‘Secretários de calor’ e pedágio: o que 7 cidades fazem para sobreviver às mudanças climáticas

De Buenos Aires a Mumbai, passando por Copenhague e Londres, conheça medidas que tentam tornar metrópoles mais adaptadas ao aquecimento global

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Por Juliana Domingos Lima
Atualização:

Pesquisas recentes mostram que todas as cidades precisam cortar suas emissões de gás carbônico até meados do século para limitar a alta da temperatura global a 1,5 ºC e evitar os piores impactos das mudanças climáticas.

Com mais da metade da população mundial em áreas urbanas, elas são o epicentro da mudança de paradigma necessária para conter o aquecimento global e proteger a população de eventos extremos, como a chuva que devastou Porto Alegre e quase todos os municípios gaúchos entre abril e maio.

Cingapura é reconhecida como um dos exemplos de locais que se preparam para mudanças do clima Foto: chanchai - stock.adobe.com

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O Estadão ouviu especialistas sobre o que cidades em diferentes países que têm avançado nessa agenda fazem em comum.

Para o diretor do WRI Ross Center por Cidades Sustentáveis, Pablo Lazo, mudanças sistêmicas nas gestões dessas cidades são, em grande parte, motivadas por pressões da sociedade civil e apoiadas nas evidências científicas sobre “como esses problemas nos afetarão, independentemente de onde estamos no planeta”.

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Nesse contexto, a aplicação adequada de recursos faz diferença. O financiamento das agências multilaterais para adaptação climática, por exemplo, ainda é direcionado a governos federais e precisa chegar aos orçamentos no nível do município, diz Lazo. “É aí que a verdadeira mudança pode ocorrer para aumentar a resiliência.”

Já pesquisadora Mariana Nicoletti, do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV, destaca a necessidade de atuação conjunta. Isso significa articular municípios e esferas de governo (secretarias, agências ou ministérios de áreas distintas) e não ficar restrito só a órgãos ambientais.

“Os impactos da mudança do clima não se limitam às escalas administrativas, políticas. Arranjos de governança horizontais, juntando municípios, aumentam a capacidade de ação, que é bem limitada hoje nos municípios brasileiros”, diz Marina, que lidera a agenda de pesquisas sobre adaptação climática e gestão de riscos de desastres no centro da FGV.

Segundo ela, consórcios intermunicipais, com governos estaduais e federais “trazem capacidade maior para agir e propiciam esse olhar regional tão importante, conectando soluções e funcionalidades pra além do território de uma única cidade”.

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Ela também considera fundamental integrar ações desde o nível dos bairros até regiões metropolitanas. Um exemplo é conectar soluções baseadas na natureza, com jardins de chuva, parques lineares e corredores verdes.

Veja abaixo três tipos de medidas colocadas em práticas em cidades pelo mundo.

Buenos Aires, Cidade do México e mudanças no transporte

Assim como São Paulo e quase toda grande cidade, Buenos Aires enfrenta problemas crônicos de congestionamento e poluição do ar ligados ao transporte motorizado. Em resposta a isso, a cidade se pôs na linha de frente para reduzir emissões de gases de efeito estufa nos transportes:

“Não só conseguiram implementar linhas de BRT em toda a cidade, como transformaram muitas das viagens feitas na região central e em outras áreas em mobilidade ativa (deslocamentos a pé ou por bicicleta)”, diz Lazo.

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Segundo o site da prefeitura, a capital argentina tem hoje dez linhas de BRT e, de acordo com o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), 128 quilômetros de corredores.

Combinação de BRT e outras soluções de mobilidade ajudou a desafogar o trânsito em Buenos Aires Foto: buenosaires.gob.ar

O sistema enfrentou resistência no início, mas é creditado por “destravar” o trânsito da principal avenida portenha, a Nove de Julho. O BRT é o ponto chave do Plano de Mobilidade Sustentável da cidade, que começou a ser pensado em 2007. Dois anos depois, veio o Primeiro Plano de Ação Climática, com múltiplas estratégias de adaptação.

Foi também em 2009 que a cidade iniciou a construção de sua rede cicloviária, que é protegida com barreira física e alocada em vias secundárias, com menor limite de velocidade. A administração municipal firmou ainda convênios para estimular o uso da bicicleta e ampliou as áreas caminháveis, permitindo que viagens curtas sejam feitas a pé em vez de usar meios motorizados.

Segundo o Programa Cidades Sustentáveis, a rede de ciclovias ultrapassa hoje os 130 quilômetros de extensão e integra pontos estratégicos da cidade.

