BRASÍLIA - O embaixador do Clima da Suécia, Mattias Frumerie, defende que a Europa deve manter seu rumo de liderança dos esforços e do financiamento contra a mudança climática global, diante da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, ordenada pelo presidente Donald Trump. A União Europeia está entre os maiores financiadores, ao lado do Banco Mundial, do Fundo Verde do Clima e outras instituições multilaterais.
Chefe da delegação sueca para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), Frumerie afirma que os efeitos da saída americana ainda não estão totalmente claros, embora já tenha havido impactos em políticas empresariais. No setor financeiro, grandes bancos americanos abandonaram alianças climáticas para zerar emissões, entre elas a Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFanz).

“Estamos mantendo o curso. Pode ser que a urgência e a necessidade da ação da UE se tornem ainda mais fortes e aparentes. Nós, do lado sueco, e eu acho que da maioria dos estados membros da UE, queremos continuar sendo o líder no plano global, em termos do que nós mesmos estamos fazendo, mas também, é claro, como estamos apoiando parceiros globalmente, incluindo investimentos”, disse Frumerie, em viagem a Brasília.
“Estamos olhando investimentos dentro da UE, certificando-nos de que haja esse tipo de financiamento disponível, mas também construindo nosso forte legado de maior provedor de financiamento climático do mundo. Continuaremos a fornecer financiamento para países em desenvolvimento. Estamos abertos a conversar com cada país para saber o que precisam fazer para atrair investimento e o que é necessário para a transição.”
Os países desenvolvidos, segundo ele, observam atentamente como será o engajamento da diplomacia trumpista nas reuniões da Cúpula das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-30), a ser realizada no Brasil, em novembro. Os EUA simplesmente podem se ausentar das discussões - embora o embaixador avalie que isso não ocorrerá, porque Trump não agiu assim antes no primeiro mandato, quando também denunciou o Acordo de Paris.
Há mais perguntas do que respostas na diplomacia climática. Permanece uma incógnita, por exemplo, qual será o nível político de participação e que papel os eventuais representantes de Trump jogarão nas plenárias, sendo ele um governante negacionista da urgência e da ciência no clima.
Apesar da decisão de sair do Acordo de Paris, o país terá um prazo de carência a cumprir e se manteve como membro da UNFCCC. Pelas regras vigentes, a saída efetiva somente pode ser concretizada em 12 meses após a comunicação formal. Assim, a data esperada é que os EUA deixem de fato o Acordo de Paris em 27 de janeiro de 2026.

“É lamentável que o governo dos EUA tenha decidido sair do Acordo de Paris, mas eles ainda serão membros durante a COP-30. Esperamos obviamente que a maior economia do mundo e o segundo maior emissor contribua com ações climáticas, a despeito de serem membros ou não do acordo”, disse Frumerie. “A questão que temos agora é, claro, até que ponto eles realmente vêm às reuniões? O que eles dirão quando vierem às reuniões? E como eles se envolverão?”, afirma Frumerie.
Para o sueco, no entanto, é necessário destacar que a saída prejudica os interesses dos EUA, ao contrário do que alega Trump. “Por mais que lamentemos que eles tenham decidido sair, também não conseguimos ver que isso será em benefício deles. Se um país decide deixar o Acordo de Paris por vários motivos, nossa avaliação é de que eles estão realmente perdendo. Eles estão perdendo a possibilidade de fazer parte desse movimento para garantir que a transição traga empregos e crescimento para as pessoas globalmente”, diz o embaixador.
“Nessa fase que estamos um pouco esperando para ver. Acho que pode haver alguns países que estariam realmente se beneficiando do fato de que os EUA estão saindo”, disse ele, que evitou mencionar a China, principal rival a desafiar a economicamente a liderança americana.
Na avaliação do sueco, as decisões do governo Biden deixaram mais custoso politicamente para Trump abandonar todas as políticas relacionadas ao clima, pois ressaltam benefícios à economia, mesmo para Estados tradicionalmente redutos republicanos, de iniciativas como o Inflation Reduction Act. A insatisfação destes políticos poderia levar Trump a manter certas práticas, assim como a de executivos de grandes empresas que rejeitaram a decisão. Para o diplomata, não há uma posição coesa nos EUA, e Trump pode ser pressionado internamente a rever.
