A participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-28), em Dubai, representou um movimento de retomada da relevância do País na pauta climática global, após anos de hiato nessa área, mas também ficou marcada pela contradição demonstrada pelos gestos de aproximação com os maiores produtores de petróleo do mundo.
Em um momento no qual a urgência pelo fim do uso de combustíveis fósseis bate à porta, o Brasil enviou sinais trocados à comunidade internacional, avaliaram especialistas ouvidos pelo Estadão. Um dos três únicos chefes de Estado a falar na sessão de abertura da COP, Lula defendeu em seu primeiro discurso a redução da dependência econômica de combustíveis fósseis e o aumento do ritmo de desenvolvimento de energias renováveis.
A fala foi complementada pela adesão do Brasil a um acordo com 117 países para triplicar a capacidade global de produção de energia renovável até 2030.
No mesmo dia, porém, o governo anunciava a adesão à Opep+, o que foi considerado por ambientalistas um sinal de que o País não está levando tão a sério quanto necessário a luta contra a proliferação dos combustíveis fósseis, colocando em risco a própria meta traçada até a COP-30, que ocorrerá em Belém, chamada pelo governo de “missão 1,5ºC”.
- A ciência mostra que caso os países queiram garantir a elevação de temperatura abaixo de 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais até 2030 é preciso reduzir drasticamente o uso dos combustíveis fósseis, responsáveis pela maior parte das emissões. O planeta precisa reduzir em 28% o nível de emissões até 2030 para atingir uma meta de 2ºC e em 42% para alcançar o patamar de aquecimento de 1,5ºC.
“A passagem do Lula teria sido nota 10, com louvor, se não tivesse sido ofuscada pelas contradições internas do próprio governo”, analisa Cláudio Angelo, coordenador de política climática do Observatório do Clima. “O Brasil precisa entender que liderança climática e petróleo são como água e óleo. São coisas que não se misturam. Está todo mundo olhando para o Brasil, muito ansioso, esperando o que o Brasil vai fazer em Belém, como o Brasil vai ajudar a mover esse processo para frente.”
Segundo Angelo, não faz sentido a justificativa do presidente de que pretende integrar a Opep+ para forçar mudanças rumo à transição energética. No domingo, antes de partir de Dubai para a Alemanha, o presidente negou que a postura do governo seja contraditória.
“Não há nenhuma contradição, não há nada. O Brasil não será membro efetivo da Opep nunca porque nós não queremos. Agora, o que nós queremos é influenciar”, disse o presidente. “É verdade que nós precisamos diminuir o combustível fóssil, mas é verdade que nós precisamos criar alternativas. Então, antes de você acabar, por sectarismo, você precisa oferecer à humanidade opção.”
Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira, celebra o retorno do País aos debates, mas classifica a passagem pela COP como “frustrante” e uma “perda de oportunidade”. “O Brasil voltou à tona, tem um presidente que comparece, fala, tem voz e é respeitado. Só que o Brasil voltou ao campo internacional com um discurso dúbio. Não voltou com a clareza que precisava.”
Na avaliação de Camargo Neto, o Brasil é um País que já tem a transição energética, que envolve abrir mão dos combustíveis fósseis como matriz, adiantada e poderia ter “falado grosso” contra eles, mas, em vez disso, se aproximou de uma coalizão que engloba os maiores produtores de fósseis no mundo.
“É inaceitável que o país que tenta se posicionar como uma liderança climática, e afirma querer garantir que o mundo se mantenha no limite de 1,5ºC ao mesmo tempo, se alinhe com os maiores produtores de petróleo do planeta”, diz Leandro Ramos, diretor de programas do Greenpeace Brasil.
“Esse não é o jogo onde dê para jogar nas duas equipes. O Brasil precisa escolher de que lado vai ficar sob risco de colocar em xeque a sua capacidade de liderança e influência nas discussões que estão acontecendo”, afirma Ramos.
Liderança em risco
A postura em cima do muro por parte do governo, na visão de especialistas, pode acabar colocando em risco a imagem do País como líder climático, apesar dos grandes avanços registrados, como a redução expressiva do desmatamento na Amazônia em 11 meses de governo.
Dados do sistema Deter, do Inpe, mostram que, até o momento, o País reduziu em cerca de 49,5% a destruição no bioma. Considerando os dados do Prodes, outro sistema do Inpe, o período de um ano, de agosto de 2022 - ainda sob o comando do ex-presidente Jair Bolsonaro -, a julho de 2023, sob Lula, a destruição caiu 22%. Por outro lado, ainda há desafios, como o desmate no Cerrado e a atuação contra queimadas.
