Sediada nos Emirados Árabes Unidos, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, a Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-28) registra presença sem precedentes de pessoas ligadas aos interesses das empresas de combustíveis fósseis. Análise feita pela coalizão Kick Big Polluters Out (KBPO) estima que o número de participantes credenciados ligados à indústria do petróleo é sete vezes maior do que o total de representantes indígenas na conferência.
A análise da KBPO leva em conta a lista provisória mais recente de participação de pessoas com vínculos explícitos com empresas do setor em negociações até agora. De acordo com a análise, ao menos 2.456 pessoas ligadas a empresas de petróleo participam da conferência ambiental.
A KBPO é uma rede que reúne 450 organizações da sociedade civil que defendem a redução da influência de grandes poluidores no debate climático. A entidade explica que a metodologia usada para classificar alguém como defensor dos interesses da indústria do petróleo considera as informações disponibilizadas pelo próprio participante no cadastro na conferência.
Além disso, a rede leva em conta pessoas que tenham interesse em influenciar nos debates e definições das políticas climáticas.
“Se descobrirmos que o delegado autodeclarou seus vínculos com uma empresa de combustíveis fósseis, uma organização com interesses em combustíveis fósseis ou qualquer fundação diretamente associada por propriedade ou controle a uma empresa de combustíveis fósseis, isso nos levaria a classificá-los como um lobista de combustíveis no contexto de sua presença na COP28″, explica a rede.
Nessa terça-feira, 5, debates da COP-28 foram focados nos povos indígenas. A cada dia, a conferência tem como foco um tema diferente, como financiamento, transição energética, e outros. A ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara, que chefia a delegação brasileira na conferência no momento, evitou criticar o grande número de representantes das empresas de petróleo ante membros do movimento indígena. A delegação brasileira reúne o maior grupo indígena da COP-28.
“São mais de 300 indígenas de todas as regiões do mundo. Estamos aqui de forma articulada”, diz Sônia. “É claro que pelo tamanho da população indígena no mundo, pelo trabalho que a gente presta de proteger naturalmente o meio ambiente, (é um número pequeno) mas estamos avançando. Vamos continuar lutando para que tenhamos mas indígenas nas mesas de negociações do Brasil e outras partes do mundo”, acrescentou a ministra.
O levantamento da KBPO mostra que a “delegação” da indústria do petróleo supera praticamente a de todos os países participantes da COP-28, exceto do Brasil, que tem 3.081 integrantes (o maior grupo de um país visitante), e dos Emirados Árabes Unidos, os anfitriões, com 4.409.
A sociedade civil e ambientalistas têm pressionado nesta COP para que os países assumam compromissos no sentido de abandonar o uso de combustíveis fósseis. A medida, no entanto, encontra resistência e é um passo de difícil acordo, uma vez que todas as decisões incluídas no documento final devem ser obtidas em consenso.
Os participantes ligados à indústria de combustíveis fósseis também receberam um número maior de passes para acessar eventos restritos do que todas as nações mais vulneráveis em termos climáticos.
Além de os Emirados Árabes Unidos serem grandes produtores de petróleo, a escolha de Sultan Ahmed al Jaber como presidente da conferência também motivou desconfiança na área ambiental.
Ministro da Indústria no país sede, al Jaber preside a gigante petrolífera Companhia Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (ADNOC, na sigla em inglês). A presidência da COP é um posto-chave durante o encontro global por ter a atribuição de escolher os temas que serão prioritários na conferência.
O número de participanteo ligadas às empresas de petróleo nas COPs tem aumentado expressivamente ao longo dos anos. Enquanto foram apenas 503 na COP de Glasgow, em 2021; no ano seguinte, em 2022, na COP de Sharm el Sheik foram 636.
“ Este ano, pela primeira vez, graças à pressão sustentada da sociedade civil , as pessoas que participaram na COP-28 foram obrigadas a revelar quem representam, revelando muitos lobistas que provavelmente teriam participado incógnitos nas COP anteriores”, diz a KBPO.
Pressão sobre países ricos
A discussão sobre o uso de combustíveis fósseis tem dado a tônica de grande parte dos eventos da Conferência e ocupado o centro das pressões exercidas pela sociedade civil. Até agora, no entanto, não há sinalização de que os países venham a adotar alguma medida grandiosa em relação ao combate a esses recursos.
O tema também tem sido espinhoso para o Brasil que, apesar da redução dos índices de desmate na Amazônia e do esforço de retomar a agenda climática, manifestou posições contraditórias sobre a redução do uso de combustíveis fósseis.
Nos primeiros dias da conferência, ao mesmo tempo em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu a redução da dependência dos combustíveis fósseis, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, indicou que o Brasil faria parte da Opep +, grupo que reúne nações da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) e aliafos.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast nesta semana, o ministro de Minas e Energia afirmou que o país não pode se envergonhar de seu potencial de combustíveis fósseis. “Não vamos nos envergonhar de termos o potencial também dos combustíveis fósseis no Brasil, e eles precisam ser explorados, porque o Brasil é um país onde as injustiças sociais ainda são muito latentes”, disse.
Nos bastidores, a estratégia do governo brasileiro nas negociações da COP-28 inclui pressionar para que os países desenvolvidos liderem os esforços rumo à redução do uso de combustíveis fósseis. Um dos argumentos leva em conta o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”.
Nesse sentido, há a percepção de que os países ricos podem iniciar os esforços já que suas emissões são as principais responsáveis pelas mudanças climáticas, que têm afetado com mais força os países pobres.
Essa estratégia é trabalhada pelo país no âmbito do bloco BASIC, que inclui grandes emergentes, como África do Sul, Brasil, Índia e China, os três últimos entre os maiores emissores de gases de efeito estufa do planeta.
*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.