O embaixador afirmou esperar, por exemplo, que governadores de Estados, entre eles a Califórnia, um reduto democrata, prefeitos e a comunidade empresarial liderem a participação dos EUA na COP-30, como prometeram e já ocorreu no passado, no primeiro governo Trump. Mas essa seria uma participação limitada e complementar, já que não podem atuar representando o governo americano em negociações centrais.

Margem Equatorial
O chefe da delegação sueca expôs no Brasil uma visão crítica sobre o estímulo à exploração de combustível fóssil, o drill, baby, drill defendido por Trump. A continuidade de exploração em novas reservas também é pauta do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
“Em última análise, é uma decisão soberana dos países sobre como eles querem estruturar sua economia. Mas, olhando para isso de uma perspectiva climática global, todos nós deveríamos estar fazendo essa transição para longe dos combustíveis fósseis”, disse Frumerie. “Pode-se discutir o cronograma para isso, em que ritmo os países devem se afastar e fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis.”
Mattias Frumerie compartilhou a posição sueca durante almoço com jornalistas, horas depois de Lula explicitar sua posição favorável à exploração de petróleo na Amazônia. Na semana passada, o petista acusou o Ibama, um órgão ambiental que emite licenças, de suposta demora - um “lenga-lenga” - em autorizar pesquisas da Petrobras na região. A estatal pretende perfurar poços de águas profundas na foz do rio Amazonas, área conhecida como Margem Equatorial. A pressão de Lula é mais um episódio no embate dentro do governo entre alas contra e a favor da exploração.
O negociador-chefe da Suécia lembrou ainda os compromissos comuns assumidos em 2023, na COP-28 de Dubai, as partes pela primeira vez aceitaram acordo para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. “Então, isso é algo que todos os países devem refletir em suas novas políticas. Mas também estamos muito felizes em ver que o Brasil refletiu isso na transição para longe dos combustíveis fósseis. Também esperamos ver na COP-30 como nós, como uma comunidade global, estamos respondendo a esses apelos.”

Revisão de metas
Uma preocupação é se os compromissos nacionais de cada país serão ou não suficientes para controlar e limitar a mudança no clima global, objetivo do Acordo de Paris. Frumerie destacou que o Brasil é reconhecidamente uma liderança e puxou o processo de revisão das NDCs (contribuições nacionalmente determinadas) ao apresentar suas novas metas voluntárias de redução das emissões de gases estufa, a fim de contribuir com o controle do aquecimento global.
O embaixador alertou que, em outubro, será possível prever o quão longe a COP-30 irá, quando a organização brasileira e as Nações Unidas realizarem o sumário das NDCs recebidas até então.
Por meio da compilação dos compromissos nacionais, ele diz que técnicos conseguem calcular por meio de métricas o quão distante os esforços estão da meta de manter o aquecimento abaixo de 1,5º C.
A Suécia tem como meta atingir a neutralidade climática em 2045, cinco anos antes da União Europeia e do Brasil, cujo prazo é até 2050. A UE discute internamente a revisão do prazo. Há pressão de ambientalistas e do setor privado para acelerar o processo e antecipar a data, bem como atingir objetivos intermediários até lá, para 2030, 2035 e 2040.
O embaixador diz que aumentar a ambição das NDCs poderá ser um dos principais resultados da COP-30, embora essa seja uma discussão prévia à cúpula em si, por isso a importância de o Brasil ter liderado o processo e apresentado cedo, como presidente da COP-30, suas novas metas próprias.
“O relatório de síntese mais recente nos mostrou que o nível atual de ambição dentro das atuais NDCs levará a reduções de emissões em torno de 2% a 3% em 2030, o que parece bom. Mas o IPCC, o Painel Climático da ONU, nos diz que precisamos reduzir as emissões em 43% até 2030. Então, a lacuna é substancial. E essa é a lacuna que precisamos fechar nesta rodada de eventos para garantir que realmente possamos cumprir com a meta de 1,5″, explica o diplomata. “Estamos olhando para a COP-30 para garantir que possamos dar uma resposta apropriada ao nível de ambição nas NDCs. Quanto maior for a lacuna, mais forte será a resposta que teremos que dar na COP-30.”