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Essas medidas estão alinhadas com o terceiro plano da área de Buenos Aires, em vigor desde 2021, chamado Plano de Ação Climática 2050. Ele define metas de redução de emissões e estratégias para alcançar a neutralidade de carbono com foco em três setores principais: energia, transporte e resíduos.

O plano coloca a ambição de reduzir as emissões em 53% até 2030 (para 6 milhões de toneladas de CO2 equivalente ao ano) e em 84% para 2050 (para 2 milhões de toneladas de CO2 equivalente ao ano), em relação às emissões do ano base de 2015.

As mudanças foram feitas por meio da atuação conjunta das secretarias de planejamento urbano e meio ambiente, em um departamento voltado a elaborar estratégias de adaptação climática. Em 2024, a cidade criou o Gabinete de Cambio Climático de la Ciudad (GCC), do qual a prefeitura diz participarem todas as pastas. Além disso, segundo Lazo, o município tem um canal direto de comunicação com o governo federal para garantir orçamento para a pauta do clima.

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No âmbito da mobilidade, o especialista do WRI também chama a atenção para as medidas de adaptação implementadas nos últimos 20 anos por sua cidade natal, a Cidade do México.

A capital mexicana foi uma das pioneiras na América Latina na implementação dos BRTs, em 2005. A rede abrange hoje 283 estações, sete linhas de ônibus e 140 km de corredores, que atendem 1,8 milhão de passageiros diariamente, e conseguiu reduzir o tempo das viagens e as emissões.

Ciclovias são uma das apostas da capital mexicana para melhorar o trânsito Foto: ITDP Mexico

Agora, a cidade de mais de 21 milhões de habitantes está eletrificando seus ônibus, tendo concluído a implantação em uma de suas linhas de BRT até o momento. Mesmo assim, já dispõe da maior frota de ônibus elétricos articulados da América Latina e uma das maiores do mundo, segundo a rede global C40 Cities, uma das entidades que concedeu assistência técnica à cidade nesse processo. Totalmente elétrica, a Linha 3 conta com 60 veículos e começou a operar em fevereiro de 2023. A meta é eletrificar toda a frota de ônibus até 2035.

Lazo lembra que a mudança tem impacto não somente nas emissões, mas em aspectos ligados à saúde e qualidade de vida da população, como a melhora da qualidade do ar e redução do ruído. “É a próxima geração de mudanças que estamos vendo nas cidades ao redor do mundo, onde é necessário passar dos ônibus a diesel para os elétricos. A transição para as energias renováveis acontece na cidade”, diz.

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Copenhague, Londres, pedágio e a verba climática

Copenhague é conhecida por seu abrangente plano de adaptação climática. A capital dinamarquesa implantou parques, telhados verdes e outras áreas de retenção de água das chuvas, construiu barreiras para proteger áreas costeiras da elevação do nível do mar, adaptou seu sistema de drenagem e tem uma regulamentação rigorosa no nível do planejamento urbano que exige de toda nova construção seja adaptada ao clima, entre outras ações.

Em Copenhague, bancos com 85 centímetros de altura alertam sobre os riscos de elevação do nível das águas motivada pela crise climática Foto: greenmemag.com

Menos falado, porém, é o pioneirismo da cidade em tentar aprovar um orçamento climático, destacado pelo diretor do WRI Ross Center por Cidades Sustentáveis, Pablo Lazo. Esse sistema de governança incorpora compromissos climáticos à tomada de decisão sobre políticas e orçamento.

“Isso deve se tornar uma tendência, porque as cidades vão precisar garantir todos os anos em seus planos orçamentários que haja verba destinada a políticas e projetos de adaptação climática e que não seja apenas setorial, mas transversal. Essa é a mudança de que precisamos”, diz.

Londres também adotou recentemente um orçamento climático. A cidade é famosa por suas zonas de emissão baixa e ultrabaixa, que abrangem a maior parte da região metropolitana e cobram uma taxa diária de £12,50 (cerca de R$ 85) pela circulação de veículos poluentes. As zonas são válidas 24 horas por dia e 7 dias por semana.

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“Eles perceberam, no início dos anos 2000, que precisavam começar a mudar certas políticas e projetos para integrar a adaptação climática. É uma cidade que sempre esteve na vanguarda (na luta contra o aquecimento global)”, afirma Lazo.

