades com os maiores desmatamentos no último levantamento. Isso, somado à presença piauiense entre os maiores devastadores entre 2013 e 2018, revela um movimento de expansão do desmate em terras nordestinas.
O levantamento divulgado nesta quarta aponta que os 20.075 hectares desmatados representam uma redução de 7% em relação ao que se perdeu em 2020-2021. No entanto, essa área perdida é a segunda maior dos últimos seis anos e fica 76% acima do valor mais baixo já registrado na série histórica, 11.399 hectares, entre 2017 e 2018.
De acordo com Luis Fernando Guedes Pinto, diretor de conhecimento da SOS Mata Atlântica, o desmate acontece na esteira do avanço da atividade agropecuária nos Estados do Nordeste e da exploração de araucária no Paraná. “Bahia, Minas, Piauí e Mato Grosso do Sul são áreas de fronteiras agrícolas e o desmatamento ocorre em áreas de transição da Mata Atlântica para biomas como o Cerrado e a Caatinga”, afirma. “Mais de 90% do desmatamento tem indícios de ilegalidade.”
De acordo com o último levantamento, apenas 0,9% das perdas ocorreram em áreas protegidas, enquanto 73% se deram em terras privadas. Além do avanço das fronteiras agrícolas, a especulação imobiliária, principalmente nas proximidades das grandes cidades e no litoral, também é apontada como outra das principais causas.
O atlas divulgado nesta quarta mostra que cinco Estados acumulam 91% do desflorestamento: Minas Gerais (7.456 ha), Bahia (5.719 ha), Paraná (2.883 ha), Mato Grosso do Sul (1.115 ha) e Santa Catarina (1.041 ha). Oito registraram aumento (Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Sergipe), e nove tiveram redução (Ceará, Goiânia, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo).
No mesmo período, dez municípios concentram 30% do desmatamento total. Desses, cinco estão em Minas, quatro na Bahia e um em Mato Grosso do Sul. Três cidades baianas foram as campeãs da devastação: Wanderlei (1.254 hectares), Cotegipe (907 hectares) e Baianópolis (848 hectares). Em seguida aparecem São João do Paraíso (MG, 544 hectares), Araçuaí (MG, 470 hectares), Porto Murtinho (MS, 424 hectares), Francisco Sá (MG, 402 hectares), Capitão Enéas (MG, 302 hectares) e Gameleiras (MG, 296 hectares).
Legislação em perigo
A Mata Atlântica tem uma lei especifica para ela. Após ser considerado patrimônio nacional pela Constituição de 1988, o bioma ganhou uma legislação própria para ser protegido 18 anos depois quando, no dia 22 de dezembro de 2006, foi sancionada a Lei da Mata Atlântica.
A lei regulamenta a proteção e uso da biodiversidade e recursos da floresta. Entre outros pontos, a legislação proíbe o desmatamento de florestas primárias, cria incentivos financeiros para restauração dos ecossistemas, estimula doações da iniciativa privada para projetos de conservação e delimita qual é o domínio da floresta.
Essa lei, no entanto, está ameaçada por uma Medida Provisória sobre o Programa de Regularização Ambiental com emendas ao texto original que afetam e flexibilizam diretamente a Lei da Mata Atlântica. O texto foi editado no governo de Jair Bolsonaro (PL) e aprovado em março pela Câmara dos Deputados.
Uma das emendas, de autoria do deputado Rodrigo de Castro (União-MG), permite o desmatamento para implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, gasoduto e sistemas de abastecimento de água sem estudo prévio de impacto ambiental.
A emenda vai além e dispensa que essas obras sejam realizadas sem qualquer tipo de compensação ambiental. O texto também exime a obrigatoriedade da captura, coleta e transporte de animais silvestres para realizar a intervenção, exigindo apenas que eles sejam afugentados.
Em junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) protocolada pelo Partido Verde (PV) que questiona e pede a suspensão dessa MP. “O que acontecer nesses próximos 15 dias vai nos dizer qual será o futuro da Mata Atlântica nessa gestão (petista)” diz o diretor de conhecimento da SOS Mata Atlântica. “Já estamos em maio, talvez a diminuição do desmatamento (promessa de campanha do presidente Lula) possa não ser tão grande assim.”
Devastação medida pelo MapBiomas é maior
A Mata Atlântica é o bioma mais desmatado do Brasil. De acordo com o Atlas, restam apenas 12,4% de sua cobertura original.
Neste ano, no entanto, o estudo foi divulgado com os dados do primeiro ano completo de observação do bioma pela plataforma MapBiomas, projeto que reúne universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia. A medição feita por ela utiliza metodologia diferente da usada pelo Inpe.