Nada impede, porém, que os compromissos sejam revistos ou retirados - pois são metas anunciadas de forma voluntária. Essa é uma possibilidade, por exemplo, no caso dos Estados Unidos, já que a revisão da NDC americana foi submetida em dezembro passado, ainda no governo Joe Biden, como esperavam autoridades brasileiras, algo considerado uma herança do democrata na pauta climática legada para Donald Trump.
“É plenamente possível que eles simplesmente retirem a NDC. Essa é uma das questões que ainda precisamos ver como os EUA vão agir”, disse o embaixador.
Na COP-29, os países começaram a apresentar pela primeira vez relatórios bianuais sobre como estão de fato implementando as duas NDCs. O processo de atualização e transparência deve continuar neste ano em Belém (PA).

Financiamento
Outro assunto para a reunião em Belém será a nova meta financeira acordada na COP-29, em Baku, Azerbaijão, de que os países ricos devem fornecer US$ 300 bilhões até 2035 para países em desenvolvimento, em apoio à transição. O valor foi acertado sem que tenha sido cumprida a promessa anterior de repasse de US$ 100 bilhões anuais.
A meta mais ampla é de atingir US$ 1,3 bilhão até 2035, e o roteiro para isso será apresentado em Belém (PA). Os esquemas financeiros variam de país a país, mas podem envolver doações ou empréstimos, e recursos públicos e privados, bem como bancos multilaterais, entre outros.
Segundo o embaixador, os principais requisitos analisados pelos atores privados para decidir investimentos climáticos nos países em desenvolvimento são medidas de combate à corrupção, segurança jurídica e funcionamento das instituições.
Ainda sobre os momentos-chave da COP-30, o embaixador enumera que a presidência brasileira tem objetivo de tomar 60 decisões climáticas conjuntas, entre elas um novo plano de ação de gênero.
A Suécia tem historicamente um papel relevante nas discussões climáticas, no continente europeu. Em 1972, o país sediou a Conferência de Estocolmo, a cúpula precursora do debate global sobre meio ambiente e do que hoje são as COPs. Mas, mesmo em seu país, diz que há muitas críticas ao governo e que o setor privado “lidera” e joga pressão sobre a ação do Estado.
Brics e G-20
Ele defendeu que, como previsto no Acordo de Paris, os países desenvolvidos devem assumir a liderança da transição energética “mais longe e mais rápido” do que os outros. Para ele, o G-20, presidido ano passado pelo Brasil, terá uma responsabilidade particular e poderia mudar o jogo se chegar a consensos. A discussão ocorreu no grupo por iniciativa do Brasil, mas os avanços foram tímidos e o embate sobre financiamento se reproduziu.
“Tanto do lado sueco quanto do lado da UE, estamos levando essa liderança a sério e esperamos estar fornecendo esse tipo de liderança aos países globalmente. Mas, é claro, todos nós podemos fazer mais. O G-20 é responsável por 80% das emissões globais. Então, a menos que o G-20 como um grupo se mova, não seremos capazes de combater a mudança climática”, afirmou.
Ele citou, por exemplo, a China, que responde por cerca de 30% das emissões globais atualmente e, embora lidere a indústria da energia solar, ainda é o maior consumidor de energia gerada pela queima de carvão.
O embaixador defendeu a estratégia brasileira de usar o Brics como plataforma neste ano. Além de grandes emissores, como China, Índia, Brasil e Rússia, o bloco agora agrupa países produtores de petróleo, como Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, entre outros."
“Esperamos ver a ação climática também refletida no trabalho do BRICS este ano. Reconhecemos as diferenças que vários países têm e como para os grandes países produtores de combustíveis fósseis se comprometerem a reduzir suas exportações também é equivalente a reduzir sua renda. Então, eu diria frequentemente que é do nosso interesse não apenas da Suécia e da UE, mas para os países globalmente trabalharem com os grandes países produtores de combustíveis fósseis para encorajar e trabalhar com eles para diversificar sua economia. E para que eles encontrem novas formas de renda para garantir o tipo de prosperidade que eles gostariam de fornecer ao seu povo”.