Na avaliação do diplomata Rubens Barbosa, especialista em negociações climáticas, a participação brasileira até o momento na COP-28 tem sido “bastante construtiva e ativa”. Ele destaca que o Brasil não chegou a Dubai de mãos vazias, mas com propostas e com resultados significativos para apresentar, como a redução do desmatamento.
“Quando se fala do Brasil, o foco é a Amazônia, e o País tinha o que dizer. Um dos resultados que apresentamos em Dubai foi a redução do desmatamento da Amazônia significativo depois de vários anos de crescimento. Então, o Brasil tinha coisas a apresentar”, disse Barbosa.
A atuação do presidente também foi alvo de ponderações depois que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia virou pauta durante o evento. No sábado, o presidente francês Emmanuel Macron classificou o acordo como “antiquado” e afirmou que o modelo é incoerente com a política ambiental brasileira. Já Lula respondeu dizendo que a postura de Macron é protecionista.
Relevância nas discussões
Mesmo com as críticas, a avaliação é de que o País conseguiu recuperar sua prevalência nas discussões ambientais. O Brasil é visto pelos outros países como um ator chave na preservação do planeta e na contenção do aquecimento global. Nos dois dias em que esteve na COP-28, Lula participou de pelo menos seis agendas bilaterais, discursou em plenárias de alto nível e debateu com a sociedade civil.
No primeiro dia que participou da COP-28, o presidente puxou a fila de chefes de Estado para a foto oficial da conferência, que reúne mais de 160 líderes mundiais. Ao lado dele caminhou o presidente do Emirados Árabes Unidos, sheik Mohamed bin Zayed, com quem o Brasil pactuou um acordo de cooperação para a realização da COP-30, em Belém.
A passagem do líder brasileiro foi marcada pela cobrança de que os países mais ricos e industrializados sejam efetivamente os financiadores da transição ecológica e arquem com os custos da adaptação climática das nações de média e baixa renda. A cobrança tem raiz em um conceito de justiça climática.
Na última sexta-feira, 1º, o governo brasileiro lançou uma proposta para ampliar o financiamento destinado à conservação de florestas, chamado de Fundo Floresta Tropical para Sempre. O mecanismo sugere a criação de um fundo para captar investimentos que serão revertidos em uma remuneração por hectare preservado.
A ideia do Brasil é que pessoas que conservem a floresta sejam pagas por esse serviço prestado. O projeto, ainda em fase preliminar, pretende captar inicialmente US$ 250 bilhões (R$ 1,23 trilhão) para até 80 nações florestais.
O FFTS deverá remunerar os cotistas com juros de mercado equivalente a de um titulo soberano de nação desenvolvida. A diferença para a rentabilidade conseguida pelo gestor – ou seja, a rentabilidade da carteira subtraída da taxa livre de risco – será destinada para o pagamento dos países que comprovam a preservação ou a restauração de suas florestas tropicais.
A gestão será feita por um organismo global, que capta recursos via emissão de títulos de baixo risco (AAA). A estimativa é de US$ 25 por hectare preservado ou restaurado, mas esse valor ainda passará por mais estudos. É prevista uma penalidade de 100 hectares no valor para cada hectare desmatado.
Especialistas viram com bons olhos a medida, que, segundo eles, pode garantir a manutenção de recursos para manter a floresta em pé independente da gestão. O Fundo Amazônia, formado por doações de fundos soberanos, por exemplo, foi paralisado por quatro anos na gestão Bolsonaro, sob o argumento de suspeitas de irregularidades no programa, que nunca foram confirmadas.
Sobre esse último, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou no sábado, 2, um edital de R$ 450 milhões para investir na restauração de grandes áreas desmatadas ou degradadas do bioma amazônico. A iniciativa faz parte de um programa maior, denominado Arco de Restauração na Amazônia. Os recursos vão sair do Fundo Amazônia.
O Restaura Amazônia vai selecionar três organizações com experiência e capacidade para atuar como parceiros gestores da iniciativa, segundo o BNDES. Cada um será responsável por uma das três macrorregiões estabelecidas: Estados do Acre, Amazonas e Rondônia; Mato Grosso e Tocantins; e Pará e Maranhão. /COLABORARAM LEON FERRARI E CAIO POSSATI
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