A boa notícia é que, de acordo com o MapBiomas, a área remanescente da Mata Atlântica é de 24% do bioma original. A má notícia é que a área desmatada entre janeiro e dezembro de 2022 foi de 75.163 hectares entre florestas maduras e jovens. A área total perdida, portanto, é quase o quádruplo da contabilizada pelo Atlas.
A Mata Atlântica é o bioma presente em cerca de 15% do território brasileiro, em 17 Estados. Mais de 70% das pessoas do Brasil vivem nessas áreas, que concentram 80% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. “O governo vai ter que agir muito rápido (para estancar as perdas). A Mata Atlântica tem que ser o primeiro lugar do Brasil a atingir o desmatamento zero”, afirma o diretor de conhecimento da SOS Mata Atlântica.
MG diz recuperar vegetação, SC afirma fazer compensação ambiental
O governo de Minas Gerais afirma que de 2021 até abril deste ano, foram recuperados mais de 26,5 mil hectares de área referente à Mata Atlântica. Segundo o Estado, o combate ao desmatamento ilegal no a preservação da biodiversidade, aliada ao desenvolvimento sustentável, são algumas das principais metas do governo de Minas, que diz investir em ações estratégicas.
“Exemplo disso, foi a assinatura na última terça-feira, 23, de um Protocolo de Intenções com municípios para o desenvolvimento de ações preventivas conjuntas e articuladas para redução do desmatamento ilegal no estado. Prefeitos e representantes de municípios mineiros das regiões mais críticas em relação a focos de desmatamento assinaram o protocolo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad)”, afirma a pasta.
O Estado afirma que nos primeiros quatro meses deste ano foram realizadas 1.467 fiscalizações ambientais, o que gerou 1033 infrações - referentes à Mata Atlântica. “Em comparação com os outros anos, em 2021, foram realizadas 4069 fiscalizações, com 2207 infrações. Em 2022, foram 5.485 fiscalizações, com 3367 infrações registradas”, diz o Estado.
Em Santa Catarina, o Instituto do Meio Ambiente (IMA) afirma que trabalha no combate ao desmatamento ilegal. Segundo o órgão, uma das ações do IMA foi o desenvolvimento do Sistema Integrado de Monitoramento e Alertas de Desmatamento. O programa utiliza imagens de satélite para comparar locais em diferentes períodos, mostrando o histórico da vegetação.
“Se há supressão de vegetação, por exemplo, o próprio sistema verifica se aquela supressão possui autorização de corte ou se foi clandestina. O sistema identifica, por meio de imagens orbitais de alta resolução, a diferença de cobertura vegetal ocorrida mensalmente em todo território catarinense. São avaliados mosaicos com até 4,7 metros de resolução espacial disponibilizados pelo programa NICFI, em parceria com o governo da Noruega”, afirma o órgão.
Sobre a presença constante na lista dos maiores devastadores, o Estado afirma que se diferencia dos demais por estar totalmente inserido no bioma Mata Atlântica “fazendo com que toda a ação esteja inserida dentro da mesma, como é o caso dos processos de licenciamento ambiental, cujo rito se dá de forma legal como preconiza a Lei Federal 11428/2006.”
De acordo com o Estado, “a Autorização de Corte (AuC) é um instrumento legal que estabelece as normas para supressão de vegetação nativa em empreendimentos ou atividades submetidos ao licenciamento ambiental mediante compensação a fim de mitigar os danos oriundos da supressão. Além disso, todo licenciamento é acompanhado da fiscalização visando constatar se as exigências ambientais estão sendo atendidas, bem como, a observância quanto às licenças e autorizações expedidas pelo IMA”.
O Ministério do Meio Ambiente afirma que as altas taxas de desmatamento no Cerrado e na Amazônia e a falta de funcionários do Ibama fizeram com que o governo concentrasse esforços nos primeiros meses do ano e da gestão nessas áreas.
“Aumentamos significativamente a presença do Ibama não apenas na Amazônia apesar da certa prioridade que tivemos que dar. Também requeremos para todos os Estados, também da Mata Atlântica, as informações sobre supressão de mata nativa, nossas estimativas é que parte importante dessa supressão está acontecendo dentro do CAR (Cadastro Ambiental Rural) que é administrado pelos Estados e, portanto, a fiscalização deveria estar acontecendo pelos Estados”, afirma o Secretário Extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial, André Lima.
Procurados, os Estados do Paraná e da Bahia não responderam até a publicação desta reportagem.
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