Entre maio e julho, os roxos. Por volta de agosto, os amarelos. Mais para o final do ano, os brancos. O País está agora na época do ano em que os ipês floridos ganham as ruas, mas pesquisadores apontam que essa rotina pode mudar com os anos. Entre os motivos, estão desde o aquecimento global a fenômenos climáticos mais localizados, como as secas, que podem levar inclusive à diminuição do período de floração das árvores.
"Se as chuvas forem ficando cada vez mais curtas, ocorrendo só entre dezembro e janeiro, por exemplo, a floração pode adiantar, porque a seca vai começar muito cedo", explica a professora Rosane Collevatti, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG). "Ou mesmo não ter floração, porque a planta pode não ter tempo de se recuperar energeticamente", continua. Normalmente, o ipê fica carregado de flores por não mais do que 20 dias e apenas uma vez ao ano.
A pesquisadora reforça que são nas estações com bastante água que a árvore tem uma fotossíntese máxima e, assim, consegue estocar mais carbono para florir. Fenômenos como a escassez de chuvas podem ter efeitos negativos neste momento. "Se for um período muito curto, vamos começar a ter períodos muito pequenos ou quase não vai ter floração. A floração vai ficando cada vez mais breve e cada vez menor."
Ao mesmo tempo, Rosane reconhece ser difícil prever o efeito exato do aquecimento global na floração ao longo das próximas décadas, já que isso depende também de outros fatores, como as espécies que vão prevalecer e as condições de cada região. Mas reforça que as mudanças de temperatura já podem estar afetando os ipês. Como exemplo, cita uma possível migração das árvores de cidades que hoje estão mais quentes para locais mais próximos dos trópicos.
Entre 2013 e 2018, a pesquisadora coordenou, em parceria com cientistas da Embrapa, o primeiro sequenciamento de genoma de uma espécie nativa do Cerrado: o ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus). A conquista foi tema de artigo publicado em revista da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Estudo
Paralelamente, a pesquisadora participou ainda de um estudo em parceria com o professor Evandro Novaes, do Instituto de Ciências Naturais da Universidade Federal de Lavras (UFLA), para entender quais seriam as respostas de algumas espécies de ipês ao estresse hídrico. Ou seja, como elas reagem quando são desafiadas pela seca, algo que pode se tornar cada vez mais frequente.
Novaes explica as descobertas. "Comparamos duas espécies de ipês de Cerrado, ambas com flor de cor amarela, com duas espécies de ipê de mata, uma de flor amarela e outra de flor roxa", diz. "O que nós observamos no estudo é que, basicamente, as espécies de Cerrado, que naturalmente são mais adaptadas à seca, praticamente não responderam do ponto de vista da expressão gênica ao estresse de seca. Nossa resposta para isso é que elas têm adaptações morfológicas que já as tornam mais adaptadas a essa condição de seca."
Conforme explica Angeline Martini, professora do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (UFV), os ipês são caracterizados, de modo geral, por gerar a floração em períodos de temperaturas mais baixas, com baixa umidade relativa e com poucas chuvas.
"É o período típico dos nossos invernos, principalmente do Centro-Oeste para baixo", afirma Angeline. "A maioria das nossas outras plantas florescem na primavera e no verão. Por isso, o ipê acaba sendo tão chamativo e único."
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