O caso é real. Na Fazenda Santa Brígida, no interior de Goiás, onde antes era preciso mil hectares para a engorda de mil bois, agora são necessários apenas 80 hectares para a produção, inclusive com mais qualidade, da mesma quantidade de animais. A base para obtenção dos resultados é o refinamento da chamada integração-lavoura-pecuária-floresta (ILPF), técnica que a Embrapa desenvolve no Brasil há algumas décadas.
Nada do que os indígenas não soubessem, pois as comunidades tradicionais costumam fazer a rotação de produções diferentes em uma mesma área. Mas é um tema que ganha fundamental importância em tempos de altas emissões de gases de efeito estufa, destruição ambiental e predominância das monoculturas.
“O resultado em termos de sustentabilidade é muito bom, porque você não precisa abrir mais área para a pecuária, muito pelo contrário. Mas também existe o ganho na qualidade da produção. Os animais ganham mais peso em uma área menor”, afirma Marize Porto, dona da Santa Brígida e uma entusiasta da produção integrada. O pasto onde os animais engordam, monitorados diariamente, cresce a partir de um solo mais nutritivo, porque a lavoura estava ali antes do capim.
Um dos trunfos da rotação entre lavoura e pasto é o enriquecimento do solo por caminhos naturais. Uma etapa posterior, e nem sempre feita nas propriedades ainda por uma questão logística, é a integração com a plantação de árvores, para balancear ainda mais as emissões de carbono da propriedade. Grandes espécies crescendo e desenvolvendo significam mais carbono fixado no solo.
“A integração lavoura-pecuária-floresta é muito boa para o meio ambiente e também para a produção, concorda Daniel Wolf, da Fazenda Gamada, de Nova Canaã do Norte, em Mato Grosso. Há mais de dez anos, os donos da propriedade começaram a testar a produção integrada em suas terras. “Nós fomos a primeira fazenda na região da Amazônia a adotar a técnica desenvolvida pela Embrapa”, afirma o fazendeiro.
A primeira mudança envolveu o fim da pecuária extensiva em um pasto degradado. Espécies florestais como o eucalipto, a teca, o pinho cuiabano e o pau-de-balsa foram plantadas de forma linear no terreno. No meio das árvores entrou a lavoura, principalmente soja, em consórcio com o capim, depois usado pelo gado. A fertilidade do solo fez explodir a eficiência da produção, inclusive da pecuária, que dobrou. A madeira produzida na Gamada é usada, inclusive, como fonte de energia para o secador de grãos e para a construção das cercas.
Uma das principais vantagens da integração é o fato de não ser necessário muita correção do solo. A rotação aumenta a produção de matéria orgânica, o que permite os plantios diretos das lavouras. Normalmente, o ciclo integrado envolve o plantio e a produção de culturas anuais, como soja seguida do milho ou sorgo. Na sequência, no solo naturalmente enriquecido, a pastagem brota para a entrada dos bois. Quando as árvores estão presentes na montagem do sistema integrado, a sombra para o gado também tende a aumentar ainda mais a eficiência da produção.
Marize, que costuma chamar a floresta de a “cereja do bolo”, não tem dúvida de que a produção integrada, ainda mais em um contexto onde os consumidores estão cada vez mais exigentes com as práticas ambientais, é o futuro do setor do agronegócio. “Quem não tiver nesse caminho terá dificuldades de vender os seus produtos”, afirma a produtora. Ela era odontóloga, mas no início do século, meio no escuro após a morte precoce do marido, herdou uma fazenda praticamente abandonada e resolveu virar o jogo após conhecer a ILPF na Embrapa.
Apesar de os fazendeiros já adeptos da técnica demonstrarem entusiasmo com a produção integrada, e a questão financeira está presente nessa avaliação, a rotação de culturas no campo ainda ocupa uma parte pequena das terras brasileiras.
Números compilados pela Associação Rede ILPF, atualizados no começo do ano, indicam um total de 18,5 milhões de hectares sendo usados para o sistema integrado. Neste universo, 83% usam a técnica de integração apenas entre lavoura e pecuária. Enquanto 9% são de ILPF, 7% de IPF (pecuária/floresta) e 1% de LF (lavoura/floresta). De acordo com o censo agropecuário de 2017, o mais recente disponível, a agropecuária ocupa uma área total de aproximadamente 350 milhões de hectares.
As barreiras para que a técnica da produção integrada ganhe mais peso em todo o Brasil são principalmente três, afirma Renato Rodrigues, pesquisador da Embrapa e presidente do conselho gestor da Associação Rede ILPF (parceria público-privada composta pelas empresas Embrapa, John Deere, Syngenta, Cocamar, Bradesco, SOESP e Ceptis). “É um processo lento e gradual, mas precisamos investir, primeiro, em capacitação de mão de obra e conhecimento técnico, sobretudo, de profissionais de assistência técnica que irão apoiar na implantação da tecnologia de acordo com os interesses dos produtores e a aptidão da região onde a propriedade está localizada”, afirma o pesquisador. Além disso, a disponibilidade e a adequação de crédito e a abertura e o fortalecimento do mercado também são essenciais, segundo Rodrigues.
Neste segundo caso, explica o cientista da Embrapa, a certificação é um dos caminhos viáveis. “Existem diversos esquemas de certificação à disposição do produtor. A própria Rede ILPF possui um Programa de Certificação baseado no TrustScore, uma tecnologia nacional desenvolvida pela Ceptis Agro que consiste em um sistema que utiliza critérios e índices ambientais, econômicos e sociais para avaliar e monitorar a conformidade das propriedades com protocolos de agricultura de baixo carbono, como o protocolo ILPF.”
Nada se faz, também, sem pesquisa e inovação. Mas o grande dilema, admite Rodrigues, é fazer a conta da fazenda fechar. “O maior desafio, no entanto, é mostrar ao produtor que o investimento em certificação poderá garantir excelentes retornos financeiros, além de premiá-lo pelas práticas sustentáveis adotadas dentro de sua propriedade.”
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