O embaixador afirmou que as políticas para alcançar uma “transição justa” e que existem diversos estudos, entre eles da OCDE, que mostram que as oportunidades de trabalho, numa taxa de ao menos um posto de trabalho perdido para quatro novos criados na nova economia.
Embora reconheça que essa taxa não seja reproduzida igualmente ao redor do planeta, ele defende que trabalhadores da indústria do petróleo, por exemplo, cujas posições podem ser extintas, sejam treinados e preparados para outras frentes.
Alerta insuficiente
O sueco também afirmou que não os governantes e sociedade civil ainda não despertaram para a emergência climática. Para ele, nem mesmo a recorrência de desastres naturais serviu de alerta até agora para que os riscos sejam levados a sério suficientemente por todos, dos governantes aos indivíduos comuns, sejam os recentes incêndios em Los Angeles ou as enchentes do ano passado no Rio Grande do Sul.
A situação preocupa, diz ele, e os apelos mais desesperados vêm de pequenos países insulares Pacífico e do Caribe, que correm o risco de desaparecer ou perder terreno pelo aumento do nível dos oceanos. A discussão sobre deslocamento forçado por desastres não previstos ocorre agora nas Nações Unidas.
“É uma realidade muito dura para vários países e povos ao redor do mundo”, disse o embaixador sueco. “Sempre que temos esse tipo de desastre, muitos de nós dizemos que isso deveria ser o alerta. Por alguma razão, isso não se traduz na ação que precisamos. Isso quase chega ao ponto da psicologia. O que as pessoas precisam? Quais são os sinais de que realmente precisamos para levar a emergência a sério em todos os países globalmente?”.

Preparação
O embaixador passou três dias em Brasília para uma série de reuniões com autoridades ligadas à preparação e às negociações da COP-30. Ele conversou com figuras-chave da organização brasileira, como o presidente da COP-30, embaixador André Corrêa do Lago, a diretora-executiva da COP-30, Ana Toni, e o secretário extraordinário da COP-30, Valter Correia. Visitou a Confederação Nacional da Indústria, o Ministério do Meio Ambiente, a Casa Civil, o Itamaraty, o Ministério da Fazenda, e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
O governo brasileiro e a ONU têm procurado dissipar preocupações com a logística do evento em si. As dificuldades passam por diversas frentes, como a falta de alojamento, infraestrutura urbana precária, distâncias e locomoção entre a sede da COP-30 e os locais de hospedagem, a cobrança de preços exorbitantes na rede hoteleira e de aluguéis por temporada, e até a oferta de voos.
O embaixador afirmou que o governo brasileiro deu garantias de que a logística vai funcionar a contento. Para Frumerie, embora o governo trabalhe com projeções de 40 mil participantes, a cifra estimada deveria ser bastante superior, baseada em estatísticas recentes, em torno de 70 mil.
“É uma operação e tanto a ser realizada, mas temos recebido garantias de colegas brasileiros de que vai dar certo”, disse o embaixador.
Uma das possibilidades em estudo é a antecipação do segmento de alto nível político, destinado à participação de chefes de Estado e de governo. O assunto foi discutido entre o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o secretário-executivo de Mudança Climática da ONU (UNFCCC), Simon Stiell, na semana passada.
Segundo a Casa Civil, o objetivo é garantir acomodações seguras e dentro do padrão esperado aos líderes em Belém. Uma nova alternativa é estimular o aluguel de residências em condomínios de alto padrão.
Governo estadual e prefeitura vão decretar férias escolares e liberar trabalho remoto para servidores. O governo federal investirá R$ 4,7 bilhões na preparação, para além de recursos do governo estadual e da prefeitura.
Simon Stiell rechaçou a transferência de parte da Cúpula para outra cidade, como chegou a ser discutido nos bastidores do governo federal, e defendeu a destinação de recursos para combater a mudança climática, um dos principais embates nas cúpulas. “Financiamento climático não é caridade”, disse ele. “A COP-30 vai ocorrer em Belém.”