Londres cobra uma espécie de 'pedágio' por emissões de gases de efeito estufa Foto: intelligenttransport.com

O orçamento climático vem sendo introduzido por etapas na cidade desde 2022. Segundo a prefeitura de Londres, o foco inicial foi colocado sobre a meta de zerar emissões líquidas até 2030. A ideia é que o escopo desse instrumento se expanda para toda a cidade, identificando ações que estão ou não sendo financiadas.

No primeiro ano, foram listadas todas medidas orçamentárias tomadas para reduzir as emissões em setores como transporte, polícia e bombeiros. No segundo ano, o orçamento climático está se ampliando para incluir medidas de adaptação climática e que abordam fontes de emissões para além desses setores.

“Integrar o orçamento climático ao ciclo orçamentário regular significa maior clareza sobre como as propostas de detentores individuais de orçamento podem reduzir emissões à medida que desenvolvem a priorização orçamentária”, informa a prefeitura.

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Mumbai, Miami e a ‘secretária do calor’

Presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell destaca ainda o surgimento de autoridades voltadas especificamente para lidar com efeitos das ondas de calor urbanas. Miami, na Flórida (EUA), bem conhecida pelos turistas brasileiros, é uma das cidades que têm uma “chief heat officer”. Funciona como uma espécie de secretário que coordena esforços para enfrentar esses fenômenos.

“Propõem medidas transversais. As ondas de calor têm muito a ver com saúde, afetam populações como crianças, idosos e mulheres grávidas. A informação pública é super importante. O Brasil ainda não tem algo nesse sentido”, diz.

Miami é uma das cidades que criou o cargo de 'secretário do calor', para planejar ações de saúde e orientação à população em dias de alta das temperaturas Foto: Solarisys/Adobe Stock

Em 2021, Miami criou a função ao nomear Jane Gilbert para o cargo. De lá para cá, ela pôs em prática medidas como treinar voluntários em comunidades mais expostas ao calor para que verifiquem seus vizinhos e os instruam sobre o que fazer durante períodos de elevação de temperaturas.

Também firmou parcerias com associações médicas para capacitar profissionais de saúde a identificar sinais de exposição crônica ao calor extremo e colocou à disposição centros de resfriamento em bibliotecas e parques, incentivando pessoas sem acesso a locais refrigerados a usá-los durante os alertas de calor.

Há atualmente sete secretárias de calor no mundo, todas mulheres, desempenhando as tarefas de sensibilizar a população sobre riscos de temperaturas altas, identificar as comunidades e bairros mais vulneráveis e melhorar o planejamento e a resposta às ondas quentes.

Os projetos liderados por elas em suas respectivas cidades também incluem o plantio de árvores, a substituição de telhados e pavimentos “frescos”, além de alertar e informar as pessoas sobre como se preparar para as ondas de calor.

A cidade de Mumbai, com quase 21 milhões de habitantes, também incorporou em 2024 a estratégia do orçamento climático. Mas, diferentemente das cidades europeias, o foco imediato desse arranjo financeiro está em implementar soluções para o calor extremo, como aumentar a cobertura de árvores e construir áreas sombreadas em espaços abertos, especialmente nas áreas mais vulneráveis.

Em maio, a cidade indiana de Mumbai enfrentou severas ondas de calor Foto: Indranil Aditya/NurPhoto via AFP

A megacidade indiana enfrentou ondas de calor em abril e maio, ultrapassando os 40ºC. O calor extremo é uma das maiores preocupações para as cidades com o aquecimento global, pois elas já registram temperaturas maiores do que em seu entono devido ao fenômeno das ilhas de calor.

Cingapura

Uma das principais referências no mundo na resiliência ao clima extremo é Singapura – ilha asiática que tem sido ponta de lança na adaptação climática há mais de duas décadas. Ela tem projetos emblemáticos de melhoria da infraestrutura natural e do transporte público. Singapura tem o aumento do nível do mar e a falta de água como maiores desafios trazidos pelo aquecimento global.

Uma das estruturas chave criadas para lidar com esses problemas é a Marina Barrage, que atua no controle de inundações e na captação de água da ilha. A barragem, inaugurada em 2008, tem sete bombas gigantes que drenam o excesso de água para o mar durante a maré alta e chuvas extremas. É também um reservatório de água doce que realiza o represamento e dessalinização na foz do Canal Marina.

No enfrentamento a eventos extremos, Singapura conta ainda com um sistema que prevê e monitora as ondas de calor, notificando constantemente a população, via site e aplicativo, sobre as medidas a serem tomadas, sobretudo para evitar problemas de saúde.

Vista aérea da Barragem Marina, que ajuda a evitar inundações e também na segurança hídrica de Cingapura Foto: Nut - stock.adobe.com

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