PLYMOUTH, INGLATERRA - Greta Thunberg, a ativista climática de 16 anos, subiu com agilidade a bordo do Malizia II, o veleiro de regata que partirá na tarde de quarta-feira sempre que o vento estiver bom e levá-la cruzando o Atlântico até Nova York. A viagem deve durar duas semanas. É provável que o mar esteja agitado às vezes.
Thunberg está nesta viagem épica porque foi convidada a participar das negociações climáticas da ONU em setembro, e ela se recusa a voar porque a aviação deixa uma enorme pegada de carbono.
E assim, numa manhã de terça-feira, sob um céu cinzento, lá estava ela, a bordo de uma elegante máquina de corrida que já fez muitas viagens pelo oceano, mas nunca com uma novata de 16 anos. O barco está equipado com painéis solares para alimentar seu equipamento. As condições lá dentro são espartanas: não há banheiro nem muita luz na cabina, então ela terá que ler com a ajuda de um farol. Em um desafio particularmente exigente para uma adolescente com 871 mil seguidores no Twitter, ela não terá muito acesso à internet.
Thunberg nunca fez nada assim antes. Ela disse que estava ansiosa para ficar sem os luxos familiares, de “ser tão limitada”. Ela reconheceu estar um pouco nervosa. “Seja do enjoo marítimo ou saudades de casa ou apenas ansiedade, ou eu não sei”, disse ela. “Eu não sei o quão difícil será esta jornada.” Além disso, ela disse que realmente sentirá falta de seus dois cachorros.
Ela já levou muitos livros (atualmente está lendo Quiet, um livro sobre pessoas introvertidas, como ela); oito cadernos para anotações diárias, alguns parcialmente preenchidos; e caixas de refeições veganas liofilizadas (Thunberg parou de comer carne há alguns anos, por causa das emissões associadas à proteína animal).
Há um telefone via satélite a bordo, então ela planeja enviar algumas fotos e mensagens de texto de sua viagem para amigos que farão o upload delas em suas contas de mídia social. Ir ao banheiro significará dirigir-se para a parte de trás do barco com um balde. A água potável virá de uma pequena máquina de dessalinização que trata a água do mar.
“Ao fazer isso, também mostro como é impossível viver de forma sustentável hoje”, disse ela. “Que, para viajar com emissões zero, tenhamos que navegar assim através do oceano Atlântico.”
A jornada épica do Malizia II é o último estágio de uma jornada épica na qual Thunberg esteve nos últimos anos. Quando criança, os médicos disseram que ela era portadora de síndrome de Asperger. No início da adolescência, ela lutou contra uma depressão severa, tanto que parou de comer por um tempo e parou de crescer.
A recuperação veio lentamente, e só depois de encontrar uma sensação de propósito. “Eu tive minha parcela de depressões, alienação, ansiedade e distúrbios”, escreveu ela em um post recente no Facebook. “Mas sem meu diagnóstico, eu jamais teria começado a greve das escolas pelo clima. Porque então eu teria sido como todo mundo”.
Suas greves semanais pela escola foram iniciadas em Estocolmo, sua cidade natal, há um ano. Eles provocaram um movimento global de jovens para exigir a ação pelo clima e, em seguida, transformou-a em uma espécie de Cassandra moderna, alvo de elogios e ataques dirigidos. Em março veio uma indicação para o Prêmio Nobel da Paz. António Guterres, secretário-geral da ONU, disse que confiava em jovens ativistas como ela para “pressionar as sociedades para salvar o nosso planeta”. Esta semana, Steve Milloy, um ex-membro da equipe de transição Trump, descreveu-a no Twitter como “a ignorante adolescente fantoche do clima.”
Thunberg, na terça-feira, minimizou os ataques. “Eles estão fazendo tudo o que podem para mudar o foco da crise climática para mim”, disse ela. “Isso é o que se deve esperar quando se fala sobre essas coisas.”
Thunberg está tirando um ano de folga da escola. Ela deve participar das negociações da ONU sobre o clima no próximo mês, falando em uma cúpula de jovens em 21 de setembro e na reunião principal em 23 de setembro. Ela também planeja viajar para o Chile para a próxima rodada de conversações sobre o clima patrocinada pela ONU em dezembro.
Ambas as reuniões serão frequentadas por líderes mundiais, os quais concordaram, sob o Acordo de Paris, impedir que as temperaturas globais subam para níveis que produziriam catástrofes climáticas. Ainda assim, as emissões globais continuam em alta, e o mundo em geral não está no caminho certo para cumprir as metas do Acordo de Paris.
"Esta é uma grande oportunidade para os líderes mundiais que dizem que nos ouvem para realmente mostrar que nos ouviram, para realmente provar isso”, disse Thunberg.
A viagem atraiu enorme atenção da mídia. Thunberg deu quatro entrevistas pessoais na terça-feira, falou com outros repórteres no telefone enquanto isso, e cumprimentou alguns jovens grevistas que vieram a Plymouth de outros lugares na Grã-Bretanha antes de se dirigirem a uma sessão de treinamento de emergência.
Havia muitos orientadores e ajudantes. E havia a personalidade de Greta. Uma mulher movendo cadeiras para os simpatizantes usava um moletom com as palavras: “Seja como Greta”. Thunberg, por sua vez, usava um moletom vermelho e calças de moletom lilás com um buraco no joelho.
Boris Hermann, o capitão alemão de 38 anos, disse que cruzou o Atlântico várias vezes. Na verdade, ele navegou pelo mundo neste iate, encontrando rotas onde o vento estava em suas costas, guiando-o através da chuva e da escuridão. Esta viagem, porém, seria diferente. “Eu sinto uma responsabilidade especial também porque é uma viagem importante para Greta e prometemos trazê-la”, disse ele. “Eu admiro a liderança dela.”
O capitão disse que tentaria fazer uma rota pelo sul dos Estados Unidos para evitar os ventos contrários mais fortes, e encontrar o que ele chamou de variações “mais suaves”. Se o vento estiver calmo, pode ser bom velejar e os passageiros poderão relaxar e ler. Ou pode haver rajadas de vento e chuva.
Há duas camas para Thunberg e seu pai, Svante, que a acompanha. Os outros na viagem - Hermann, o capitão; Pierre Casiraghi, o chefe da equipe de corridas do Malizia II; e um documentarista chamado Nathan Grossman - planejam dormir em pufes. O barco tem um motor e gerador em caso de emergência. O slogan da vela principal foi escolhido por Thunberg. “Unite Behind the Science” (Uni-vos em apoio à ciência, em tradução livre).
Thunberg estará próxima da idade de Hermann em 2040, quando os cientistas dizem que as catástrofes climáticas podem atingir o mundo a menos que nos afastemos rapidamente de uma economia baseada em combustíveis fósseis.
“Eu não tenho ideia de como o mundo vai parecer”, disse ela. Ou o mundo terá resolvido o problema com o tempo, ela comentou, ou terá cruzado o que os cientistas chamam de “pontos de inflexão”, além dos quais é impossível retornar aos padrões climáticos normais.“Eu realmente não posso começar a planejar meu futuro”, disse ela.
Essa profunda incerteza anima o ativismo de muitas pessoas de sua geração. Isso explica, em grande parte, por que ela está fazendo esta viagem através do oceano - e porque, para a viagem, ela quer se concentrar no básico. “Meu objetivo é me sentir o melhor possível durante a viagem”, disse ela. /TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO
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